3.2. A origem do comércio de drogas, sua criminalização e o crime organizado


O tráfico de drogas existe há bastante tempo, mas, nos últimos anos, com a globalização, tal comércio ilícito vem se expandindo e, com ele, os efeitos devastadores causados pela dependência das drogas; em consequencia, houve um grande impacto no crescente aumento da criminalidade global.

São inquestionáveis os efeitos deletérios do consumo de drogas. Países como a China pagaram um alto preço pelo consumo desenfreado que acometeu a sua população na época em que tal produto não só foi permitido como, também, era incentivado. O surgimento de drogas pesadas no mundo moderno, como o crack, evidenciaram a necessidade de se proibir o consumo das drogas ilegais, as quais não possuem níveis seguros para seu consumo. A epidemia global decorrente do aumento do consumo dessas substâncias tem correlação com o incremento da criminalidade no mundo todo. O jornalista e historiador britânico Misha Glenny, em sua obra McMáfia: Crime sem Fronteiras, discorre sobre a situação na Grã-Bretanha:

“Em sua primeira grande avaliação da indústria global de narcóticos, publicada em meados dos anos 1990, a ONU destacou que na Grã-Bretanha, 75% da renda dos criminosos viciados em drogas é proveniente de roubos; que os viciados em droga precisam de 43 mil dólares por ano para sustentar o vício. Nas pesquisas, a maioria dos viciados menciona roubo, fraude, mendicância, prostituição e tráfico de drogas como suas principais fontes de renda ou se dizem dispostos a explorar essas fontes. Isso, evidentemente, não representa uma enorme sobrecarga apenas para a polícia, mas para todo o sistema penal” 1).

Nesse contexto, apesar da proibição global da venda de drogas, o crime organizado tomou o lugar das nações que antigamente exploravam tal atividade estendendo seus tentáculos a todos os países, e a maior parte de sua renda advém do tráfico de drogas.

Após a distribuição, os entorpecentes são encaminhados às pequenas organizações criminosas, que têm atuação intermunicipal e nos grandes centros urbanos. As grandes e médias organizações criminosas, que têm, respectivamente, atuações internacionais e interestaduais, são investigadas pela polícia federal, já que, além de o tráfico internacional de drogas ser da competência da justiça federal, é muito mais difícil para a polícia judiciária estadual (as polícias civis) conseguir encetar seus trabalhos em face das médias organizações, pois isso ensejaria viagens para fora do Estado. Esse procedimento infelizmente encontraria obstáculos na própria burocracia estatal (pagamentos de diárias para fora do Estado, gastos decorrentes de estadia e alimentação, afastamento da equipe por períodos longos da sede da delegacia), além de prejudicar a investigação de outros criminosos. Também, o fato de não possuir, no outro Estado, uma sede para coordenar as operações dificultaria a atuação, demandando convênios com as polícias daqueles outros entes federativos ou, no mínimo, a sua boa vontade em ceder suas instalações. Insta ressaltar que a polícia rodoviária federal rotineiramente tem prendido em flagrante delito os carregamentos de drogas que são transportados nas rodovias federais, reprimindo, assim, a ação dos traficantes interestaduais de narcótico.

Por sua vez, parte das médias associações de tráfico de droga (no caso o braço da organização que atua dentro do Estado) e as pequenas organizações criminosas – cuja investigação fica a cargo das polícias civis (embora não exista proibição legal que impeça a polícia federal de investigá-las) e que, muitas vezes, também são objeto de prisão em flagrante delito pelas polícias militares – procuram redistribuir as drogas pelos aglomerados, onde existem os denominados “pontos de venda de droga”, dominados por pequenos traficantes. Estes atuam na chamada venda em consignação (normalmente, são universitários que recebem um percentual pela transação e que possuem uma rede de clientes que não estão dispostos a se arriscar para comprar o produto nos aglomerados, onde esta é vendida mais barato). E, por fim, surgem as mais recentes modalidades de venda, que são o “disque-droga” e as vendas pela internet.

Sem prejuízo do tráfico de drogas feito por criminosos organizados, também existe a sua venda por indivíduos isolados ou que se associam eventualmente para tal prática delitiva. Estes são os principais alvos das polícias militares, além dos já mencionados traficantes que atuam na venda desenvolvida por organizações criminosas nos aglomerados.

Normalmente, tem-se a impressão de que todo traficante de drogas é rico, dado o lucro que tal comércio proporciona. A realidade é bem diversa, já que existem usuários de drogas que utilizam o comércio para sustentar o próprio vício. Outros, ainda, apesar de não serem usuários de drogas e de morarem em locais pobres, gastam todo o dinheiro que auferem ilicitamente com roupas caras, festas e mulheres. Muitos não expandem seus negócios (o que evita despertar a atenção da polícia), tendo uma cartela mínima de clientes que lhes garante o suficiente para terem um padrão de vida razoável em face de sua formação profissional. Assim, torna-se importante trazer a nossa classificação de pequenos traficantes feita na 1ª edição do Manual de Atuação Funcional do Ministério Público de Minas Gerais (p. 623):

“- Transportador da droga por grandes distâncias (conhecido vulgarmente como mula). Trata-se, normalmente, de um usuário de drogas que está devendo para seu fornecedor e por isso é obrigado a transportar drogas ou de uma pessoa que passa por dificuldades financeiras e por isso resolve prestar tal serviço, sendo o dinheiro pago no momento da entrega da droga. Tal transporte pode se dar entre Estados da Federação Brasileira, o que caracteriza a majorante do art. 40, inciso V, da Lei n.º 11.343/06, entre países, entre municípios ou mesmo dentro de uma mesma cidade. Quando o transporte da droga é feito de um país para o outro através de avião (tráfico internacional) é comum os traficantes de droga ingerirem cápsulas contendo a substância ilícita a fim de passarem despercebidos pelos policiais que trabalham no aeroporto. O transporte ilícito ocorre de diversas formas, sendo comum a utilização de mulheres, pessoas idosas ou mesmo crianças, tudo com a intenção de não despertar a atenção da Policia. Quando tal traficante de droga é preso, a dívida decorrente do valor da droga apreendida pela Polícia passa para o mesmo, sendo muito comum ele ser obrigado a retornar a tal atividade criminosa para poder pagar a dívida.
- Prestador de serviços de transporte de droga para usuários. Tal modalidade é diferente da anterior porque tal indivíduo presta serviço aos usuários e não aos traficantes de drogas. Normalmente são usuários de droga que para sustentar o vício se dispõem a comprar a droga para outros usuários que têm melhor condição financeira, recebendo em troca o pagamento em dinheiro ou em droga.
- Traficante de drogas que vende em troca de uma porcentagem do lucro (venda em consignação). Ultimamente tal tipo de traficante de drogas tem aumentado, em razão da necessidade de se vender drogas aqueles usuários que não querem se arriscar para ir até o ponto de venda de drogas, já que são locais muito visados pela Polícia. Em troca de um porcentual na venda, tal elemento pega a droga no ponto, ficando responsável pela sua venda, e dirige-se aos usuários de droga que fazem a encomenda da mesma. Quando tal traficante de droga é preso, a dívida decorrente do valor da droga apreendida pela Polícia passa para o mesmo, sendo muito comum ele ser obrigado a retornar a tal atividade criminosa desta vez sem receber contrapartida, a qual é revertida para saldar a dívida.
- Traficante de drogas autônomo. Diferentemente do anterior, tal indivíduo compra razoável quantidade de drogas em um ponto de venda e depois tenta obter lucro vendendo tal substância ilícita nas imediações de sua residência, onde tem condições de se abrigar no caso de vir a aparecer a Polícia.”

É importante esclarecer que não adianta exercer a repressão tão somente em relação ao pequeno traficante de drogas, deixando os grandes atacadistas impunes. Do mesmo modo, não adianta combater somente os atacadistas, já que o lucro que estes auferem decorre, justamente, dos pequenos traficantes, que são os responsáveis por levar as drogas até os usuários.

O modelo repressivo, atualmente, em razão da divisão de atribuições dos órgãos policiais prevista constitucionalmente, faz com que, em regra, a polícia federal reprima as grandes e as médias organizações criminosas, as polícias civis reprimam parte das médias associações de tráfico de droga (no caso o braço da organização que atua dentro do Estado) e as pequenas organizações criminosas e a polícia militar reprimam as organizações criminosas varejistas que atuam em aglomerados urbanos e os pequenos traficantes de droga. A polícia rodoviária federal, como dito alhures, em razão de sua posição estratégica, já que presente nas artérias rodoviárias deste país, tem obtido êxito na repressão das “mulas” (transportadores de droga por grandes distâncias) que agem para as organizações criminosas com atuação internacional (mais raramente) e interestaduais. Esse êxito também acontece eventualmente na prisão do traficante de drogas autônomo, já que alguns costumam adquirir a droga fora de seu município por ser mais barata.

O combate aos diversos tipos de traficante de drogas demanda atenção do Estado, pois os estragos causados à sociedade pela atividade ilícita, mesmo quando perpetrada por pequenos traficantes de drogas, é muito grande.


1)
GLENNY, Misha. McMáfia: crime sem fronteiras. Tradução de Lucia Boldrini. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 272