3.13. Pedido de vista de processos cautelares fora da secretaria


Situação bastante interessante e passível de ocorrer em processos envolvendo a lei de tóxicos diz respeito ao pedido da defesa para que lhe seja concedida vista de cautelares em curso, em particular, interceptações telefônicas.

Observa-se que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 14, estabelecendo que os defensores tenham amplo acesso aos elementos de prova já documentados nas investigações. O texto da nova súmula estabelece:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”1).

Antes de analisar o teor da decisão que deu origem à Súmula nº 14 do STF, é preciso observar que a Constituição Federal dispõe no art. 5º, inciso XXXIII:

“Art. 5º […]
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

O juiz federal Fausto Martin de Sanctis, a respeito de tal fato, assim ponderou:

“Para que as investigações obtenham êxito, ainda mais nos crimes macroeconômicos, e não causem prejuízos que acarretem a impunidade e o descrédito do Poder Judiciário, é indiscutível a limitação à publicidade de procedimentos e a outras regras, entre elas, o acesso a feitos que ainda tramitem sob sigilo.
Não significa, com este entendimento, obstaculizar o exercício da defesa, mas tão somente a preservação do interesse público, não se tratando de usurpação do direito de acesso a autos sigilosos, mas de apuração eficaz da verdade, evitando-se que a ciência prematura da investigação permita o desfazimento ou apagamento da prática delitiva, fase conhecida por recycling ou reciclagem”2).

Nesse diapasão, acredita-se que a súmula em questão não reconhece direito absoluto aos advogados de acesso aos autos. Várias restrições devem ser observadas, notadamente no que se refere ao fato de que o exame deve restringir-se às provas já documentadas em procedimento investigatório. Assim, constata-se que a citada súmula não abrange as demais diligências realizadas pela polícia judiciária, em especial, os procedimentos cautelares que, por sua própria natureza, têm caráter sigiloso.

A propósito, vale lembrar que o ministro Celso Melo, por ocasião da análise da proposta da referida súmula vinculante, perante o Supremo Tribunal Federal, ao proferir seu voto, assim se manifestou:

“[…] É essencial, para efeito de acesso daquele que sofre a investigação criminal, que os elementos de prova já se achem formalmente incorporados aos autos do procedimento penal-persecutório. Tratando-se de interceptação telefônica, esse procedimento probatório instaura-se em autos apartados, que somente serão anexados aos do inquérito penal (ou do processo judicial) quando já encerrada a execução dessa medida extraordinária (Lei nº 9.296/96, art. 8º). Isso significa, portanto, que, enquanto estiver em curso a diligência probatória de interceptação telefônica, os respectivos autos permanecerão inacessíveis, porque ainda não apensados aos autos do inquérito policial ou do processo judicial”.

Assim, com muita propriedade, o procurador de justiça Denílson Feitoza Pacheco ressalta:

“A fim de proteger o sigilo, conforme art. 8º, parágrafo único, LIT, a apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, §1º)”3).

Impende salientar que tal questão já foi alvo de exame pelo STF na análise do HC nº 88.520/AP:

“I. Habeas corpus: inviabilidade: incidência da Súmula 691 (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de ‘hábeas corpus’ impetrado contra decisão do Relator que, em ‘hábeas corpus’ requerido a Tribunal Superior, indefere liminar”).
II. Inquérito policial: Inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial.
[…]
4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objetivo as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em consequência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. […]”4).

Além disso, a citada súmula ainda estabelece que os elementos de prova devem dizer respeito ao direito de defesa, o que não se verifica quando se trata de cautelar de interceptação telefônica ainda em curso.

A respeito do assunto, traz-se à baila um trecho do voto do ministro Cezar Peluso, que se amolda como uma luva ao presente caso:

“[…] uma coisa são os elementos de prova já documentados. Quanto a estes elementos de prova já documentados, não encontro modo de restringir o direito dos advogados em defesa dos interesses do cliente envolvido nas investigações. Outra coisa são todos os demais movimentos, atos, ações e diligências da autoridade policial que também compõem o inquérito. A autoridade policial pode, por exemplo, proferir despacho que determine certas diligências cujo conhecimento pode frustrá-las; a esses despachos, a essas diligências, o advogado não tem direito de acesso prévio, porque seria concorrer com a autoridade policial na investigação e, evidentemente, inviabilizá-la. Por isso, da ementa consta textualmente: 'ter acesso amplo aos elementos que, já documentados'. Isto é elementos de prova. Por isso, tal ementa, ao meu ver, resguarda os interesses da investigação criminal, não apenas das diligências em andamento, mas ainda das diligências que estão em fase de deliberação. A autoridade policial fica autorizada a não dar ciência prévia desses dados ao advogado, a qual poderia comprometer o resultado final da investigação. […]”5).

Registra-se que a impossibilidade de acesso aos autos, nesse caso, não representa violação à Constituição Federal ou ao Estatuto da OAB. Como se sabe, para a melhor apuração do fato delituoso, é plenamente possível a adoção do sigilo no que é pertinente às medidas cautelares, em especial, à interceptação telefônica, sob pena de se verem frustradas essas formas de investigação.

Por último, insta consignar que o advogado somente poderá ter acesso aos autos no interesse de seu cliente. Tratando-se a cautelar de interceptações de diversos números de aparelhos de telefone, nas quais vários indivíduos estão sendo alvo de investigação, não há como abrir vista dos autos à defesa de um dos requerentes sem que isso fira o direito de sigilo dos demais envolvidos.

Nesse sentido, o excelso pretoriano determina:

“[…] 1º) o advogado não tem direito a ter vista, tomar apontamento e exigir cópias de todo e qualquer documento alusivo a pessoa diversa da que lhe outorgou o mandato, durante o trabalho investigatório, com o timbre do sigilo; […]”6).

A segurança das informações é aspecto importante, mormente no campo da segurança pública, sob pena de se frustrar o objetivo de neutralizar a ação do(s) criminoso(s).

Muito tem se investido para melhorar o aparato de segurança orgânica das instituições, conforme noticia Priscila Carlos Brandão:

“A segurança de informações está relacionada com medidas de proteção que se pautam por técnicas ofensivas de inteligência, que incluem restrição de pessoas a determinados lugares, proteção física de documentos e pessoas, controle de viajantes, de contatos estrangeiros, além de regras para classificação, custódia e transmissão dos documentos. A literatura especializada estabelece alguns parâmetros internacionais para a área de segurança de informações que fica dividida, basicamente, em três componentes: Segurança defensiva; detecção e neutralização de ameaças e fraude. Todas elas são disciplinas de defesa que, no entanto, podem envolver atitudes ativas e/ou passivas”7).

Todos os mecanismos de segurança das informações podem cair por terra se, mediante uma interpretação equivocada da Súmula nº 14 do STF, os investigados em inquéritos policiais tiverem acesso aos dados contidos em procedimentos cautelares – como a interceptação telefônica –, o que lhes possibilitará uma preparação para as futuras diligências policiais.

Como já foi dito, o direito à defesa não pode ser tão amplo a ponto de servir de escudo à atuação criminosa, mormente àquela que advém do crime organizado, que tantos danos tem causado à sociedade, deixando a população completamente desprotegida em razão da ineficiência da atuação do Estado.


1)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 14. Relator: Min. Menezes Direito. Brasília, DF, 26 de março de 2009. Dje n. 59, 27 mar. 2009
2)
SANCTIS, Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro: destinação de bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 27.
3)
PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 3. ed. Niterói: Impetus, 2005. p. 922.
4)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 88.520/AP. Dje, 19 dez. 2007, grifo nosso.
5)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto proferido pelo Ministro César Peluso, na análise da proposta da súmula vinculante nº 14. Dje, 9 fev. 2009, grifo nosso.
6)
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82.354-8/Paraná. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Dje, 24 set. 2004.
7)
BRANDÃO, Priscila Carlos. SNI & ABIN: uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2002. p. 23.