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cap10:10-10-5

10.5. Técnica de atuação judicial - A ação civil pública na defesa do patrimônio cultural

Considerações gerais

A ação civil pública é, sem dúvida alguma, o mais importante e eficaz instrumento processual existente no ordenamento jurídico brasileiro apto a promover, mediante o acionamento do Judiciário, a proteção dos bens integrantes do patrimônio cultural nacional.

Disciplinada pela Lei nº 7.347/85, a ação civil pública pode ser utilizada para a defesa do meio ambiente (lato sensu), do consumidor, da ordem urbanística, da ordem econômica, da economia popular e de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

No dizer do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, as ações civis públicas conduzidas pelo Ministério Público, objetivando a preservação do meio ambiente e a reparação dos danos a ele causados, constituem o maior avanço em matéria de proteção da qualidade ambiental e da saúde da população observado em nosso país nos últimos anos.1)

Competência

No que tange à competência para a apreciação das ações civis públicas, nos termos do art. 2º da Lei nº 7.347/85, elas devem ser propostas no foro do local do dano, cujo juízo tem competência funcional para processar e julgar a causa.

O fato do bem cultural ser protegido por ato administrativo federal ou mesmo se tratar de bem de propriedade da União não exclui, prima facie, a atribuição do Ministério Público Estadual para adotar as medidas cabíveis e deduzir eventuais provimentos jurisdicionais, em âmbito cível, perante a Justiça Estadual.

Como sabido, a competência da Justiça Federal vem taxativamente prevista na Constituição da República. Assim, a regra geral é que a competência da Justiça dos Estados se apura por exclusão da reservada pela Constituição aos Juízes e Tribunais da União.

Deste modo, o simples fato de determinada lide referir-se a bens que são considerados como de domínio federal ou que estejam sobre proteção de um órgão federal, por si só, não implica competência da Justiça Federal para apreciar a lide em âmbito cível, pois tal hipótese não se enquadra naquelas expressamente previstas no art. 109 da CF/88.

Entendimento contrário levaria à conclusão, por exemplo, de que toda e qualquer causa que verse sobre mineração (os recursos minerais são propriedade da União, a teor do disposto no art. 20, IX, da CF/88) seriam de competência da Justiça Federal, o que sabidamente não ocorre.

A jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, a propósito, já se manifestou:

COMPETÊNCIA. MINERAÇÃO. ALVARÁ, DE PESQUISA. NÃO TENDO A UNIÃO INTERESSE COMO AUTORA, RE, ASSISTENTE OU OPOENTE, NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA EXPLOSÃO MINERAL, COMPETENTE E A JUSTIÇA ESTADUAL PARA JULGÁ-LO. (STF – Conflito de Jurisdição 6663/MG - DJ 07-08-1987 PP-15433 EMENT VOL-01468-01 PP-00157 – Rel. Min. Carlos Madeira)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MINERAÇÃO. AÇÃO VISANDO À PRIORIDADE NA PESQUISA DE LAVRA. LEI Nº 227/67. A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL É A FIXADA TAXATIVAMENTE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO PODENDO SER RESTRINGIDA NEM AMPLIADA POR LEI INFRACONSTITUCIONAL. A DISPUTA SOBRE DIREITOS DE MINERAÇÃO NÃO ESTA INCLUÍDA NA COMPETÊNCIA “RATIONE MATERIAE” DA JUSTIÇA FEDERAL. NÃO PARTICIPANDO NA RELAÇÃO PROCESSUAL A UNIÃO, AUTARQUIA OU EMPRESA PÚBLICA FEDERAL, O JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DA SITUAÇÃO DA JAZIDA (DLEI 227/67, ART. 27, INC. VI) NÃO AGE POR “DELEGAÇÃO”, MAS NO EXERCÍCIO DE SUA PRÓPRIA JURISDIÇÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUIZ DE DIREITO E JUIZ FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMI-LO. DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO MAGISTRADO ESTADUAL. (STJ - CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA – 2779 - Processo: 199200022391 UF: MG Órgão Julgador: SEGUNDA SECAO - Data da decisão: 28/10/1992)

Com efeito, os Tribunais de Justiça dos Estados têm constantemente examinado questões relativas à proteção de bens culturais que constituem patrimônio da União, tais como os bens arqueológicos e espeleológicos.

Vejamos:

Desmatamento de área de preservação permanente – Lei 6.938/81 – Responsabilidade objetiva – Recomposição da área degradada – Legalidade. – Preservação de cavernas e grutas – Exploração de jazida de calcário – Atividade que põe em risco as cavernas e grutas situadas nas proximidades da jazida e localizadas em propriedade do Estado – Ausência de Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, exigido pelo Decreto n. 99.556/90 – Cavernas e grutas preservadas e protegidas pelo Decreto Federal n. 99.274/90 e pela Resolução Conama – Impedimento legal para a atividade extrativa – Mantida sentença que julgou ação improcedente – Recurso improvido. (TJSP - Ap.Civ 008.661.5/2-00 –– Rel. Ribeiro Machado – j. 09/12/1997).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MINERAÇÃO DE CALCÁRIO EM ÁREA PRÓXIMA A SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS. EMBARGO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ART. 273 DO CPC. RECURSO IMPROVIDO. Uma vez atendidos os requisitos da verossimilhança das alegações do MP quanto ao caráter irreversível dos danos ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, paleontológico e espeleológico da exploração minerária de extração de calcário em área contígua à outra já sujeita embargo judicial, impõe-se a confirmação da decisão pela qual foi concedida antecipação de tutela no sentido da abstenção, pelos Órgãos ambientais, de proceder aos atos administrativos preparatórios do licenciamento ambiental do empreendimento. (TJMG – Ag. 1.0000.00.350774-6/000 - Rel. Des. Fernando Bráulio - J. 18/03/2004)
Agravo de instrumento. Ação civil pública. Competência. Eventual interesse da União Federal. Integração na relação jurídica processual ainda não ocorrida. Incompetência da Justiça Comum estadual inocorrente. Até que a União Federal eventualmente venha a integrar a relação jurídica processual em ação civil pública envolvendo proteção ao meio ambiente, ainda não se pode afirmar a incompetência da Justiça Comum estadual nos dois graus de jurisdição. (Agravo de instrumento nº 1.0194.03.031452-1/001, Rel. Des. Caetano Levi Lopes, j. 17/08/2004 , p. 22/10/2004) .
EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA – AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DE OBJETOS SACROS – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Não havendo, na ação cautelar de busca e apreensão de imagens sacras, ajuizada pelo Ministério Público, qualquer discussão sobre relação jurídica a envolver o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, e inexistindo demonstração de interesse da autarquia federal – ou mesmo litisconsórcio a envolver a União – a competência para o julgamento da ação é da Justiça Estadual. - Tratando-se de discussão sobre a propriedade de imagens, com suspeita de que pertençam ao acervo cultural do Estado de Minas Gerais, possivelmente furtadas, e se o prejuízo aqui ocorreu, a competência é da Justiça Estadual.(TJMG – Agravo nº 1.0024.04.341695-7/001 – Comarca de Belo Horizonte – Órgão julgador: 7ª Cam. Cív. – Rel: Wander Marotta – julgado em: 27/09/2005)

Objeto

A ação civil pública poderá ter por objeto evitar o dano, repará-lo ou buscar a indenização pelo dano causado, sendo viável a pretensão de condenação em dinheiro, do cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, bem como da declaração de situação jurídica.

Nos termos do que dispõem os arts. 83 e 90 do Código de Defesa do Consumidor, combinados com os arts. 1º e 21 da Lei nº 7.347/85, para a defesa do patrimônio cultural brasileiro são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Como salienta Hugo Nigro Mazzilli:

Cabem ações civis públicas condenatórias, cautelares, de execução, meramente declaratórias, constitutivas ou as chamadas ações mandamentais. Como exemplos afigure-se a necessidade de reparar ou impedir um dano (ação condenatória ou cautelar satisfativa), ou declarar nulo (ação declaratória) ou anular (ação constitutiva negativa) um ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural. Ou a necessidade de anular um contrato administrativo que contenha algum vício, ou que indevidamente permita a demolição de um bem de valor histórico.2)

Em sede de ação civil pública sobre a defesa do patrimônio cultural, tendo-se em vista os princípios da prevenção e da reparação integral, há plena viabilidade de se cumularem pedidos consistentes em obrigações de fazer ou não fazer com indenização, em virtude dos danos tecnicamente irreparáveis e também dos danos extrapatrimoniais. Somente assim será possível a integral reparação objetivada pelo Direito Ambiental, evitando-se o enriquecimento ilícito do degradador em detrimento dos direitos da coletividade3).

Poderá ser ajuizada ação cautelar objetivando, até mesmo, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Havendo condenação em dinheiro, em Minas Gerais os valores deverão ser destinados ao Fundo Estadual de Defesa de Direitos Difusos, nos termos da Lei Estadual nº 14.086/2001, regulamentada pelo Decreto nº 4.4751/2008.

Ação civil pública declaratória de valor cultural

Hodiernamente, em caso de omissão do poder público no dever de zelar pela integridade dos bens culturais, é incontroversa a possibilidade de se buscar a proteção de determinado bem mediante um provimento emanado do Poder Judiciário.

Ao Poder Judiciário, a quem incumbe, por força de preceito constitucional, apreciar toda e qualquer lesão ou ameaça a direito, também é dada a tarefa de dizer do valor cultural de determinado bem e de ditar regras de observância obrigatória, no sentido de sua preservação, ante a omissão de seu proprietário ou do poder público.

O art. 216, § 1º, da CF/88 é claro ao estabelecer que o tombamento é uma das formas de proteção do patrimônio cultural, mas não a única. Como abaixo se vê, há muito a doutrina, a jurisprudência e, mais recentemente, a própria legislação federal vêm consagrando a possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer o valor cultural de certo bem e determinar as medidas necessárias à sua conservação, independentemente de prévio ato de tombamento.

Nelson Nery Júnior, em parecer acerca da viabilidade do reconhecimento do valor cultural de determinado bem pelo Poder Judiciário, argumenta judiciosamente o seguinte:

Não se exige o tombamento formal do bem para que se possa classificá-lo como de interesse histórico. Ou o bem é de interesse histórico ou não é. E sendo, já merece a proteção pela via da ação judicial (Lei nº 7.347/85). O tombamento é formalidade que torna juris et de jure a presunção de que o monumento tem valor histórico. Somente isso. Não pode constituir-se em requisito para que o patrimônio histórico possa ser protegido, o que seria desastroso principalmente num Estado como São Paulo, onde há muitos edifícios de valor histórico.
O mesmo alvitre é propugnado pela doutrina alemã, a propósito da interpretação do art. 2º da Lei de Proteção aos Monumentos do Estado da Baviera, de 25/06/1973. Esse art. 2º estipula a necessidade de haver um rol dos bens tombados (Denkmalliste), que devem sê-lo ex officio, dando-se ciência ao proprietário. Em comentário a esse dispositivo já se afirmou que ‘o ingresso do bem no rol dos bens tombados, segundo o sistema da Lei de Proteção aos Monumentos, não é condição nem para classifica-lo como bem de valor arquitetônico, nem para a aplicabilidade da Lei de Proteção aos Monumentos (Erbel-Schiedermais-Petzet, Bayerische Denkmalschutzgesetz, Munchen, 2. ed, Comentário n. 2, I, 1, ao art. 2º, p. 41)’.4)

O Mestre Hugo Nigro Mazzilli leciona que:

Fica claro, no exame da legislação, que tanto se protege o patrimônio público tombado como o não tombado. Em caso de tombamento, temos proteção administrativa especial. Sempre que o legislador, por qualquer razão, quis exigir tombamento, ele o explicitou claramente. Na Lei nº 7.347/85, entretanto, o legislador não limitou a proteção jurisdicional de valores culturais apenas aos bens tombados — e seria rematado absurdo se o fizesse.
Afinal, nada impede que um bem tenha acentuado valor cultural, mesmo que ainda não reconhecido ou até mesmo se negado pelo administrador; quantas vezes não é o próprio administrador que agride um bem de valor cultural ?!
O tombamento, na verdade, é um ato administrativo complexo: de um lado, declara ou reconhece a preexistência do valor cultural do bem; de outro, constitui limitações especiais ao uso e à propriedade do bem. Quanto ao reconhecimento em si do valor cultural do bem, o tombamento é ato meramente declaratório e não constitutivo desse valor; pressupõe este último e não o contrário, ou seja, não é o valor cultural que decorre do tombamento.

Em complemento ao afirmado, arremata o doutrinador:

Admitir que necessário fosse o prévio tombamento para posterior defesa em juízo, seria, na verdade, tornar inócua na maioria das vezes a proteção jurisdicional. Se só bens tombados (definitiva ou provisoriamente) pudessem ser protegidos pela ação civil pública, por absurdo nem mesmo uma cautelar, dita satisfativa, destinada a impedir um dano iminente, poderia ser proposta, se o bem de valor cultural não estivesse tombado … Frustrar-se-ia o escopo das leis, seja o da Lei nº 7.347/85 (que cuida não só da reparação do dano, como de sua prevenção), seja até mesmo o escopo da Constituição da República (cujo art. 216, § 4º, prevê punição não só pelos danos, como pelas próprias situações de risco causadas ao patrimônio cultural).
Além do mais, partindo do raciocínio de que o bem tenha valor cultural para a comunidade, titulares deste interesse são os indivíduos que compõem a coletividade (por isso que o interesse é difuso). Ora, seria inadmissível impedir, por falta de tombamento, o acesso ao Judiciário para proteção a valores culturais fundamentais da coletividade. Não há nenhuma exigência da lei condicionando a defesa do patrimônio cultural ao prévio tombamento administrativo do bem, que, como se viu, é apenas uma forma administrativa, mas não sequer a única forma de regime especial de proteção que um bem de valor cultural pode ensejar.5)

Rui Arno Richter, em brilhante estudo sobre o tema, afirma com correção:

Assim, se o Poder Executivo e o Poder Legislativo omitirem-se na preservação e acautelamento de determinado bem ou de um conjunto de bens de valor cultural, a iminência de sua destruição, deterioração ou mutilação exige a possibilidade de remédios jurídicos à disposição da sociedade civil e do cidadão para invocar a tutela do Poder judiciário, buscando decisão judicial como outra forma de acautelamento e preservação do patrimônio cultural.
Estes instrumentos imprescindíveis são a ação civil pública e a ação popular, que mais irão contribuir para atingir os fins para as quais foram concebidas se interpretadas pelos profissionais do Direito com o mesmo sentido de garantia de acesso à ordem jurídica justa que inspirou estas criações.6)

Recentemente, a Lei de Crimes Ambientais, na seção atinente aos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural, tipificou como crime a lesão a bens especialmente protegidos por lei, ato administrativo ou decisão judicial, o que importou no reconhecimento explícito, em âmbito nacional, da possibilidade de se proteger, pela via judicial, o patrimônio cultural brasileiro.

Desta forma, a ação civil pública tem-se mostrado como um instrumento extremamente útil, em caso de omissão do Poder Executivo e do Legislativo, no dever de preservar o patrimônio cultural brasileiro, sendo viável o reconhecimento judicial do valor de determinado bem e a imposição a seu proprietário e ao poder público de obrigações de fazer e não fazer necessárias à mantença de sua integridade.

Sob o ponto de vista da prática processual, importante ressaltar a lição de José Eduardo Ramos Rodrigues:

Nem sempre o bom senso costuma imperar na Administração Pública. Daí parecer-nos essencial que, em caso de propositura de ação civil pública, tanto na cautelar como na principal, visando a preservar um bem por seu valor cultural, devam integrar o seu pólo passivo como litisconsortes não apenas o proprietário do móvel ou imóvel, mas também a pessoa jurídica de direito público interno mais próxima e que possua um órgão próprio especializado com condições e infra-estrutura capazes de efetivar a proteção e fiscalização daquele bem.7)

Há diversos precedentes jurisprudenciais sobre a possibilidade de se declarar o valor cultural de determinado bem por meio de ação civil pública.

Legitimidade ativa

A legitimidade do Ministério Público para tutelar o patrimônio cultural por meio de ação civil pública decorre expressamente do art. 129, III, da CF/88 e do art. 5º, I, da Lei nº 7.347/85. Não há necessidade de nenhum ato protetivo prévio sobre determinado bem cultural para que se verifique a legitimidade ministerial para a adoção das medidas cabíveis8)).

O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Admite-se o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos passíveis de serem defendidos pela ação civil pública.

Fica facultado ao poder público e a outras associações legitimadas habilitar-se como litisconsorte de qualquer das partes.

Sobre a legitimidade do Ministério Público para propor ações civis públicas em defesa do patrimônio cultural, o STJ já assentou:

Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. (STJ - RESP - 586307 - Processo: 200301512700 - UF: MT - Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA - Rel. Min. LUIZ FUX 14/09/2004)

Controle de constitucionalidade

É plenamente viável a propositura de ação civil pública para a defesa concreta do patrimônio cultural, invocando como causa de pedir da ação não o próprio pedido, mas a inconstitucionalidade de atos normativos. Nesses casos, opera-se o controle difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade, não havendo de se falar em invasão da competência constitucional dos Tribunais para conhecerem, com exclusividade, sobre a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em tese (o que só é viável por ação declaratória de inconstitucionalidade).

Assim, por exemplo, suponhamos que em uma lei municipal conste, dentre outros dispositivos, um que determine a destruição de todos os documentos de valor histórico existentes em seus arquivos, e outro que disponha que no âmbito do município não serão admitidas doravante as aplicações, pelo Conselho do Patrimônio Cultural, dos instrumentos administrativos de defesa e proteção dos bens culturais imóveis, tais como o tombamento e o inventário.

Em ambos os casos, há evidente violação do que dispõe a Constituição Federal em seu art. 216, § 1o e § 2o, sendo possível a propositura de ação civil pública para pleitear a declaração incidenter tantum (na parte fundamentadora da sentença) da inconstitucionalidade dos dispositivos e propor que a administração se abstenha de destruir os documentos e de impedir a aplicação dos instrumentos constitucionais de proteção ao patrimônio cultural pelos órgãos municipais competentes.

Como salienta o constitucionalista Alexandre Moraes:

O controle de constitucionalidade difuso, conforme já estudado, caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá soluciona-l0 e para tanto, incidentalmente, poderá analisar a constitucionalidade ou não de lei ou do ato normativo – seja ele municipal, estadual, distrital ou federal. Dessa forma, em tese, nada impedirá o exercício do controle difuso de constitucionalidade em sede de ação civil pública, seja em relação às leis federais, seja em relação às leis estaduais, distritais ou municipais em face da Constituição Federal (por ex.: O Ministério Público ajuíza uma ação civil pública, em defesa do patrimônio público, para anulação de uma licitação baseada em lei municipal incompatível com o art. 37 da Constituição Federal.
O Juiz ou Tribunal – CF, art. 97 – poderão declarar, no caso concreto, a inconstitucionalidade da citada lei municipal, e anular a licitação objeto da ação civil pública, sempre com efeitos somente para as partes e naquele caso concreto.9)

Precedentes favoráveis a respeito: STJ – RESP 493270 – DF – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 24.11.2003 – p. 00221; STJ – RESP 166877 – MG – 2ª T. – Rel. Min. Castro Meira – DJU 13.12.2004 – p. 00272; TJDF - APC 5181599 – 4ª T.Cív. – Rel. Des. Estevam Maia – DJU 30.06.2005 – p. 55.

Modelos de peças práticas

Modelos de iniciais de ação civil pública sobre todos os temas tratados neste tópico podem ser encontradas no endereço eletrônico da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (www.mp.mg.gov.br > Execução > Coordenadoria do patrimônio cultural > Peças práticas > Ação civil pública).


1)
O meio ambiente na visão do STJ. O papel do Judiciário na proteção ambiental. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: AMB, ano 4, n. 9, p. 7, 2000.
2)
Op. cit. p. 196.
3)
Sobre o tema vide: Possibilidade de cumulação de obrigação de fazer ou não fazer com indenização nas ações civis públicas para reparação de danos ambientais. Análise dos pressupostos. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. et al.
4)
Parecer na Apelação TJSP 119.378-1 apud EI nº 55.415-5/3-02 – TJSP, j. 28/03/2001.
5)
MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo (meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural). 3. ed. revis. ampl. e atual. São Paulo: RT, 1991. p. 85-86.
6)
RICHTER, Rui Arno. Meio Ambiente Cultual: omissão do Estado e tutela judicial.
7)
Meio Ambiente Cultural: Tombamento – Ação Civil Pública e Aspectos Criminais. p. 328-329.
8)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PERIGO DE REMOÇÃO DO BEM. O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio histórico e cultural, mesmo que o bem ainda não tenha sido tombado. Ante o perigo iminente de remoção do bem tombado para outra localidade, como se alega oficialmente, é correto o deferimento da liminar que limite a possibilidade dessa remoção. (TJMG – Agravo N° Nº 000.335.443-8/00 – Comarca de Pirapora - 7ª C.Civ.- Rel. Des. Wander Marotta DJPR 05/05/2003
9)
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 547.
cap10/10-10-5.txt · Última modificação: 2014/08/11 14:53 (edição externa)