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3.19.1. Questionamento quanto às interceptações telefônicas


Um dos assuntos mais corriqueiros em se tratando de tráfico de drogas diz respeito ao questionamento quanto às interceptações telefônicas. Isso porque as interceptações, sem dúvida alguma, ao lado das denúncias anônimas, constituem hoje um dos instrumentos mais eficazes para a repressão ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, notadamente quando se trata de organização criminosa e/ou tráfico interestadual.

Nesse contexto, buscando fornecer mecanismos que possam auxiliar o trabalho dos promotores de justiça, em especial, daqueles que oficiam em comarcas do interior, onde deparam com todo tipo crime, inclusive tráfico de drogas e associação para tal fim, abaixo serão elucidadas algumas das preliminares mais comuns à área, com os principais questionamentos arguidos pela defesa, bem como, a título de sugestão, serão apresentadas algumas doutrinas e jurisprudências que tratam do assunto.

Antes, porém, torna-se necessário trazer à baila alguns apontamentos sobre o valor probante da interceptação telefônica e sua importância.

Em relação às escutas telefônicas, vale ressaltar que constituem mais um meio de prova eficiente e inovador, colocando a tecnologia a serviço da justiça, mormente nos delitos de tráfico de drogas.

Como é cediço, a interceptação telefônica constitui valioso instrumento de investigação e de prova, sobretudo quando o delito perpetrado se desenvolve às escondidas, como o tráfico de drogas. Nesse sentido:

“PROVA - INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - TRÁFICO DE DROGAS - PERMISSÃO JUDICIAL - EFICÁCIA. Admite-se como prova hábil à demonstração do tráfico de entorpecentes o resultado de interceptações telefônicas judicialmente autorizadas, a teor da Lei 9296/1996. A utilização de escutas telefônicas constitui mais um meio de prova, inovador e eficiente, colocando a tecnologia a serviço da Justiça. Justificado o pedido de interceptação e obedecidos os requisitos legais, sua feitura é aceita à conta de meio de prova, tal como os demais meio probantes. TÓXICO - ASSOCIAÇÃO - ILÍCITO PERPETRADO ANTES DA LEI 11.343/2006 (NOVA LEI ANTITÓXICOS) - IMEDIATA APLICAÇÃO DA LEI NOVA A FATOS A ELA ANTERIORES - INCIDÊNCIA DO ART. 5º, INCISO XL, DA CF/88 C/C O ART. 2º DO CP - ARTS. 14 e 18, INCISO III, AMBOS DA LEI 6.368/76 - DECOTE DA MAJORANTE - CRIME AUTÔNOMO -NECESSIDADE DE SUA ADEQUAÇÃO AO FATO - LEI POSTERIOR QUE FAVORECE O AGENTE - SUA APLICAÇÃO IMEDIATA. Com o advento da Lei 11.343/2006, a associação eventual ou permanente passou a ser prevista e punida como crime autônomo (art. 35 da nova Lei Antitóxicos). De conformidade com o disposto no art. 5º, inciso XL, da vigente Lei Fundamental da República, combinado com o art. 2º do Código Penal, a lei posterior que, de qualquer modo, favorecer o agente, é aplicável aos fatos anteriores“1).


Nulidade das interceptações em razão das sucessivas prorrogações


No caso de haver mais de uma prorrogação da interceptação telefônica, é comum os defensores questionarem a sua validade, sob o argumento de que não poderia haver mais de uma. Como se sabe, o artigo 5º da Lei nº 9.296/96 prevê a possibilidade de prorrogação da interceptação telefônica, bastando para tanto que seja comprovada a indispensabilidade de tal medida.

Quanto às sucessivas prorrogações do monitoramento, insta ressaltar que tal medida não enseja nenhuma nulidade, desde que se visualize o necessário prosseguimento das investigações e que a medida seja indispensável. Nesse sentido, a jurisprudência pátria:

“Se a interceptação telefônica foi feita pela Autoridade Judiciária com equilíbrio e atenção às exigências do art. 5º da Lei 9296/96, não poderá ser declarada nula porque foi renovada várias vezes posteriormente em razão da necessidade do prosseguimento das investigações” 2).

Ademais, consubstanciado no princípio da busca da verdade real, o dispositivo legal (art. 5º da Lei nº 9.296/96) pode ser flexibilizado sem que acarrete ilegalidade na produção da prova. Nesse sentido a jurisprudência:

“APELAÇÃO CRIMINAL - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS - INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS - PRORROGAÇÃO DE PRAZO - LEGALIDADE - PROVAS CONCRETAS DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE DO DELITO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - REPRIMENDAS DEMASIADAS - REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - MODIFICAÇÃO. Havendo autorização judicial para a realização de interceptação telefônica, sendo necessária a prorrogação do prazo para a escuta, no sentido de perquirir uma investigação mais aprofundada, é possível que esta seja concedida por mais de uma vez, flexibilizando-se o dispositivo legal (art. 5.º Lei 9.296/96), com fulcro no princípio da busca da verdade real, inocorrendo, assim, qualquer tipo de ilegalidade na produção da prova impugnada”3).
“APELAÇÃO CRIMINAL - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS - INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS - PRORROGAÇÃO DE PRAZO - LEGALIDADE - PROVAS CONCRETAS DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE DO DELITO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - REPRIMENDAS DEMASIADAS - REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - MODIFICAÇÃO. Havendo autorização judicial para a realização de interceptação telefônica, sendo necessária a prorrogação do prazo para a escuta, no sentido de perquirir uma investigação mais aprofundada, é possível que esta seja concedida por mais de uma vez, flexibilizando-se o dispositivo legal (art. 5.º Lei 9.296/96), com fulcro no princípio da busca da verdade real, inocorrendo, assim, qualquer tipo de ilegalidade na produção da prova impugnada. Havendo provas concretas da autoria e da materialidade do delito de associação para o tráfico de drogas, impossível a absolvição. Aplicadas as reprimendas de forma demasiada, imprescindível sua reforma para melhor amoldá-las às circunstâncias do apelante. É de se modificar o regime de cumprimento de pena estabelecido no integralmente fechado, tendo em vista o advento da Lei 11.464/07, que modificou a redação do art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90, no sentido de estabelecer exclusivamente, o regime inicialmente fechado para os delitos elencados nesta lei. Provimento parcial do recurso que se impõe”4).

Se persistirem os motivos que ensejaram a decretação do monitoramento, podem-se ocorrer sucessivas prorrogações, não se maculando, assim, as provas derivadas da questionada interceptação. Esse é o uníssono entendimento do escólio pretoriano:

“TRÁFICO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. VÁRIAS RENOVAÇÕES DA DILIGÊNCIA. NECESSIDADE DAS PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. INOCORRÊNCIA DAS IRREGULARIDADES APONTADAS. REJEITA-SE. REEXAME DE PROVAS. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. PROVA TESTEMUNHAL. DEPOIMENTO DE POLICIAL. VALIDADE. PRESUNÇÃO DO FLAGRANTE. AUTORIA, TIPICIDADE E MATERIALIDADE COMPROVADAS. OCORRÊNCIAS DELITUOSAS NÃO RELATADAS NA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME PRISIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA PROGRESSÃO DE REGIME. APREENSÃO DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROVA DE SUA UTILIZAÇÃO NO TRÁFICO. REVOGAÇÃO DO PERDIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Não há limite para o prazo de prorrogação da interceptação telefônica, desde que justificada sua necessidade, e atentando-se a critérios de proporcionalidade e adequabilidade da medida. - Estando a confissão extrajudicial em harmonia com o restante da prova coligida, notadamente as degravações telefônicas e a prova testemunhal, resta provada a autoria, devendo ser mantida a condenação. - O réu não pode ser condenado por crime não descrito na denúncia, sob pena de ofensa ao princípio da correlação entre acusação e condenação, devendo ser absolvido em relação às múltiplas ocorrências reconhecidas na sentença e não narradas na exordial. - Se não comprovada a utilização do automóvel apreendido para o tráfico, deve ser revogado o perdimento decretado, impondo-se a liberação via alvará.” 5).
“INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS - NULIDADE - INOCORRÊNCIA - PROVA ELABORADA DE ACORDO COM OS PRECEITOS DA LEI FEDERAL 9.296/96 - TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA - INAPLICABILIDADE. Sendo de incontestável validade a escuta telefônica, apta a deflagrar um largo esquema associativo de aquisição e distribuição de um grande volume de drogas, não há que se falar em aplicação da teoria dos 'frutos da árvore envenenada', tendo a diligência grande importância para o livre convencimento do magistrado, tanto mais se a identificação dos acusados foi precedida de minucioso trabalho realizado pelo serviço de inteligência da polícia civil, com a ciência ministerial”6).


Nulidade das interceptações telefônicas em razão da alegada inexistência de indícios razoáveis de autoria


Também é comum que a defesa alegue nulidade das provas obtidas por meio da interceptação telefônica, sob o argumento de que não foi observado o disposto no artigo 2º da Lei nº 9.296/96, ou seja, não havia indícios razoáveis de autoria a justificar a medida cautelar, o que não lhe assegura razão.

Tratando-se de providência cautelar, não há que se questionar a submissão da interceptação aos requisitos básicos de toda medida desta natureza, quais sejam: fumus boni iuris (aparência do bom direito) e periculum in mora (perigo ou risco na demora).

O fumus boni iuris, em processo penal, traduz-se em duas exigências: 1ª) probabilidade de autoria ou participação numa infração penal; 2ª) probabilidade de existência de uma infração penal.

Assim sendo, verifica-se que, ao deferir a medida cautelar em comento, deve o magistrado manter-se fiel a esses pressupostos.

No caso de questionamentos desse jaez, mister se faz salientar que as interceptações foram originadas de um trabalho investigativo da polícia, o qual culminou com a apreensão de grande quantidade de drogas e de uma quadrilha especializada no tráfico interestadual.

Assim, para que haja interceptação telefônica, é necessária, consoante alhures consignado, a ocorrência de indícios de autoria, que se traduzem na necessidade de existência de uma investigação criminal, todavia, prescinde-se de um inquérito. Nesse sentido, os ensinamentos do professor Vicente Greco Filho em sua obra Interceptação Telefônica:

“A interceptação poderá ser determinada pelo Juiz de ofício ou a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal; ou do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal. A interceptação, portanto, pode ser tanto antecedente ao processo penal quanto incidental, depois daquele instaurado”7).

Nesse diapasão, não se pode olvidar que, para o ajuizamento da ação penal, o inquérito policial não é indispensável. A esse respeito, os ensinamentos do procurador de justiça de Minas Gerais Denílson Feitoza Pacheco:

“O inquérito policial é ‘mera peça informativa’, podendo o titular da ação penal ter elementos suficientes ao oferecimento da denúncia por outros meios, motivo pelo qual se diz que ele pode ser dispensado (veja arts. 12, 27, 39, § 5º e 46, § 1º do CPP)”8).

Ora, se o inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, questiona-se por qual motivo seria fase obrigatória para uma medida cautelar. É possível existir investigação por meio de outros atos de investigação. A respeito do que seja ato de investigação, complementa o renomado processualista penal Pacheco:

“Por isso seria cabível se fazer a distinção entre atos de investigação, que são as provas produzidas durante a investigação criminal e atos de prova, que são aquelas produzidas durante o processo penal”9).

Em razão do exposto, o egrégio TRF da 3ª Região assim se posicionou quanto à necessidade de inquérito policial para que se possa efetivar a interceptação telefônica judicialmente autorizada:

“O pedido de quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático tem a natureza de Medida Cautelar Preparatória, de caráter instrumental, pelo que a sua formulação independe de prévia abertura de inquérito policial ou da instauração de Ação Penal, conforme, inclusive, autoriza o artigo 240 do Código de Processo Penal, sendo necessário, somente, a presença de indícios de autoria delitiva e mínima prova da prática de uma infração Penal, além do ‘periculum in mora’”10).

Ainda nesse mesmo sentido:

“CRIMINAL. HC. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL, TELEFÔNICO E TELEMÁTICO. QUEBRA BASEADA NAS DECLARAÇÕES DE UMA SÓ PESSOA. ANÁLISE RESTRITA À SUA CAPACIDADE DE CONFIGURAR INDÍCIO DE AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. APTIDÃO NÃO-ATACADA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. DISPONIBILIZAÇÃO ESPONTÂNEA DE INFORMAÇÕES PELO PACIENTE. DESNECESSIDADE AFASTADA EM RELAÇÃO AOS SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTICO E FALTA DE INTERESSE JURÍDICO EM RELAÇÃO AOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INSTALAÇÃO PRÉVIA DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INOCORRÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DEVIDO A FATORES DE ORDEM FAMILIAR E PESSOAL. PRERROGATIVAS QUE NÃO PODEM ACOBERTAR DELITOS. NATUREZA ABSOLUTA INEXISTENTE. DIVULGAÇÃO DE DADOS DECORRENTES DAS QUEBRAS. DETERMINAÇÃO EM CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DA DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE. CRIMES DIVERSOS DOS ORA ANALISADOS. LEGALIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA. LIMINAR CASSADA. ORDEM DENEGADA.

[…]

Não se pode condicionar a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático à instauração prévia do procedimento investigatório, devendo-se exigir, apenas, que a necessidade de sua realização para a apuração da infração penal seja demonstrada, em consonância com os indícios de autoria ou participação no ilícito e desde que a prova não possa ser feita por outros meios disponíveis.A legislação fala em “investigação criminal”, não prevendo, para a interceptação telefônica, a instalação prévia de inquérito policial. […]”11).

Conforme se depreende de todo o exposto, é indispensável, portanto, para a efetivação da interceptação telefônica, que a ordem judicial seja acompanhada de uma motivação, especificamente vinculada à situação concreta.


Da ausência da transcrição dos diálogos interceptados


A alegação de cerceamento de defesa ante a ausência de transcrições dos diálogos interceptados apresenta-se indevida.

Nesse aspecto, é imprescindível ponderar que, embora não tenha sido transcrita a totalidade dos diálogos interceptados (caso realmente não tenha sido feita a transcrição na sua íntegra), foi devidamente encaminhado ao juízo o CD contendo o total das gravações. Assim, verifica-se que a totalidade do material advindo das escutas telefônicas esteve à disposição das partes durante a instrução.

Diante disso, percebe-se que o fato de os agentes federais/civis realizarem a transcrição apenas parcial das conversas em nada prejudica a prova, não caracterizando cerceamento de defesa, violação ao devido processo legal ou contraditório.

Nesse sentido, manifestou-se o desembargador Herculano Rodrigues Carneiro, na Apelação Criminal nº 1.0480.04.057149-3/001:

“[…] Foi argüida também a nulidade da sentença, ou a inadmissibilidade da prova obtida mediante interceptação telefônica, ao argumento de que não teriam sido observadas as normas contidas na Lei 9.296/96, que exigiriam a transcrição integral das conversas interceptadas, e não apenas de trechos que os próprios peritos entenderam relevantes […]. Ao que consta do ofício de f. 268, as dezenove fitas K7 contendo a íntegra das gravações das interceptações telefônicas foram devidamente encaminhadas ao Juízo. Estavam, portanto, à disposição das partes, que poderiam a qualquer tempo requerer, em relação a elas, o que lhes aprouvesse. Embora a Lei 9.296/96 dê a entender ser desnecessária a gravação, as conversas foram gravadas e transcritas, para melhor aferição da veracidade da prova e de sua idoneidade técnica. Não consta dos autos tenha sido procedida a inutilização dos trechos não mencionados no laudo, pelo que o fato de haver constado a transcrição apenas parcial das conversas em nada prejudica a prova, não havendo que se falar em violação aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa ou do contraditório, como sustentam os acusados […]”12).

Se não bastasse o exposto, verifica-se que o egrégio Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou pela desnecessidade de redução a termo de todo o teor das conversas interceptadas, quando as partes têm acesso à integralidade das gravações. Senão vejamos:

“‘INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 6º, §§ 1º E 2º, DA LEI 9.296/96. DESNECESSIDADE DE REDUÇÃO A TERMO DE TODO O CONTEÚDO DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS, UMA VEZ QUE AS PARTES TIVERAM ACESSO À INTEGRALIDADE DAS GRAVAÇÕES. INOBSERVÂNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.’”13).


Cerceamento de defesa – falta de perícia


É comum ainda se apresentar a alegação de cerceamento de defesa devido à falta de perícia por espectrograma.

Primeiro, é necessário salientar que não há cerceamento de defesa, quando a não realização de tal perícia em nada influiu no esclarecimento dos fatos, já que a prova não foi alicerçada nas interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Civil/Federal, mas em farto conjunto probatório analisado quando da apreciação do mérito.

Além disso, o STJ entende que a Lei nº 9.296/96 não exige que a transcrição da escuta deva ser submetida à perícia. Nesse sentido, trecho do voto do ministro Felix Fischer proferido no Habeas Corpus nº 15820/DF (2001/0008411-7):

“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CABIMENTO. MULTA.PERDIMENTO DE BENS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEI N° 9.296/96. PENA.FIXAÇÃO. QUANTIDADE DE DROGA CRIME DE ASSOCIAÇÃO. ARTIGO 14 DA LEI-N° 6.368/76. PROGRESSÃO DE REGIME.II - Interceptações telefônicas que foram autorizadas judicialmente, nos moldes da Lei n° 9.296/96, não havendo, pois, que se falar em prova ilícita. A tese de que poderia a prova ser produzida por outros meios, o que seria óbice à referida autorização, não pode ser apreciada nesta sede, uma vez que demandaria o exame minucioso do material cognitivo constante nos autos. Por outro lado, não há, no referido diploma legal, a exigência de que a degravação da escuta deva ser submetida a perícia”14).

Vale ressaltar que é esse o posicionamento dominante em nossos tribunais, tanto que a eminente desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Beatriz Pinheiro Caires, ao analisar questão análoga na denominada “Operação Good Vibes”, nos autos de nº 1.0024.07.799175-0/001, cujo acórdão foi publicado em 21/08/2009, reportou-se ao julgado do TRF da 8ª Região, em que tal questão já se encontra pacificada. Senão vejamos:

“Também não há, na Lei n. 9.296/1996, a exigência de que a degravação da escuta deva ser submetida à perícia. Nesse sentido, o TRF da 4ª Região entendeu desnecessário que a transcrição das gravações resultantes da interceptação telefônica seja feita por peritos oficiais: tarefa que não exige conhecimentos técnicos especializados, podendo ser realizada pelos próprios policiais que atuaram na investigação, e complementa: A inserção de notas explicativas nas transcrições é providência salutar e até mesmo indispensável para a compreensão dos diálogos interceptados, tendo em vista a linguagem propositadamente enigmática empregada pelos traficantes nas suas conversações telefônicas”15).


Da prova emprestada – interceptação realizada em processo diverso


A alegada nulidade absoluta do feito, em virtude de ter o juiz a quo utilizado, para formação de seu convencimento, das interceptações telefônicas produzidas em processo diverso, está entre as preliminares mais arguidas pela defesa. De modo geral, todos os defensores aduzem não ter assistido ao levantamento de tal prova, o que configuraria o cerceamento e a desobediência ao princípio do devido processo legal.
Inicialmente, vale ressaltar que os monitoramentos foram regularmente deferidos por juízo competente e em obediência aos ditames da Lei nº 9.296/96. Ademais, é perfeitamente válida como meio de prova a interceptação telefônica que, além do fato para o qual foi autorizada, descobre outros delitos ligados a este. Nesse ponto, trazemos à baila o entendimento dos professores Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini:

“Se o fato objeto do encontro fortuito é conexo ou tem relação de continência (concurso formal) com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio de probatório, inclusive quanto ao fato extradescoberto, e desde que se trate de infração para a qual se admita a interceptação (art. 2º, inc. III). Exemplo: autorização dada para a investigação de um tráfico de entorpecentes; descobre-se fortuitamente a prática de um homicídio, em conexão teológica. De outra parte, se se descobre o envolvimento de outra pessoa no crime investigado (de tal forma a caracterizar a continência do art. 77), também é válido tal meio probatório”16).

Quanto à alegação da defesa de que não assistiu ao levantamento de tal prova, vale esclarecer que o procedimento de interceptação telefônica consiste em uma medida de natureza cautelar, cuja finalidade é a produção de prova processual penal, no qual, para eficiência dos trabalhos, preza-se pelo sigilo.

A interceptação telefônica, determinada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial, auxilia a investigação criminal, visando à juntada de provas e indícios para enriquecimento do inquérito policial.

Ora, nessa fase investigatória, anterior à instrução criminal e caracterizada pelo sigilo, não há contraditório; portanto, a defesa não deve ter acesso aos autos, o que não vulnera a Lei Complementar nº 65/2003, o Estatuto da OAB, nem infringe a Constituição Federal. Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO - INVESTIGAÇÕES POLICIAIS SIGILOSAS - CF/88, ART. 5º, LX E ESTATUTO DA OAB, LEI 8.906/94.1. O art. 20 do CPP, ao permitir sigilo nas investigações não vulnera o Estatuto da OAB, ou infringe a Constituição Federal. 2. Em nome do interesse público, podem as investigações policiais revestirem-se de caráter sigiloso, quando não atingirem o direito subjetivo do investigado. 3. Somente em relação às autoridades judiciárias e ao Ministério Público é que inexiste sigilo. 4. Em sendo sigilosas as investigações, ainda não transformadas em inquérito, pode a autoridade policial recusar pedido de vista do advogado. 5. Recurso ordinário improvido”17).

A ministra Eliane Calmon, relatora do supracitado processo, concluiu em seu voto: “O inquérito policial é um procedimento de investigação de natureza administrativa e inquisitorial, que objetiva apurar a existência de fatos que, em tese, configuram crime, bem assim a sua autoria. Dentro desse enfoque, não há agressão ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa, o desenvolvimento das investigações em caráter sigiloso”.


Nulidade das interceptações telefônicas – perícia realizada por não perito


Insubsistente também a alegação de violação ao que preceitua a Lei nº 9.296/96. O fato de as transcrições terem sido realizadas por agentes de polícia, em nada interfere em sua validade. Note-se que tais transcrições das interceptações telefônicas devem ser realizadas por agente de polícia federal/civil, dotado de fé pública. Além disso, a lei não exige que as interceptações telefônicas sejam realizadas por peritos. Nesse sentido, jurisprudência do nosso Tribunal de Justiça:

“EMENTA-APELAÇÃO - ART. 33, ART. 35 C/C ART. 40, IV, TODOS DA LEI 11.343/06 - NULIDADE EM VIRTUDE DO ADITAMENTO DA DENÚNCIA - DESCABIMENTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 569 DO CPP - NULIDADE PELA UTILIZAÇÃO DE RITO ESPECIAL - REJEIÇÃO - REGRA CONTIDA NO ART. 78, IV DO CPP - NULIDADE POR EXCESSO NA DURAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - DESCABIMENTO - OBEDIÊNCIA ÀS NORMAS DA LEI 9.296/96 - POSSIBILIDADE DA POLÍCIA MILITAR INTERCEPTAR LIGAÇÕES TELEFÔNICAS - AUSÊNCIA DE TÉCNICOS NA INTERCEPTAÇÃO - IRRELEVÂNCIA - INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA DA DEFESA - DESNECESSIDADE DA MEDIDA - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DAS DEFESAS PARA ATOS PROCESSUAIS - NULIDADE RELATIVA - NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBLIDADE - REDUÇÃO DAS PENAS - DESPROVIMENTO - APLICAÇÃO DO §4° DO ART. 33 DA LEI 11.343/06 - DESCABIMENTO - RECURSOS DESPROVIDOS. O aditamento da denúncia, quando os autos ainda não estão conclusos para sentença, obedece a regra do art. 569 do CPP. No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta. Não há que se cogitar em nulidade do processo por excesso de duração da interceptação telefônica, se restar comprovado que esta obedeceu rigorosamente os prazos estipulados por lei, bem como suas prorrogações. A Lei 9.296/96 possibilita ambas as polícias, militar e civil, o uso da interceptação telefônica, desde que autorizada pela autoridade judiciária e observados os rigores de seus artigos. Nos termos da legislação vigente é prescindível que a interceptação telefônica seja realizada por peritos. Compete ao Juiz indeferir diligências que julgar desnecessárias, sendo descabido o pedido de nulidade por cerceamento de defesa quando isso ocorrer. A ausência de intimação da defesa para atos processuais constitui nulidade relativa, sujeita à preclusão e à demonstração de prejuízo. Restando devidamente comprovado no bojo dos autos que os réus associaram-se para a mercancia de entorpecentes ilícitos, não há que se falar em absolvição. É impossível a aplicação do § 4° do art. 33 da Lei 11.343/06, se os réus não preenchem os requisitos necessários para tanto”18).

O STJ também entende que a Lei nº 9.296/96 não exige que a transcrição da escuta deva ser submetida à perícia. Nesse sentido, trecho do voto do relator ministro Felix Fischer proferido no Habeas Corpus nº 15820/DF (2001/0008411-7):

“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CABIMENTO. MULTA.PERDIMENTO DE BENS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEI N° 9.296/96. PENA.FIXAÇÃO. QUANTIDADE DE DROGA CRIME DE ASSOCIAÇÃO. ARTIGO 14 DA LEI-N° 6.368/76. PROGRESSÃO DE REGIME. […] II - Interceptações telefônicas que foram autorizadas judicialmente, nos moldes da Lei n° 9.296/96, não havendo, pois, que se falar em prova ilícita. A tese de que poderia a prova ser produzida por outros meios, o que seria óbice à referida autorização, não pode ser apreciada nesta sede, uma vez que demandaria o exame minucioso do material cognitivo constante nos autos. Por outro lado, não há, no referido diploma legal, a exigência de que a degravação da escuta deva ser submetida a perícia19).


Nulidade das interceptações telefônicas – Interpretação pessoal do agente de polícia


Da mesma forma, totalmente descabida a alegação de nulidade por ter o agente policial federal/civil inserido notas explicativas nas transcrições das interceptações telefônicas.

Vale ressaltar que o egrégio Tribunal da 4ª Região já entendeu que a inserção de notas explicativas nas transcrições telefônicas é providência salutar e indispensável para a compreensão dos diálogos.

Nesse sentido, o TRF da 4ª Região entendeu desnecessário que a transcrição das gravações resultantes da interceptação telefônica seja feita por peritos oficiais: tarefa que não exige conhecimentos técnicos especializados, podendo ser realizada pelos próprios policiais que atuaram na investigação. E complementa: “A inserção de notas explicativas nas transcrições é providência salutar e até mesmo indispensável para a compreensão dos diálogos interceptados, tendo em vista a linguagem propositadamente enigmática empregada pelos traficantes nas suas conversações telefônicas”20).


1)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0024.06.031585-0/001. Comarca de Belo Horizonte. Apelantes: Maria Serafina Silva de Araújo, Edite Rodrigues da Silva. Apelado: Ministério Público Estado Minas Gerais. Relator: Des. Hyparco Immesi. Belo Horizonte, 3 de maio de 2007. Minas Gerais, Belo Horizonte, 17 maio 2007, grifo nosso.
2)
PORTO ALEGRE. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Habeas Corpus nº 3220/RS. 7ª Turma. Relator: Juiz Wladimir de Freitas. Porto Alegre, 4 de junho de 2002, votação unânime. DJ, 19 jun. 2002, grifo nosso.
3)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0016.05.047149-5/001. 2ª Câmara Criminal. Relator: Des. Herculano Rodrigues. Belo Horizonte, 20 de abril de 2006. Minas GeraisTexto em itálico, Belo Horizonte, 22 jul. 2006, grifo nosso.
4)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0701.03.040966-1/002(1). Relator: Des. Antônio Carlos Cruvinel. Belo Horizonte, 04 de setembro de 2007. Minas Gerais, Belo Horizonte, 4 out. 2007, grifo nosso.
5)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0016.05.047149-5/001. 2ª Câmara Criminal. Relator: Des. Herculano Rodrigues. Belo Horizonte, 20 de abril de 2006. Minas Gerais, Belo Horizonte, 22 jul. 2006, grifo nosso.
6)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0313.06.209451-8/001. 1ª Câmara Criminal. Relator: Des. Judimar Biber. Belo Horizonte, 29 de abril de 2008. Minas Gerais, Belo Horizonte, 30 maio 2008, grifo nosso.
7)
GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 29, grifo nosso.
8) , 9)
PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 3. ed. Niterói: Impetus, 2005. p. 225.
10)
SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 5ª Turma. Apelação Criminal nº 2000.61.81.007596-0/SP. Relatora: Desª. Fed. Suzana Camargo. São Paulo, 3 de agosto de 2001. DJU, p. 454, 4 set. 2001.
11)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 20087/SP 2001/0198363-2. Relator: Min. Gilson Dipp. Brasília, DF, 19 de agosto de 2003. DJ, 29 set. 2003, p. 285. LEXSTJ, v. 176, p. 263.
12)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0480.04.057149-3/001. Relator: Des. Reynaldo Ximenes Carneiro. Belo Horizonte, 9 de junho de 2005. Minas Gerais, Belo Horizonte, 2 ago. 2005, grifo nosso.
13)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 37.227/SP. Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca. Quinta Turma. Brasília, DF, 19 de outubro de 2004. DJ, 16 nov. 2004, p. 311, grifo nosso.
14)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n 15820/DF (2001/0008411-7) Relator: Min. Felix Fischer. Brasília, DF, 6 de novembro de 2001, grifo do autor.
15)
PORTO ALEGRE. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 8ª Turma. Apelação Criminal nº 2000.71.04.003642-3/RS. Relator: Juiz Amir Sarti. Porto Alegre, novembro de 2001. DJU, 16 jan. 2002, p. 1.396, apud PACHECO, Denílson Feitoza. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis. 3. ed. Niterói: Impetus, 2005. p. 921.
16)
GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 194.
17)
BRASIL Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 12516 / PR; 2000/0112062-0. Segunda Turma. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Brasília, DF, 20 de agosto de 2002. DJ, 27 set. 2004, p. 282, grifo nosso.
18)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0223.07.216981-4/001(1). Relator: Vieira de Brito. Belo Horizonte, 10 de julho de 2008. Minas Gerais, Belo Horizonte, 08 ago. 2008, grifo nosso.
19)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 15820/DF (2001/0008411-7). Relator: Min. Felix Fischer. Brasília, DF 6 de novembro de 2001. DJ, 4 fev. 2002, grifo nosso.
20)
PACHECO, 2005. p. 921, grifo nosso.