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cap10:10-1-10-3

1.10.3. Crimes e delitos


A Lei nº 11.340/2006 não definiu crimes nem prescreveu nenhuma figura típica, mas modificou questões importantes do ponto de vista do direito penal e do direito processual penal.

O art. 5º da Lei Maria da Penha prevê literalmente que “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Assim, toda ação ou omissão que cause dano moral, físico, psicológico e até patrimonial à mulher em situação de violência familiar e doméstica pode ser objeto de alcance da Lei nº 11.340/2006.

Entre os crimes mais comuns citam-se: homicídio, lesão corporal, ameaça, constrangimento ilegal, cárcere privado, crimes contra o patrimônio, crimes sexuais, etc.

Discute-se, de início, a possibilidade do crime de homicídio praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar. Esse crime sempre foi da competência indiscutível do Tribunal do Júri, visto que se trata do bem maior a ser protegido pela legislação penal – a vida. Fica então um questionamento em relação a possível conflito de competência entre o previsto Juizado da Mulher e o Tribunal do Júri. Entendemos que esse é um dos pontos mais polêmicos da Lei nº 11.340/2006 e que depende de estudos mais aprofundados para a sua solução. Já se tem notícia – como em Belém, no Estado do Pará – da criação de Varas Especializadas contra a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência inclusive para o Tribunal do Júri.

No nosso entendimento, enquanto não devidamente estruturados os Juizados da Mulher, a melhor solução seria que tais crimes continuassem sob a responsabilidade do Tribunal do Júri, já devidamente estruturado para os processos de crimes contra a vida. Mas nada impede que haja uma atribuição concorrente da Promotoria de Justiça Especializada. Mesmo se tratando de uma ideia incipiente, entendemos que os Promotores de Justiça atuantes perante o Tribunal do Júri possam se responsabilizar pelo caso concreto, pelas circunstâncias e resultados do crime de homicídio, bem como de suas qualificadoras. Porém, no que tange à qualificadora específica da violência doméstica, esta pode ser defendida pela atuação da Promotoria Especializada na Defesa da Mulher.

Os crimes de lesão corporal leve juntamente com os crimes de ameaça são os mais comuns envolvendo relação familiar. É habitual nos lares brasileiros mulheres que suportam durante anos várias agressões físicas, que não chegam a causar dano físico grave e configuram a lesão corporal leve. As lesões mais comuns resultam do fato de a força física do homem ser superior à da mulher e decorrem de socos, chutes, pontapés, tapas, bem como arremesso de objetos de toda natureza. Não raras vezes há ainda tentativa de asfixia. As agressões físicas, na maioria dos casos, provocam hematomas, hemorragias, fraturas de ossos, principalmente de mãos e face, e escoriações em geral.

Há casos em que se ultrapassam os limites das lesões leves, chegando-se à configuração técnica de lesões graves e gravíssimas.

Outro crime muito frequente é o de ameaça de causar algum mal à vítima, como ameaça de lesão corporal e, muitas vezes, ameaças de morte. Os crimes de ameaça são praticados pessoalmente, por interposta pessoa, por telefone e por mensagens de computador. O certo é que as ameaças são firmes de forma a atemorizar as vítimas, retirando-lhes a paz e a tranquilidade e, muitas vezes, incapacitando-as para a prática dos atos de sua vida diária. Muitas vítimas se veem obrigadas até mesmo a deixar o emprego tamanho o medo que sentem das ameaças. Assim, temos que o crime de ameaça, devidamente efetivado contra as vítimas, é dos mais comuns e o que mais nos preocupa pelas consequências danosas à vítima, pois representa um dano psicológico grave.

Não se pode esquecer dos crimes sexuais (crimes contra os costumes), mais frequentes no ambiente familiar, muitas vezes praticados por marido e companheiro. Essa questão é imensamente complexa pelo envolvimento cultural e social. Muitos homens sentem-se no direito de se servir do corpo da sua mulher para a satisfação de seus desejos sexuais. A mulher que por qualquer motivo não o atenda a tempo e modo muitas vezes é vítima de abuso sexual. Esses crimes não são os mais frequentes que nos chegam no dia a dia da Promotoria Especializada e esperamos que não seja por vergonha das mulheres em denunciar tal situação.

A lei ainda prevê crimes que lesem o patrimônio da vítima. Tais crimes ocorrem, porém, com menor frequência. Supomos que seja porque, quando a vítima procura por ajuda, o que a faz tomar essa decisão são condutas criminosas mais ligadas ao risco de vida, risco de integridade física e falta de tranquilidade psicológica. A questão patrimonial não se revela como a mais importante na maioria dos casos. Mas não raras vezes as mulheres relatam crimes patrimoniais associados aos demais. Assim, nos conflitos familiares em que a mulher foi espancada, ameaçada, por vezes ainda é posta para fora de casa ou lhe são subtraídos documentos necessários para a tomada de providências protetivas, principalmente documentos de identidade e certidão de nascimento de filhos, bem como seus cartões de vacinação. Evidentemente há crimes patrimoniais mais graves, principalmente como nos casos em que a vítima chega à Promotoria de Justiça sem lugar para se abrigar e a seus filhos.

Todos esses crimes já estão previstos no Código Penal, que traz uma modificação importante em relação à pena prevista para o crime de lesão corporal praticada mediante violência doméstica, reprimenda que passou para três meses a três anos de reclusão.

A modificação ocorreu no art. 129 do Código Penal, no quantum da pena. Sobre esse assunto trataremos mais detalhadamente no item sobre as modificações legais trazidas pela Lei nº 11.340/2006.

Os crimes contra a honra são muito comuns nos casos de violência doméstica, em que muitas vezes as agressões físicas e as ameaças são acompanhadas de crimes contra a honra, principalmente crime de injúria. As ofensas verbais são recorrentes e muito frequentes, o que demonstra a falta de respeito do casal e das pessoas envolvidas. A falta de cuidado e delicadeza no trato familiar é flagrante e demonstra a degradação da família moderna. É comum o agressor denegrir a honra da vítima, deixando-a em farrapos, com a autoestima completamente comprometida.

Além dos crimes já descritos, temos ainda as Contravenções Penais. Como já descrito anteriormente, o art. 5º da Lei nº 11.340/2006 fala em qualquer ação ou omissão praticada na situação de violência doméstica. Assim, as Contravenções Penais também estão inseridas nesse contexto.

A Contravenção Penal de Vias de Fato, prevista no art. 21 da Lei das Contravenções Penais, é uma das mais comuns entre as abrangidas pela Lei Maria da Penha. Mas, em tese, outras contravenções penais são passíveis da aplicação dessa lei especializada. O processamento das contravenções penais também será analisado melhor nas modificações das leis, em seção à parte.

Há discussões sobre se as contravenções penais estariam abrangidas pela Lei nº 11.340/2006, uma vez que o art. 41 dessa lei afastou os benefícios da Lei nº 9.099/95 dos crimes praticados mediante violência doméstica. Ocorre que o art. 41 apenas fez menção expressa aos crimes e não às contravenções.

Pensamos que o aparente conflito de normas pode ser resolvido das duas formas a seguir mencionadas:

  • 1) O art. 5º da Lei nº 11.340/2006 prevê como violência doméstica toda e qualquer ação ou omissão que cause dano físico, psicológico ou patrimonial à vítima. Assim, as lesões corporais estão inseridas nesse contexto, não tendo sido afastadas dos rigores da Lei nº 11.340/2006. Devem, portanto, seguir todo o procedimento previsto nessa lei, inclusive, saindo, da competência dos Juizados Especiais Criminais. Como o art. 41 não previu o afastamento da Lei nº 9.099/95 nos casos de contravenção penal, entendemos que podem ser aplicados a elas os benefícios da Lei nº 9.099/95, porém na Justiça Comum. Seria o caso de proposta de transação penal, em que não se poderia aplicar a prestação pecuniária, expressamente vedada pela Lei nº 11.340/2006.
  • 2) A segunda opção é a de considerar como violência doméstica também as contravenções penais, como previsto no art. 5º, e aplicar a elas todos os dispositivos da Lei nº 11.340/06, na Justiça Comum, por se tratar de lei mais gravosa e pelo princípio da especialidade.


cap10/10-1-10-3.txt · Última modificação: 2015/03/12 10:07 (edição externa)