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cap10:10-1-10-4

1.10.4. Atendimento à vítima


Após essas explicações inevitáveis a respeito de questões relevantes dos pontos polêmicos trazidos às discussões doutrinárias sobre a Lei nº 11.340/2006, entendemos necessário e de bastante utilidade para os Promotores de Justiça que atuam na área da violência doméstica esclarecimento sobre o dia a dia da promotoria, o que fazemos para solucionar os problemas que se nos apresentam, como buscar, na prática, a solução para as questões apresentadas.

Geralmente os casos nos chegam via Judiciário. A mulher em situação de violência doméstica aciona a Polícia Militar, esta encaminha o caso para a Polícia Civil, que toma as medidas necessárias ou possíveis, reduz a termo as declarações da vítima, encaminha ao juiz as medidas protetivas solicitadas pela vítima e dá início às investigações criminais. Após a análise e decisão do Poder Judiciário sobre as medidas protetivas é que estas chegam aos nossos gabinetes, para conhecimento e tomada de providências. A esse respeito, falaremos mais detalhadamente no tópico das medidas protetivas.

Contudo, outros casos nos chegam aos gabinetes sem ter passado por nenhum dos órgãos referidos. Daí a importância fundamental do atendimento à vítima ser feito na promotoria de Justiça, de forma adequada, tranquila, firme. Achamos, inclusive, que tal atendimento merece um tópico independente, tamanha sua relevância em todo esse processo.

Ouvida a vítima, vamos tomar as providências que se impõem, de acordo com cada caso, e acompanhar o desenrolar dos procedimentos adotados.


O atendimento propriamente dito


O primeiro ponto que entendemos importante ressaltar é o atendimento à vítima – aquela que nos procura fragilizada, muitas vezes machucada e, com certeza, com feridas emocionais. Devemos, sempre e da melhor forma possível, favorecer esse atendimento, preparando um ambiente favorável, com pessoal capacitado para receber a vítima e ouvi-la. Esse primeiro contato é muito importante. A vítima tem no Ministério Público um grande aliado, mas a figura do Promotor de Justiça, muitas vezes, afasta e intimida a vítima simples, fragilizada, infeliz, e que se sente inferiorizada. No nosso caso, o atendimento é feito por oficial do Ministério Público ou diretamente pelo Promotor de Justiça, que procura saber se há processo em andamento, ouve a vítima, colhe a termo suas declarações e a orienta a procurar abrigamento, nos casos mais graves. O ambiente simples, acolhedor, em local mais silencioso e sem trânsito de pessoas e acúmulo de processo, é mais propício para esse atendimento. Seria bastante benéfico que os ambientes de oitiva de vítima fossem previamente preparados para tal finalidade, já que, na maioria das vezes, as vítimas estão envergonhadas ou têm que descrever fatos íntimos de suas vidas, inclusive de sua vida conjugal. Tais cuidados, além de facilitarem trabalho, valorizam as vítimas e as encorajam na tomada de posição na própria vida. O fato de já terem conseguido buscar ajuda já representa um passo muito importante. Quando ainda encontram um ambiente favorável, com certeza, as vítimas sentem-se acolhidas e fortalecidas no passo que estão dando para sua mudança de vida.

Muitas vítimas saem dos atendimentos visivelmente satisfeitas por terem encontrado alguém que as ouvisse e que pudesse dar algum encaminhamento a seu caso.
Dependendo de cada situação, as vítimas são encaminhadas ou a delegacia de polícia para instauração de inquérito policial e realização do exame de corpo de delito de suas lesões e/ou a abrigos para sua proteção. Pode o Promotor de Justiça requerer ao juízo as medidas protetivas solicitadas pela vítima, bem como requerer prisão preventiva do agressor, conforme o caso.

O importante é informar à vítima o que vai ser feito, para que ela tenha ciência do que pode acontecer e o que significa sua atitude de pedir ajuda ao Ministério Público. As vítimas têm que ser alertadas, inclusive, de que o ofensor pode ficar mais agressivo se souber que ela tomou alguma providência, sendo mais aconselhável manter o sigilo quanto ao atendimento para que a situação em casa não piore, até que alguma medida judicial possa ser efetivada. São muito comuns relatos aumento de violência por parte dos agressores, quando as vítimas tomam alguma providência contra eles. Isso significa que, quando a vítima denuncia uma agressão, sua integridade física poderá estar sob risco maior, e deve ser alertada sobre tal fato, para se precaver.

No atendimento à vítima, ouvimos a sua versão dos fatos, e, quando detectamos que o caso é grave, preocupante, a vítima é submetida a uma avaliação de risco, que nos dá uma noção do perigo que a ela está correndo na realidade. São perguntas fáceis, a que ela responde orientada por pessoal treinado por nós. Dependendo do resultado, se a avaliação nos informa sobre risco de moderado a grave, já orientamos a vítima a procurar um abrigo e a ajudamos com a preparação de um Programa de Segurança. Esse programa tem que ser elaborado junto com a vítima, com algumas informações que lhe devem ser passadas e com outras fornecidas por ela. Todo esse material é guardado na promotoria de Justiça, em arquivo próprio para cada vítima, de forma sigilosa. Tanto a avaliação de risco quanto o Programa de Segurança adotados pela promotoria de Justiça estão à disposição de colegas que queiram conhecer e desenvolver o mesmo sistema. Para tanto, a promotoria especializada pretende, ainda, divulgar suas atividades e disponibilizar para os promotores de Justiça interessados material necessário, promovendo maior integração ministerial.

A avaliação de risco é de grande valia para balizar a nossa atuação em cada caso: em que situações vamos requerer a prisão preventiva, em quais vamos pedir o afastamento do agressor do lar conjugal, em quais vamos encaminhar, sigilosamente, a vítima para abrigos, etc.

É importante guardar uma cópia do termo de declarações da vítima na promotoria de Justiça, em arquivo próprio, e dar outra à vítima, tudo devidamente autenticado. O arquivo é bem apropriado para a continuação do atendimento daquela mesma vítima num possível retorno, o acompanhamento das providências tomadas em cada caso, além do estudo estatístico da violência doméstica na comarca. É importante observar se houve aumento dos casos de violência doméstica na comarca ou das denúncias por parte das vítimas. Esse é um dado importante para nortear a ação ministerial nesse aspecto, como forma de promover ações preventivas extrajudiciais.


O requerimento de medidas protetivas


A Lei nº 11.340/2006, nos arts. 18 a 24, introduziu as medidas protetivas como forma de aumentar a segurança das vítimas de violência doméstica. O objetivo principal diz respeito, obviamente, a sua integridade física, mas não foram esquecidas outras medidas muito importantes para as mulheres tentarem levar, no máximo possível, uma vida normal, digna e que possa lhe proporcionar tranquilidade para continuar trabalhando, criando os filhos, pagando suas contas, exercendo os atos importantes de sua vida civil, com maior tranquilidade.

Como foi absolutamente necessário dotar a mulher em situação de risco e de violência doméstica de mecanismos que a fortaleçam e que lhe possibilitem levar a vida adiante, houve por bem o legislador prever o deferimento imediato pelo juiz – assim que este tomar conhecimento da gravidade do caso –, de medidas protetivas, que não são somente de natureza criminal, mas também civil, principalmente o direito de família.

Vale ressaltar que o texto original do Anteprojeto de Lei nº 4.559/2004 chamava tais medidas de medidas cautelares. Já o texto final aprovado e previsto na Lei nº 11.340/2006 denominou-as de medidas protetivas, retirando assim o termo cautelares. Tal mudança não aconteceu por acaso, muito menos por erro legislativo. Ocorre que o termo cautelar remete, de imediato, ao rito das medidas cautelares previstas no Código de Processo Civil, até mesmo porque o seu objeto possui conteúdo inequivocamente civil. Assim, temos que a mudança da nomenclatura quis, de forma bastante incisiva, dar às medidas protetivas o cunho mais amplo, de medidas cautelares tanto civis quanto criminais.

Analisando melhor a questão, verificamos que não poderia ser outra a interpretação, uma vez que as medidas protetivas estão relacionadas, obrigatoriamente, à ocorrência de uma conduta delituosa, que deve ser combatida pelo direito penal.

Quanto aos requisitos das medidas cautelares civis, temos os já conhecidos e bastante estudados fumus boni iuris e o periculum in mora. Ocorre que no caso das medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340/2006, de natureza criminal, não há a presença do fumus boni iuris, já que estamos diante de uma prática de um ato ilícito. Não há que se falar em fumaça de bom direito quando o que se vislumbra é uma prática criminosa. Em verdade, o requisito presente que se constata é o fumus commissi delicti.

“Não se pode afirmar que o delito cometido é uma fumaça do bom direito, quando na verdade o que se espera é a probabilidade da ocorrência de um delito, ou seja, o fumus delicti, ou como bem observa Delmanto Júnior, o fumus commissi delicti.
Desta forma é a provável ocorrência de um delito e os indícios da autoria que se fundem no pressuposto fumus delicti, e não a existência de um sinal, fumaça de um bom direito que deverá ser tutelado pelo Estado, o fumus boni iuris”.1)

Da mesma forma ocorre quando analisamos o outro requisito para a medida cautelar de natureza cível, ou seja, o periculum in mora. Vê-se claramente que tal requisito não está presente como essencial para o deferimento das medidas protetivas da Lei nº 11.340/2006, de natureza criminal. O que se tem é uma situação de risco para a vítima, que precisa de proteção do Estado, uma vez que presente o requisito da medida cautelar criminal periculum libertatis.

É o periculum libertatis o pressuposto da cautelar penal, uma vez que, solto ou, no caso da medida protetiva, sem limitação de sua liberdade, poderá o agressor continuar a ofender a ordem pública.

É de se considerar que a exigência do periculum libertatis é mais criteriosa do que o simples perigo da demora. Tourinho Filho entende serem os pressupostos semelhantes. Escreve o doutrinador: “O periculum in mora, ou libertatis, consistirá na circunstância de ser a medida imprescindível às investigações criminais”.

No presente caso, o periculum libertatis pode colocar em risco a integridade física, psicológica, patrimonial, etc., da vítima de violência doméstica. As medidas protetivas precisam ser deferidas com a rapidez necessária para que o Estado consiga, efetivamente, dar proteção às vítimas de violência doméstica. Evidentemente, estamos diante de um caso relacionado à ocorrência de um crime, o outro requisito da medida cautelar criminal, ou seja, o fumus commissi delicti.

Assim, temos, como exemplo, uma medida protetiva que proíbe ao agressor aproximar-se da vítima a uma distância, a ser fixada, suficiente para garantir a esta sua integridade física. Não se trata da prisão do agressor, mas sim de uma limitação em seu direito de liberdade. Dessa forma, estando presentes os requisitos periculum libertatis e o fumus commissi delicti, deve a medida protetiva ser aplicada de imediato.

Com essas considerações, temos que as medidas protetivas de natureza criminal não estão presas ao processo previsto para as medidas cautelares do Código de Processo Civil.

O art. 22 da Lei nº 11.340/2006 exemplifica medidas protetivas que obrigam o agressor. Vejamos:

“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003:
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios”.

As medidas previstas nos incisos I, II e III, letras a, b e c, são de natureza criminal. As previstas nos incisos IV e V são medidas de natureza civil. Todas obrigam diretamente o agressor.

As medidas protetivas que protegem as vítimas são elencadas nos arts. 23 e 24, transcritos a seguir.

“Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo”.

Necessário que se compreenda que tais medidas são elencadas exemplificativamente, podendo outras ser requeridas e aplicadas de acordo com as necessidades de cada caso. A Lei nº 11.340/2006 prevê que as medidas protetivas serão objeto de expediente apartado, não ficando vinculadas à investigação criminal.

Com efeito, o procedimento das medidas protetivas não segue o rito do processo criminal. Muito bem fez o legislador em definir procedimento próprio para elas que, dada à urgência do caso, não devem ficar adstritas ao processo investigativo nem mesmo ao processo criminal. Assim, são autuadas em apartados, têm andamento processual próprio, com finalidades distintas. O inquérito policial objetiva a investigação dos fatos e a futura propositura de ação criminal. O expediente de medidas protetivas visa à aplicação urgente de medidas que protejam a vítima e garantam a paz social.

Quanto ao tempo de duração das medidas protetivas, da mesma forma como as medidas cautelares criminais, é certo que elas deverão prevalecer até que estejam presentes os requisitos e as situações fáticas que ensejaram a sua aplicação. Assim, não estamos presos aos prazos do processo civil. Deferidas as medidas protetivas, estas terão vigência até que se tenha prova nos autos de que os motivos ensejadores não mais existem. Será necessária uma avaliação criteriosa caso a caso, ouvindo-se, inclusive, a mulher beneficiada pela concessão das medidas.

Esse entendimento ainda não está pacificado na doutrina brasileira, e há aqueles que defendem que as medidas protetivas são de natureza civil, devendo, portanto, seguir o rito e os requisitos definidos para as medidas cautelares civis. Nesse caso, deferidas as medidas, elas têm a validade de trinta dias, prazo no qual deve ser proposta a ação principal. Não é o que pensamos, por todas as dificuldades em se dar cumprimento a tais prazos e à efetividade das medidas. A se adotar esse entendimento, temos que, deferidas as medidas, tem-se o prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação penal, que é ajuizada pelo Ministério Público. E a vítima não pode ser prejudicada, com a suspensão das medidas que a protegem pessoalmente, por uma eventual demora do Ministério Público em oferecer a denúncia, ou mesmo a de se chegar ao fim das investigações. A realidade nos mostra que muitos inquéritos policiais, senão a sua maioria, pela imensa quantidade de feitos, não terminam a investigação no prazo de trinta dias. Assim, a vítima poderá, e muito, ser prejudicada por não se ter o fim do inquérito policial e a necessária propositura da ação penal pelo Ministério Público no tempo de trinta dias.

Percebemos outro problema prático em se considerarem as medidas protetivas como medidas cautelares de natureza civil. Ao descumprimento de tais medidas deverá, então, ser aplicada penalidade. Tal situação se torna, na prática, inviável. Se a penalidade for de multa por dia de descumprimento, por exemplo, fica difícil aferir quantas vezes e por quantos dias isso ocorreu, e a aplicação de pena de multa está em total desconformidade com o espírito da Lei nº 11.340/2006. A Lei Maria da Penha veda a imposição de penalidade criminal de prestação pecuniária, exatamente para que o agressor não se livre da imposição criminal por meio de pagamento em dinheiro. Afinal, a Justiça tem que ser para todos, não só para os endinheirados e a coibição da violência doméstica não pode estar atrelada a questões financeiras.

Por essas questões apontadas, entendemos que as medidas protetivas são medidas cautelares de natureza criminal e devem ter a duração necessária para a garantia da segurança e integridade da vítima.

Assim, quando deferidas as medidas protetivas, o agressor e a vítima devem ser intimados pessoalmente, e a vítima não pode entregar ao agressor tal intimação. Tudo, obviamente, para protegê-la.

As medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340/2006 podem ser requeridas pelo Ministério Público depois de ouvida a vítima, a pedido desta, desde que atendam ao interesse dela. O rol elencado no art. 22 é apenas exemplificativo, podendo haver outras medidas que o Promotor de Justiça ou a própria vítima entendam necessárias e que podem ser requeridas ao juízo.

Geralmente, as medidas protetivas chegam às nossas mãos, para conhecimento, após decisão judicial, vindas das delegacias de polícia. Nesse momento, tomamos conhecimento se as medidas foram deferidas ou não, ou se o foram apenas parcialmente. Dependendo do caso e das informações ali constantes, requeremos a reconsideração do juízo, para que sejam deferidas as medidas solicitadas pela vítima. Entendemos que, se a vítima as solicitou, é porque são necessárias, pois ela sabe de sua realidade, que nós não somos capazes de avaliar, naquele momento, sem mais elementos de provas. Mas, no caso de haver risco para a vítima – estamos tratando de violência doméstica –, melhor que seja afastado do que deixar a vítima continuar a conviver com tal situação.

Se as medidas protetivas são deferidas, requeremos sejam juntados os mandados de intimação aos autos, devidamente cumpridos.

Se são deferidas parcialmente, e há pedido de pensão alimentícia para filhos menores que tenha sido indeferido, por exemplo, pedimos seja a vítima intimada a juntar a certidão de nascimento dos filhos, para comprovar a paternidade, e aí insistimos no deferimento do pedido de alimentos para eles.

Uma questão que se apresenta bastante séria é o prazo de vigência das medidas protetivas, se consideramos os procedimentos como independentes, e não como acessórios. E se houver sentença condenatória, no processo penal, o agressor cumprir a pena à qual foi condenado, como fica a proteção da vítima? Se o procedimento de medidas protetivas for considerado acessório do processo penal, com o cumprimento da pena, esse vai ser arquivado, e, consequentemente, as medidas protetivas perderão a eficácia e a vítima ficará novamente sem proteção. A Lei nº 11.340/2006 silenciou sobre esse ponto. Nos EUA, mesmo findo o processo criminal, as medidas protetivas podem prevalecer por um período de cinco anos, ou seja, o agressor, após ter cumprido a pena, estará em liberdade total, mas ficará proibido de se aproximar da vítima, e com isto não pode voltar a agredi-la. Aqui no Brasil não há manifestação legal expressa a esse respeito. Já tivemos um caso em que o agressor ficou preso por oito meses e meio, cumpriu totalmente a pena que lhe foi aplicada, voltou às ruas, e, em menos de um mês, retornou a sua casa, ameaçando novamente a família, principalmente a mulher, munido de um pedaço de pau de mais de um metro de comprimento, sendo, por isso, novamente preso em flagrante.

Pensamos que essa situação precisa ser resolvida de melhor forma. Se as medidas protetivas continuassem a ter validade após resolvido o processo criminal, teríamos a esperança de que novas agressões e ameaças poderiam ser evitadas, diminuindo, assim, a violência doméstica. Esse é um ponto interessante e ainda sem fácil resolução. Pensamos que, ao sentenciar condenando por crime em situação de violência doméstica, o juiz poderá determinar que o agressor continue cumprindo as obrigações constantes nas medidas protetivas, principalmente no que diz respeito à proibição de se aproximar da vítima por um espaço determinado, que garanta a ela e a sua família a integridade física. Assim, defendemos que as medidas protetivas são de natureza criminal, devendo prevalecer até que sejam necessárias.


Providências diante do descumprimento das medidas protetivas


No caso de terem sido deferidas as medidas protetivas, devemos observar se estão sendo cumpridas e se delas o agressor foi intimado pessoalmente.

Geralmente a notícia do seu descumprimento, principalmente em relação ao afastamento, chega-nos através da própria vítima, que nos procura para informar que, apesar do deferimento das medidas protetivas, o agressor continua a se aproximar dela, com agressões e ameaças. Nesse caso, reduzimos a termo as declarações da vítima e o encaminhamos, com cópia das medidas protetivas, à delegacia de polícia para apurar crime de desobediência. Se o caso se apresenta grave o bastante, além dessa providência, protocolamos, perante o juízo, pedido de prisão preventiva do agressor. Os juízes geralmente deferem a prisão preventiva para garantir a ordem pública e a integridade física da vítima.

Se o agressor descumprir a medida a ele imposta, é caso de crime de desobediência, devendo haver a apuração e o processo devido, sem prejuízo de avaliar, diante da gravidade do caso e do risco que possa estar correndo a vítima, a possibilidade de se decretar a prisão preventiva do agressor.


1)
Rogério Marcus Alessi
cap10/10-1-10-4.txt · Última modificação: 2015/03/12 10:09 (edição externa)