3.19.6. Flagrante forjado


Nulidade do feito por suposta ocorrência de flagrante forjado por policiais militares constitui outra preliminar bastante debatida na área de tóxicos.

Nesse contexto, não se pode olvidar que cabe à defesa comprovar a ocorrência de “flagrante forjado” perpetrado pelos policiais militares. Nesse particular, o ônus probatório se inverte, à luz do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, sob pena de ser criada uma infalível válvula de escape, já que bastaria ao réu aduzir a existência de “flagrante forjado”, para conseguir sua absolvição, sem nenhum respaldo nas provas colacionadas nos autos; isso somente serviria para fazer imperar a impunidade. Nesse sentido o professor Jorge Vicente de Paula esclarece em seu livro:

“Encontramos prevalência na doutrina em lecionar que nos fatos constitutivos de direito o ônus é do acusador, enquanto os fatos impeditivos, extintivos e modificativos incubem ao acusado. Os fatos constitutivos dizem respeito unicamente à tipicidade e autoria do delito. Portanto, ao acusador compete provar se realizou a conduta típica e que o acusado foi o autor. Ao réu cabe provar os fatos: a) extintivos (v.g., causas de extinção de punibilidade); b) impeditivos, relacionados com a exclusão da vontade livre e consciente de praticar o fato (erro de fato, coação irresistível, causas de extinção da culpabilidade); c) modificativos, que são aqueles que excluem a antijuridicidade (legítima defesa, estado de necessidade, etc.). 1)

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência mineira:

“Ementa: PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - FLAGRANTE FORJADO - AUSÊNCIA DE PROVA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO - IMPOSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 - COMBINAÇÃO DE LEIS - IMPOSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - CABIMENTO - MEDIDA MAIS BENÉFICA - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. A prova testemunhal, aliada aos demais elementos de convicção disponíveis nos autos, é suficiente para fundamentar o édito condenatório. A simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita, mormente se os autos não apontam no sentido de que os policiais deixaram de agir escorreitamente, ou de que tinham algum interesse em incriminar falsamente o agente. O flagrante forjado ou preparado ocorre quando o agente vem a delinqüir induzido por policial, ou seja, acontece por força de uma situação simulada por alguém para levá-lo a praticar uma ação criminosa. Não ocorrendo essa hipótese, não há falar em flagrante forjado. Restando fartamente comprovado que o réu praticou ao menos três, das dezoito condutas previstas no art. 12 da Lei nº 6.368/76, quais sejam ‘trazer consigo’, ‘oferecer’ e ‘entregar a consumo’, impossível se apresenta a desclassificação do fato para o delito de uso de substância entorpecente. É impossível a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, à penalidade fixada por crime cometido na vigência da Lei nº 6.368/76, uma vez que a aplicação da simbiose de textos legais produziria uma lex tertia de Tóxicos, que seria diversa, tanto da antiga quanto da atual, o que acabaria por acarretar benefícios exagerados e injustos, não atingindo a dupla finalidade da pena. Em relação ao delito de tráfico de entorpecentes, a nova lei (11.343/2006) não se afigura mais benéfica e, portanto, não retroage, porquanto recrudesceu a pena mínima abstratamente considerada, de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão e 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa (Lei nº 6.368/76), para 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão e 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa (Lei nº 11.343/06). A pena restritiva de direitos há que ser suficiente para o desestímulo e a repreensão da conduta delituosa, admissível a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44, do CP. Recurso parcialmente provido. V.V.P.: PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPRAOVADAS - APLICAÇÃO DISPOSITIVO CONSTANTE DO ART. 33., §4º, DA LEI 11.343/06 - POSSIBILIDADE . A circunstância que privilegia o delito (art.33, § 4º, da Lei 11.343/06) afasta a equiparação com hediondez tratada na Lei 8.072/90. Súmula: DERAM PROVIMENTO PARCIAL, VENCIDO PARCIALMENTE O DESEMBARGADOR VOGAL”2).
“PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - FLAGRANTE FORJADO - AUSÊNCIA DE PROVA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO - IMPOSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/06 - COMBINAÇÃO DE LEIS - IMPOSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - CABIMENTO - MEDIDA MAIS BENÉFICA - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. A prova testemunhal, aliada aos demais elementos de convicção disponíveis nos autos, é suficiente para fundamentar o édito condenatório. A simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita, mormente se os autos não apontam no sentido de que os policiais deixaram de agir escorreitamente, ou de que tinham algum interesse em incriminar falsamente o agente. O flagrante forjado ou preparado ocorre quando o agente vem a delinqüir induzido por policial, ou seja, acontece por força de uma situação simulada por alguém para levá-lo a praticar uma ação criminosa. Não ocorrendo essa hipótese, não há falar em flagrante forjado. […]”3).

É interessante, ainda, ponderar que a conduta dos policiais esteve voltada para surpreender o réu e não para gerar o crime e acrescentar que o delito de tóxicos é de natureza permanente, consumando-se com a simples posse da substância entorpecente para venda em desacordo com determinação legal.

Nesse sentido, a jurisprudência pacificada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“EMENTA – ‘HABEAS CORPUS’ - Flagrante preparado - Inexistência - Crime permanente - Precedente do STF – ‘Inocorre flagrante preparado em sede de crime permanente, porquanto o crime preexiste à ação do agente provocador’ - Liberdade provisória - Concessão - Impossibilidade - Presença dos requisitos da preventiva - Não se defere liberdade provisória ao réu, cuja manutenção da custódia faz-se necessária como garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, independentemente de suas qualidades pessoais - Excesso de prazo - Instrução criminal já encerrada, estando os autos na fase de alegações finais - Inexistência de constrangimento ilegal - Súmula nº 17 do TJMG - Súmula nº 52 do STJ - Estando encerrada a instrução criminal, não há falar-se em constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa - Ordem denegada”4).

Este é, também, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

“Lei de Tóxicos. Posse e venda de maconha. Flagrante preparado. Inteligência da Súmula 145 do STF. A operação preparada de venda de droga não nulifica a denúncia se esta se funda também no fato da posse, constatado como preexistente à simulação policial”5).
“O flagrante preparado em ação de venda de droga não anula o processo-crime se a condenação está fundada também na posse, preexistente à simulação policial.” 6)


1)
SILVA, Jorge Vicente. Manual da Sentença Penal Condenatória: Requisitos e Nulidades. Curitiba: Juruá, 2003. p. 229
2)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0672.06.215789-2/001(1). Relator: Des. Hélcio Valentim. Belo Horizonte, 06 de novembro de 2007. Minas Gerais, Belo Horizonte, 27 nov. 2007, grifo nosso.
3)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal n.º 1.0672.06.215789-2/001(1). Relator: Des. Hélcio Valentim. Belo Horizonte, 6 de novembro de 2007. Minas Gerais, Belo Horizonte, 27 nov. 2007, grifo nosso.
4)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Habeas Corpus nº 1.0000.05.430919-0/000(1). Relator: Des. Gudesteu Biber. Belo Horizonte, 17 de janeiro de 2006. Minas Gerais, Belo Horizonte 27 jan. 2006.
5)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 65.831/ES. Relator: Min. Francisco Rezek. DJU, 18 mar. 1998.
6)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 72.674-SP. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, DF, 26 de março de 1996. RJT n°163, p. 608