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cap1:1-1-2

1.2. Os primeiros anos do Ministério Público em Minas Gerais


A primeira Constituição do Estado de Minas Gerais surgiu em 1891 e, sobre a organização do Ministério Público, apenas disse que ele, “[…] assim, no crime como no cível, será organizado por lei especial”.

Aquela lei especial seria, por quase cinquenta anos, a Lei de Organização Judiciária do Estado. Vale dizer: por quase meio século, o Ministério Público nada mais era do que um capítulo daquela Organização Judiciária.

As ingerências do Poder Judiciário, nos primeiros anos do Ministério Público mineiro, eram de tal ordem que, por longos anos, a posse dos Promotores de Justiça se dava diante de autoridade judiciária – os Juízes de Direito, nas comarcas do interior, e o Corregedor de Justiça, na Comarca de Belo Horizonte. Antes mesmo da posse, porém, seus títulos de nomeação teriam de ser registrados diante da autoridade da Magistratura.

Quando o velho Conselheiro Saraiva, nos anos de 1892 a 1894, assumiu o cargo de Procurador-Geral do Estado de Minas Gerais – a primitiva denominação de nossa alta cúpula –, a primeira particularidade que se notava é que o Ministério Público era chefiado por um Desembargador, como acontecia em todos os Estados da Federação, o mesmo acontecendo no Ministério Público da União, onde o cargo de Procurador-Geral da República era exercido por um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

A chefia do Ministério Público foi entregue, sucessivamente, a Desembargadores, Juízes de Direito e, por fim, a Advogados, até que, no final da década de 40, assumiram a chefia seus próprios integrantes, embora por mera liberdade dos Governadores do Estado.

Com o tempo, a Chefia do Ministério Público passou a ser exercida por Advogados, e, durante muitos anos, cada campanha político-partidária do velho Partido Republicano Mineiro acabava por se refletir no seio de nossa Instituição, pois nem sempre o escolhido reunia as condições ideais para o exercício do cargo.

Foi em razão disso que o espírito de classe do Ministério Público formou-se lentamente. Só os seus membros realmente vocacionados se importavam em estruturá-lo por meio de normas legais claras e precisas, na busca da sua modernização.

Como o ingresso no Ministério Público não era feito em razão de concursos, as nomeações dos Promotores de Justiça eram de cunho político, e, para tanto, tinham preferência os bacharéis. Era comum, todavia, encontrarem-se nos seus quadros funcionais cidadãos no exercício de Promotorias de Justiça. E, para piorar ainda mais a situação, a Lei n° 72, de 27 de julho de 1893, passou a não mais exigir-lhes, para nomeação, a prova de que tinham os requisitos necessários para a concessão da provisão de advogados. 1) Não podemos esquecer que, ao seu início, o Ministério Público tinha absoluta falta de estrutura – administrativa, legislativa, física e de pessoal – e que os princípios que o animavam eram diferentes dos que hoje nele prevalecem.

O Promotor de Justiça era considerado como um funcionário auxiliar da administração da justiça, um funcionário de ordem judiciária, podendo ser não só removido como até demitido, por conveniência da ordem jurídica, mediante representação fundamentada do Procurador-Geral do Estado.

Pior ainda! Durante anos, nós não éramos nada mais, nada menos, do que funcionários nomeados pelo governo, servindo enquanto bem servissem. Nós éramos demissíveis ad nutum e só ficávamos no cargo enquanto agradássemos aos interesses do governo! Uma carreira para o Ministério Público ainda era um sonho, e o que então se queria era apenas alguma garantia temporal para o exercício do cargo!

Os promotores de justiça eram obrigados a cumprir as ordens e instruções do Procurador-Geral, solicitando deste – e até mesmo dos Juízes de Direito – instrução e conselho nos casos duvidosos. 2)

As vantagens salariais dos Promotores de Justiça de então eram mínimas. Além de terem baixos vencimentos, ele recebiam 20% a menos do que os Juízes de Direito junto aos quais funcionassem.

A Lei nº 567, de 19 de setembro de 1914, em seu art. 12, chegou a determinar que “[…] os membros remunerados do Ministério Público que, durante os períodos das férias forenses se ausentassem da sede do seu exercício, perderão, quando substituídos, metade dos vencimentos que reverterão aos substitutos legais”. Noutras palavras: além de ganharem mal, ainda não podiam gozar suas férias fora da seda da comarca.

A partir de 1935 os Promotores de Justiça passaram a ter legitimidade para a cobrança da dívida ativa estadual. 3) Como eles perceberiam 20% sobre as importâncias por eles efetivamente arrecadadas, amigável ou judicialmente, naquelas comarcas em que a dívida ativa era razoável, muitos aí se deixaram ficar por anos a fio, e alguns deles só saíram para se aposentar em entrância mais elevada.

Para a instituição do Ministério Público, essa participação na cobrança da dívida ativa não foi positiva, pois possibilitou que o interesse pessoal sobrepujasse o coletivo, beneficiou uns poucos que serviam em comarcas cuja dívida ativa era alta e impediu maior rapidez na formação de um sprit de corp capaz de levar a uma evolução e a um aprimoramento do Ministério Público.

A Lei nº 738, de 12 de setembro de 1919, determinou a obrigatoriedade de residência do Promotor de Justiça na sede da comarca, sob pena de sanção pecuniária,

“[…] que lhe será imposta mediante representação de qualquer cidadão, pelo presidente do Tribunal da Relação e pelos seus superiores hierárquicos, respectivamente, logo que tenham conhecimento do fato, sem prejuízo de outras penalidades em que possam incorrer!”

Em 1925, a Lei nº 912 estabeleceu que o Procurador-Geral do Estado poderia concorrer às vagas que se abrissem no Tribunal da Relação. Dessa forma, a Chefia do Ministério Público passou a se constituir em um possível degrau para ingresso naquele Tribunal, e disso se valeram vários Procuradores-Gerais para a nomeação posterior ao cargo de Desembargadores. Esse sonho dourado – ou vocação tardia – só desapareceria em 1981, quando a Lei Complementar Federal nº 81 estabeleceu que só poderiam concorrer à vaga de Desembargador, no quinto constitucional do Ministério Público, os Procuradores-Gerais que tivessem se afastado do cargo um ano antes da elaboração da lista dos possíveis candidatos.

Eu me recordo do espanto, ao ler as palavras de um dos discursos publicados do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, o velho Bilac Pinto, quando ainda deputado estadual no Estado de Minas Gerais, nos idos de 1936. Foi ele o primeiro homem em nosso Estado que, na sua Assembléia, dizia que o Ministério Público tinha de ter alguma garantia, ainda que a garantia fosse apenas quatro anos, porque por tal período que os Advogados eram nomeados para Promotor de Justiça. Ele pedia que pelo menos por esses quatro anos se lhes desse a garantia da inamovibilidade.

Enquanto ele lutava por isso, enquanto a nossa Assembléia relutava por modernizar o Ministério Público (porque nós de Minas temos uma resistência muito grande às transformações), os Estados do Amazonas, do Ceará, do Espírito Santo e de São Paulo já falavam em ingresso no Ministério Público mediante concurso, o que só veio a ser admitido em Minas Gerais, em 1946, pela Lei nº 616.

Uma observação deve ser feita com relação aos primeiros Concursos de Ingresso, estabelecidos na Constituição Federal de 1946. O provimento inicial da carreira passou a ser feito, no entanto, mediante concurso de títulos, sendo realizado “[…] perante comissão composta do Procurador-Geral, Advogado-Geral e Presidente da Secção da Ordem dos Advogados do Estado, sob a presidência do primeiro”. 4)

É verdade que a forma inicial do concurso – apenas apresentação de títulos – ou a constituição de sua comissão de ingresso, integrada por pessoas estranhas à carreira, são criticáveis. Porém, não se pode negar que começou a surgir um novo sistema, o qual acabaria por ser aperfeiçoado com o tempo.

Dessa forma, tal disposição constituiu um avanço institucional, pois o provimento inicial à carreira saiu do poder de escolha unipessoal do Governador do Estados. O Promotor de Justiça já não mais seria livremente nomeado pelo “[…] Presidente da Província, dentre doutores e bacharéis em Direito, e quaisquer cidadãos idôneos”, bem como não mais seria de sua escolha e confiança.

Pouco depois, a Constituição Mineira de 1947 modificou aquele sistema de ingresso, estabelecendo que ele ocorreria por meio de concurso de provas. Com isso, já não havia aprovação somente em razão de títulos. Esses, no futuro, seriam considerados apenas para efeito classificatório entre os candidatos já aprovados nas provas do concurso.

O espaço físico da Procuradoria-Geral de Justiça nos seus primeiros anos nunca foi estável e próprio. Quando de sua transferência da Capital do Estado de Ouro Preto para Belo Horizonte ela esteve sempre em pequenas dependências do Tribunal da Relação, depois Tribunal de Justiça. Mesmo no final do segundo quartel do século vinte, ela funcionava no último andar do vetusto e imponente edifício de nosso Tribunal de Justiça, debaixo de uma escada.

Por outro lado, para que se tenha uma noção de quão pequena era a estrutura administrativa da Procuradoria-Geral em 1929, basta que se diga que o seu quadro de pessoal constava de um oficial, um amanuense, dois datilógrafos e um contínuo. Para ilustrar também o quão lentamente crescia o próprio quadro dos membros da Instituição, somente em 1933 é que foi criada a 3ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte.


1)
Era então possível a concessão do título de advogado provisionado, vale dizer, não regularmente formado em uma Faculdade de Direito. Eram conhecidos com rábulas.
2)
Conf. Relatório do Procurador-Geral do Estado de Minas Gerais, 1892.
3)
Conf. Decreto nº 76, de 03 de junho de 1935.
4)
Decreto-Lei nº 1.630 de 15 de janeiro de 1946, art. 66.
cap1/1-1-2.txt · Última modificação: 2014/08/12 13:56 (edição externa)