O direito ao conhecimento da ascendência genética não se encontra expresso dentre os direitos fundamentais elencados no art. 5º da Constituição Federal de 1988, mas integra a própria identidade pessoal do indivíduo e, por isso, é um dos traços da dignidade humana.
A atual Carta Magna trouxe um novo conceito jurídico de família, encampando princípios que já eram adotados pela evolução social, pela doutrina e pela jurisprudência. Nesse contexto, outorga uma especial proteção à família, enfatizando os direitos fundamentais da criança e do adolescente2) que, na verdade, são os mesmos de todo e qualquer ser humano (art. 5º), o que demonstra a preocupação do constituinte em proteger a criança e a entidade familiar.
O § 7º do art. 226 da Constituição da República adota a liberdade para o planejamento familiar, mas impõe o respeito a dois princípios essenciais: a dignidade humana e a paternidade responsável. O direito à dignidade da pessoa humana está garantido no art. 1º, inciso III, da Carta Magna, inserido dentre os fundamentos norteadores da República Federativa do Brasil e, desse modo, a dignidade é colocada como o centro, o vértice normativo e axiológico de todo o sistema jurídico, tendo o constituinte reconhecido que o homem constitui a finalidade precípua e não apenas o meio da atividade estatal. A dignidade da pessoa humana, hoje garantida em praticamente todas as constituições como o sustentáculo do Estado democrático de direito, abrange várias categorias de direito, dentre as quais, o direito ao nome e ao estado de filiação determinado. Ana Paula de Barcellos lembra que “o princípio da dignidade da pessoa humana há de ser o vetor interpretativo geral, pelo qual o intérprete deverá orientar-se em seu ofício“3). E é exatamente sob esse prisma que deve ser considerado o direito à filiação determinada, uma vez que, como defende Cláudia Bellotti Moura e Vitor Hugo Oltramari, uma vida digna se inicia “por evidente, pela inserção (do indivíduo) no ambiente familiar”4). E Roberto de Ruggiero chega a afirmar que, em um sentido mais restrito, pode-se dizer que “ao filho de pais incógnitos falta um estado de família”.5)
Quanto à paternidade responsável, ela foi adotada como um princípio norteador e vincula-se ao método interpretativo the best interest of the child, como lembra Guilherme Calmon Nogueira da Gama6). Portanto, todo cidadão brasileiro tem o direito, constitucional, de ter um pai e uma mãe que por ele seja responsável, já que o termo paternidade é empregado em sentido amplo, abrangendo também a maternidade. Assim, se todos têm o direito de ter um(a) pai/mãe responsável, então, aqueles cuja paternidade (ou maternidade) não foi reconhecida espontaneamente, têm o direito de investigar sua ascendência genética.
O direito a uma paternidade/maternidade determinada advém da própria natureza humana e possui um caráter inviolável e universal, por integrar a identidade do indivíduo. É inquestionável que o conhecimento da ascendência verdadeira é um aspecto extremamente relevante da personalidade individual e integra a própria dignidade da pessoa, que tem direito à sua identidade pessoal e ao nome familiar. Adriano de Cupis salienta que
“a identidade constitui um bem por si mesma, independentemente do grau da posição social, da virtude ou dos defeitos do sujeito. A todo o sujeito deve reconhecer-se o interesse a que sua individualidade seja preservada”7).
Ademais, os arts. 7º e 8º da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução nº 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que foi ratificada no Brasil em 24 de setembro de 1990, garantem à criança o direito a um nome e a preservação de sua identidade, impondo ao Estado o dever de assegurá-los à criança que estiver privada dos elementos constitutivos de sua identidade8). Portanto, sendo a paternidade/maternidade verdadeira um atributo da dignidade humana, o direito à identidade pessoal é um direito fundamental constitucionalmente garantido. O bem jurídico aqui tutelado é a descoberta da origem biológica do indivíduo, considerada um atributo inerente à personalidade humana; o direito ao nome de família, que aponta a sua ascendência genética (historicidade pessoal); e o próprio estado de filiação, que implica, inclusive, a concessão de determinados direitos de cunho patrimonial. Esse direito é reconhecido expressamente na Constituição Portuguesa de 1976 (art. 26, nº 01) e tem obtido uma especial atenção da doutrina e da jurisprudência alemãs, que usam a expressão: Recht des Kindes auf Kenntnis der eigenen Abstammung9).
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) dispõe que
“o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”10).
Por sua vez, a Lei nº 8.560/92 regulamentou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e revogou o art. 337 do Código Civil de 1916, que trazia o conceito de filhos legítimos, sendo reiterada pelo Código Civil de 2002, o qual repetiu ipsis litteris os termos do art. 227, § 6º, da Lei Maior, que já havia equiparado todos os filhos (art. 1.596), e também tornou imprescritível a contestação da paternidade (art. 1.601).