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cap10:10-2-6-5

2.6.5. Agravo de instrumento – Litisconsórcio facultativo/função social

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONFLITOS AGRÁRIOS
Comarca de Belo Horizonte/MG
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Autos de nº
Autores:
Réus:
Assunto: Agravo de Instrumento

A lei processual deseja mais do que uma simples solução técnica para os conflitos dessa ordem, pois, como assinalado por Artur Pinto Filho, não é razoável admitir que somente por meio de uma decisão interlocutória seja possível solucionar pacificamente o conflito de interesses (Agravo de Instrumento nº 329.677-9 – Excerto do volto do Juiz Alberto Vilas Boas – TAMG)

O Ministério Público de Minas Gerais, através de seu órgão de execução com atribuições na Promotoria de Justiça de Conflitos Agrários, com fundamento nos arts. 522 e seguintes do Código de Processo Civil, vem interpor RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO contra a decisão de fls. -v., prolatada pelo MM. Juiz da Vara Agrária deste Estado que, em AÇÃO POSSESSÓRIA (Processo nº …) proposta por ….. e Outros em face de ….. e Outros, acolheu, inaudita altera pars, o pleito liminar aviado pelos autores, concedendo o respectivo mandado de interdito proibitório.
Para tanto, em atendimento ao disposto no art. 525 do CPC, junta cópia de todo o processo na instância originária.
Trata-se de Ação de Interdito Proibitório ajuizada por …. e outros em face de ….. e Outros trabalhadores rurais sem terra que se encontram acampados no imóvel pertencente ao Sr. …., localizado no Município de …., aduzindo, em apertada síntese, que são senhores e legítimos possuidores de imóveis rurais distintos situados na comarca de …../MG, nas proximidades do acampamento no qual se encontram os requeridos. Afirmam que a presença de trabalhadores rurais sem terra nas proximidades de seus imóveis causa-lhes preocupação, intranqüilidade e insegurança, vez que, os requeridos cogitam invasões de terra em várias propriedades da região. Em face do exposto, pleiteiam, em sede de cognição judicial sumária e exauriente, a concessão do mandado proibitório, de modo a proibir que os requeridos ocupem as propriedades dos requerentes, sem anuência destes.
Acompanharam a inicial os documentos de fls….
Às fls……, foi acostada manifestação ministerial pugnando pelo indeferimento da petição inicial, tendo em vista que no caso vertido nesses autos não é cabível litisconsórcio ativo facultativo, tampouco seu desmembramento de ofício. Às fls…, foi acostado relatório de visita aos imóveis litigados. Manifestação ministerial à fl… ratificando o parecer de fls…
O MM. Juiz a quo, às fls….., ausente condição de ação (interesse processual), à vista da impossibilidade jurídica de litisconsórcio ativo facultativo e embora não comprovado o cumprimento da função social dos imóveis, concedeu a liminar encarecida.
Inconformado, O Ministério Público, a tempo e modo, interpõe o presente recurso, cujas razões passa a expor.

DA TEMPESTIVIDADE
O recurso é próprio e tempestivo, vez que a decisão guerreada foi prolatada em ……, sendo certo, porém, que o processo somente foi recebido por esta Promotoria Especializada em …. (fl. …), iniciando a contagem do prazo para sua interposição em ……
Ademais, a título de registro, urge salientar que o prazo para o Ministério Público, atuando como parte ou como fiscal da lei, interpor o presente recurso conta-se em dobro (art. 188 do CPC) o que, no caso em tela, equivale a 20 (vinte) dias.
Corroborando, oportuna a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª edição, Editora Revista dos Tribunais, fl. 392:
“9. Ministério Público. Quer atue como parte (CPC 81), quer como fiscal da lei (CPC 82), o MP tem sempre o prazo em dobro para recorrer. No mesmo sentido: RTJ 106/1036, 106/217)”

DA CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO AO PRESENTE RECURSO
A decisão guerreada enseja grave lesão e de difícil reparação à ordem normativa e social, vez que, o primado da lei e a idéia de Justiça foram, de plano, rejeitadas pelo ilustre magistrado a quo. Assim, a concessão do efeito suspensivo ao presente agravo torna-se medida indispensável à realização da JUSTIÇA.
Restará comprovado adiante que o magistrado de 1º grau, ao deferir a liminar, incorreu em error in procedendo vez que, não bastasse a ausência de condição de ação, nem mesmo por exegese e com fulcro no primado da economia processual, as pretensões postas em juízo viabilizam o litisconsórcio ativo facultativo, nos termos do art. 46 do Código de Processo Civil.
Ademais, o periculum in mora é visível, tendo em vista que o presente feito manifestamente tende à extinção sem julgamento de mérito, à vista da ausência de condição de ação e dos requisitos para a litigância em conjunto dos pretensos litisconsortes, o que impõe, até por uma questão de lógica jurídica, a suspensão dos efeitos da decisão objurgada, concedendo-se o necessário efeito suspensivo ao presente recurso.
Cumpre ainda destacar que a decisão guerreada é daquelas que a doutrina denomina satisfativa, embora seja em caráter liminar, de sorte que, no caso em apreço, ponderando-se os valores e princípios pertinentes, constata-se, à luz do primado da proporcionalidade, que o princípio da segurança jurídica e primazia da lei deve se sobrepor aos supostos direitos individuais dos proprietários dos imóveis, ao menos neste momento.
Até porque, mesmo que se fizessem presentes todas as condições da ação e fosse possível a litigância conjunta no caso em tela, a proteção possessória vindicada é por demais complexa, devendo ser resolvida em sede de cognição judicial exauriente e não sumária, como fez o ilustre juiz a quo.

PRELIMINARES
1- DA AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DA AÇÃO - INTERESSE PROCESSUAL
Como bem exposto pelo órgão ministerial às fls. …, tratando-se de litígio coletivo pela posse de terra rural, aos autores incumbiria demonstrar de modo individualizado que seus respectivos imóveis cumprem a função social nos termos constitucionais (art.s 5º, inciso XXIII e 186, ambos da Lei Maior). Ainda, considerando que esses autos versam sobre Interdito Proibitório, os requerentes deveriam demonstrar, cabalmente e de plano, os respectivos justos receios de turbação ou esbulho.
Isso porque, não basta a mera ilação ou o temor abstrato e não factível para configurar o justo receio, sendo fundamental, no plano da concretude, a comprovação de que a parte adversa praticou atos significativos que evidenciem a ameaça real, efetiva e inequívoca às ventiladas posses supostamente exercidas pelos demandantes sobre cada um dos imóveis isoladamente considerados.
Nessa linha, as lições doutrinária e jurisprudencial ora colacionadas:

A ação de interdito proibitório, também conhecida como ação de força iminente, ou de preceito cominatório, exige para sua acolhida, que o autor comprove, além da posse, o justo receio de moléstia à posse, justo receio que não se confunde com simples receio, decorrente da palavra vã, escrita ou falada. A ameaça deve ser atual e manifestada através de fatos significativos. (Alexandre de Paula, CPC Anotado, 7ª Edição, Editora RT, página 3.639)
Sendo o interdito proibitório medida preventiva de proteção possessória, indispensável, para sua concessão, a demonstração do justo receio, comprovando-se a prática de atos inequívocos por parte do réu, que ensejem previsão de perigo iminente de turbação ou esbulho. (Acórdão unânime da 4ª Câmara Cível do extinto TAMG, apelação nº 103.587-6, Rel Juiz Isaltino Lisboa)

Entretanto, nesses autos nada há que comprove, de forma individualizada em relação a cada um dos imóveis, nos termos constitucionais e legais, o cumprimento da função social e a existência dos alegados justos receios, razão pela qual não se tem por demonstrada a adequação e a utilidade inerentes ao interesse processual que os autores alegam possuir em relação à via eleita, no caso, o Interdito Proibitório (art. 932 do CPC).
Em sendo assim, forçoso concluir que o juiz a quo, ao conceder a liminar, embora ausente condição de ação (interesse processual), incorreu em error in procedendo, estando, pois, eivada de nulidade a decisão objurgada, pelo que, assim deve ser declarada ao mesmo tempo em que decretada a extinção do processo sem exame do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

2- DA IMPOSSIBILIDADE DO LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO
Doutro lado, os requerentes em pretenso litisconsórcio ativo facultativo, distorcendo o primado da economia processual e, com fulcro, tão-só, nos respectivos títulos de domínio, compareceram em juízo pleiteando a tutela possessória.
Ora, embora não se deva conferir extrema importância às formas, considerando que o processo não é um fim em si mesmo, mas meio de efetivação do direito material, no caso em tela, o que se percebe é um verdadeiro absurdo jurídico, uma negação total e irrestrita da lei, ocasionando tumulto processual sem igual, ao se permitir a existência de “litisconsórcio ativo facultativo” quando ausentes quaisquer das condições legais para sua constituição. Senão, vejamos: Diz o art. 46 do Código de Processo Civil:

Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I. entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II. os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;
III. entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;
IV. ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para a resposta, que recomeça da intimação da decisão.

Como se constata, a possibilidade da litigância em conjunto nos termos legais somente estará amparada quando verificadas quaisquer das situações acima elencadas. Nessas hipóteses, o litigante, embora isoladamente legitimado a pleitear a prestação jurisdicional, em consórcio com outros litigantes, deduz pretensões em juízo, caracterizando a pluralidade subjetiva da lide, ou seja, cumulação subjetiva de ações.
No que concerne às respectivas situações legais viabilizadoras do litisconsórcio ativo facultativo, importa salientar que essas devem, de plano, estar cabalmente comprovadas.
Pois bem. A comunhão de direitos e obrigações em relação a todos os litisconsortes evidencia-se em casos como a solidariedade e a co-propriedade, sendo, pois, determinada pelo próprio direito material. Nessas hipóteses, o ordenamento jurídico reclama solução uniforme para os co-titulares do direito, razão pela qual há possibilidade destes litigarem em conjunto.
Importa salientar que, certamente, o caso desses autos não caracteriza qualquer comunhão de direitos e obrigações, haja vista que são diversos imóveis e títulos de propriedade que, isoladamente, referem-se a cada um dos litisconsortes.
Por outro lado, não há como se cogitar que a presente lide funda-se no mesmo fato ou título jurídico, pois, no caso em tela, não há apenas um fato ou título jurídico, o que, evidentemente afasta, de plano, a conexão por inequívoca ausência dos requisitos insculpidos no art. 103 do CPC, notadamente quanto à causa de pedir remota (título jurídico) entre os pretensos litisconsortes.
Ademais, não houve demonstração de qualquer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito que pudesse permitir o intitulado litisconsórcio. Nesse contexto, está claro e evidente a impossibilidade de se admitir a presente demanda nos termos em que foi proposta, mesmo porque, pelas razões já expostas, não há como se possibilitar o desmembramento ex officio e conseqüente aproveitamento do pedido inicial.
Outrossim, no caso em exame, resta comprometida a própria administração da Justiça, vez que não há como sequer fixar, nos termos legais, valor da causa, custas processuais e demais emolumentos, vez que o feito refere-se a diversos imóveis, cujas situações são autônomas e plenamente distintas. Em sendo assim, forçoso concluir que o magistrado a quo concedeu a tutela liminar agindo em lamentável error in procedendo, vez que, a admissão do litisconsórcio nos moldes retratados na presente demanda não se pautou nos requisitos do art. 46 da Lei Adjetiva Civil, necessários à configuração desse instituto processual.
Destarte, não há como se negar a nulidade da decisão guerreada e, de pronto, proceder ao indeferimento da petição inicial, com a extinção do processo sem julgamento de mérito, nos exatos termos dos art.s 267, inciso I, do Código de Processo Civil.

MÉRITO
Da análise minuciosa dos autos, constata-se que os autores não comprovaram as posses dos imóveis descritos na inicial nos termos constitucionais (art. 186 da Carta Magna), fundamentando as pretensões postas em juízo em alegações de propriedade, o que, por sua vez, não é suficiente para a proteção em sede de Interdito Proibitório, pois, a posse tutelada nessa via procedimental funda-se no ius possessionis e não no ius possidendi.
Ora, acompanham a exordial os instrumentos de mandato, escrituras de compra e venda, boletins de ocorrência, certidões das matrículas dos imóveis, declarações de produtor rural referente às fazendas ….., ….., ….. (todos alusivos ao ano de …..), uma nota fiscal referente à fazenda …. ano …, cópia do contrato de comodato alusivo à fazenda ….., fichas de vacinação do IMA referentes às fazendas ….. e …..
Pois bem. Constata-se que não foram juntados aos autos os comprovantes de recolhimento dos Impostos Territoriais Rurais referentes aos imóveis, os respectivos CCIR que informariam se as citadas fazendas são ou não propriedades produtivas e tampouco documentos comprovando a inexistência de débitos tributários em relação aos imóveis.
Sendo assim, de início, impende registrar que a documentação apresentada, superficial, frágil e unilateral, não comprova o cumprimento da função sócio-econômica dos imóveis objetos da lide.
Ademais, oportuno salientar que, se efetivamente as citadas fazendas fossem produtivas, os postulantes certamente apresentariam notas fiscais alusivas ao comércio dos grãos e do leite, bem como referentes à compra de produtos para plantações, todas as fichas de vacinação do IMA atualizadas comprovando o número de cabeças de gado existentes nos respectivos imóveis, entre outros documentos.
Ainda, importa lembrar que nada há nos autos acerca dos empregados dos requerentes. Aqui, pertinente o seguinte questionamento: É possível a existência de propriedades produtivas, com plantações, produções de grãos e leite e criações de gado que não tenham empregados?
Ora, não há outra conclusão plausível senão a do descumprimento das funções sócio-econômica e trabalhista, pois, se assim não fosse, certamente os autores apresentariam não só os citados documentos que comprovariam o real aspecto econômico dos imóveis que alegam possuir, como também, as Carteiras de Trabalho e Previdência Social de seus trabalhadores e os respectivos comprovantes de recolhimento das contribuições previdenciárias.
Doutro lado, analisando detalhadamente as certidões de matrículas apresentadas, constata-se a ausência de averbação da área referente a reserva legal em algumas das referidas matrículas, o que, diga-se de passagem, é exigível de toda e qualquer propriedade rural. Outrossim, importa salientar que mesmo nos imóveis em que foi averbada a reserva legal, os requerentes não comprovaram que efetivamente observam a legislação ambiental, em especial, quanto à conservação e manutenção dessas áreas.
Ademais, não há comprovação de que as áreas de preservação permanente estão sendo preservadas nos exatos moldes do ordenamento jurídico vigente. Nesse contexto, forçoso concluir que os postulantes não comprovaram o cumprimento da função sócio-ambiental dos respectivos imóveis.
Importa salientar que, considerando as extensões dos imóveis, pelo material fotográfico juntado aos autos (fls…) não há como dimensionar o aspecto produtivo e, nem mesmo, se os proprietários respeitam as disposições ambientais, tutelando, efetivamente, as áreas de proteção.
Nesse momento, de se registrar que somente a observância da integralidade do art. 186 da Carta Magna enseja a conclusão de cumprimento da função social em seus três aspectos. Assim, ausente a comprovação do aproveitamento racional e adequado do imóvel, da utilização correta dos recursos naturais e da preservação do meio ambiente, da observância das disposições acerca das relações de trabalho e da exploração que favoreça o bem estar do proprietário e dos trabalhadores, a negativa da tutela possessória é a medida adequada.
Nesse diapasão, à vista do que consta no processado, a única constatação plausível é que, ao menos nessa fase procedimental, os requerentes não comprovaram que os imóveis litigados cumprem a função social em seus aspectos econômico, trabalhista e ambiental e, sendo assim, conforme exposto, não há como se perquirir acerca da proteção possessória vindicada.
Não é outra a lição de Jaques Távora Afonsin, em Os Conflitos Possessórios e o Judiciário – Três reducionismos Processuais de Solução – In: O Direito Agrário em Debate, obra de Dresch da Silveira, Domingos Sávio e Xavier, Flávio Santánna (org), POA, 1998. p. 280:

À função social da propriedade, enquanto dever do proprietário ou do possuidor, corresponde o direito de todos os não-proprietários, especialmente dos mais necessitados, cujo acesso ao mesmo espaço titulado nunca deixa de estar potencialmente previsto como possível, na exata medida em que a dita função deixe de ser cumprida.

Também enfatizado por Fábio Konder Comparato:

[…] o descumprimento do dever social de proprietário significa uma lesão ao direito fundamental de acesso à propriedade, reconhecido doravante pelo sistema constitucional. Nessa hipótese as garantias ligadas normalmente à propriedade, notadamente a de exclusão das pretensões possessórias de outrem, devem ser afastadas […] Quem não cumpre a função social da propriedade perde as garantias, judiciais e extrajudiciais, de proteção da posse, inerentes à propriedade, como desforço privado imediato (CC, art. 502) e as ações possessórias. A aplicação das normas do Código Civil, nunca é demais repetir, há de ser feita à luz dos mandamentos constitucionais, e não de modo cego e mecânico, sem atenção às circunstâncias de cada caso […] (Fernandes, Bernardo Mançano et al. A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: RT, 2000, p. 145 e 146).

Corroborando, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues Pereira e Luiz Edson Fachin:

Conforme já observamos, a Carta Magna atual garante o direito de propriedade, mas ao mesmo tempo, em seu art., apenas em alínea seguinte, impõe à propriedade o atendimento da sua função social, o que significa dizer que a propriedade constitucionalmente assegurada deve atender a sua função social. (art. 5º, XXIII).
Assim, disse o legislador constituinte o que não se pode desconhecer, principalmente por tratar da propriedade imobiliária rural: que essa deva atender os requisitos da função social da propriedade, quais sejam: o aproveitamento adequado e racional, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, as disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores e dos proprietários.
O capítulo destinado à Ordem Econômica e Financeira se refere à penalidade mais relevante decorrente do não cumprimento da função social: a desapropriação.
Se o não cumprimento da função social se liga à perda indenizada da propriedade (art. 184 da CF), conclui-se que não há proteção constitucional à propriedade que não cumpre referida função social, logo é defensável concluir que é incongruente com a norma constitucional conferir proteção possessória ao titular de domínio que não cumpre a função social da propriedade. É o que diz Edson Fachin:
O descumprimento da função social da propriedade não permite dar-lhe garantias outras que a Constituição não lhe defere. Logo, o modelo adotado pelo legislador constitucional de propriedade imobiliária rural protegida contra a perda indenizada, na modalidade do art. 184, é aquela que atende a todos os requisitos da função social, ficando de fora dessa moldura à propriedade que desatende um, alguns ou todos aqueles pressupostos.
Isto posto, é defensável concluir que é inconguruente com a norma constitucional e a men legis deferir proteção possessória ao titular de domínio cuja propriedade não cumpre integralmente sua função social, inclusive (e especialmente) no tocante ao requisito da exploração racional (Fernandes, Bernardo Mançano et al. A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: RT, 2000, p. 123).

Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO EFEITO ATIVO – REINTEGRAÇÃO LIMINAR DA POSSE DENEGADA EM 1º GRAU – GRANDE PROPRIEDADE INVADIDA PELO MST – NÃO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – IMÓVEL IMPRODUTIVO - DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 186 DA CF/88 – NÃO SATISFAÇÃO DOS ELEMENTOS ECONÔMICO, AMBIENTAL E SOCIAL NECESSÁRIOS AO ATENDIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL – REQUISITO PARA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA – IMPROVIMENTO.
-Não havendo o agravante comprovado tratar-se de imóvel de propriedade produtiva, tem-se que dito imóvel não cumpre sua função social na forma prevista no art. 186 da CF/88;
Com a interpretação sistemática do texto constitucional, a função social da propriedade passa a ser requisito para proteção possessória, de forma que, apenas se o imóvel atender aos requisitos previstos no art. 186 da CF/88, é que deve ter ele plena proteção na forma dos arts. 1.210 do NCC e 827 do CPC. (TAMG, Agravo de Instrumento nº 468.384-9, 5ª Câmara Civil, Rel. Juíza Hilda Teixeira da Costa, decisão de 25/11/2004)
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ÁREA RURAL – ESBULHO – OCUPAÇÃO – FAMÍLIAS – CONDIÇÕES DO IMÓVEL – DESTINAÇÃO – FUNÇÃO SOCIAL – DIREITO CONSTITUCIONAL – DESCUMPRIMENTO DE ORDENS JUDICIAIS – ART.S 926 E 927 DO CPC – REQUISITOS – COMPROVAÇÃO –PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
[…]
Com o advento da Constituição Federal de 1988, os art.s 926 e 927 do CPC não podem ser apreciados sem que seja considerada, também, a destinação social do imóvel.
[…]
(TJMG, Apelação Cível nº 470.602-3, 16ª Câmara, Rel. Otávio de Abreu Portes, decisão em 18/05/2005)
EMENTA. PROCESSO CIVI. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. CONFLITO AGRÁRIO. INTERVENÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE. PROPRIEDADE. FUNÇÃO SOCIAL. AUSÊNCIA DE PROVA. LIMINAR REVOGADA.
[…]
A tutela de urgência em ação possessória não pode ser concedida quando o autor omite-se em demonstrar que a propriedade que possui atende à função social exigida pela Constituição da República.

(TAMG- Agravo de Instrumento nº 425.429-9, Relator Alberto Vilas Boas, decisão de 25/11/2003)
[…]
V.v.: Nas demandas possessórias referentes aos conflitos agrários necessário considerar o exame da produtividade e efetiva utilização do solo, ponderando os direitos inerentes à propriedade com as garantias constitucionais à vida, ao trabalho, à moradia, ao bem estar social, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, até mesmo o direito a um mínimo de propriedade privada, se sobrelevando, ainda, os objetivos consolidados como fundamentais da República, concernentes à erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais.
Incumbe ao julgador, como intérprete da norma, adequar, em cada caso concreto, as disposições da lei infraconstitucional, material e processual, às exigências constitucionais. A interpretação sistemática constitucional da lei, em respeito ao dever social da propriedade determinado pelos art. 5º, inc. XIII e 186, da Constituição Federal, impõe ponderar o cumprimento desse dever na tutela jurídica do direito de propriedade e seus desdobramentos, dando efetividade à ordem constitucional. (TAMG, 6º Câmara Civil, Agravo de Instrumento nº 412.307-3, Rel. Dídimo Inocêncio de Paula, decisão em 25/03/2004).

Oportuna a exposição do ilustre Desembargador Alberto Vilas Boas no julgamento do Agravo de Instrumento nº 478.797-9:

A tutela de urgência em ação possessória não pode ser concedida quando o autor omite-se em demonstrar que a propriedade que possui atende à função social exigida pela Constituição da República.

Ainda, o Magistrado Federal, Welinton Militão dos Santos, titular da Vara Agrária Federal em Minas Gerais, em sentença proferida em 11/11/2004 nos autos nº 2004.38.00.038640-0, asseverou.:

[…] No julgamento das ações possessórias, o magistrado há de verificar, primeiramente, se está devidamente comprovada a posse do requerente sobre a gleba supostamente “invadida”. Isso só, contudo, não basta, data vênia. Imprescindível, pois, a comprovação de outros elementos, como, v.g., o adimplemento da função social da propriedade (art. 186, da C.R. de 05.10.88), a propósito do qual devem ser interpretados o art. 185, II da mesma Lei Fundamental e os art.s 924, 926, 928, todos do CPC.

Outrossim, sabido e notório que a prova a que se refere o art. 932 do Código de Processo Civil é a da posse e não da propriedade, visto que as ações possessórias fundamentam-se no ius possessionis e não no ius possidendi, não há como se admitir a tutela liminar quando somente a propriedade restar, de plano, comprovada.
A propósito, o tema foi objeto de conclusão do Encontro Nacional de Tribunais de Alçada realizado nesta capital em junho/1983, nos seguintes termos:

Para a concessão de liminar nas possessórias não bastam documentos relativos ao domínio, assim como não são suficientes meras declarações de terceiros, desprovidas do crivo do contraditório.

Nessa linha tem sido o entendimento de diversos tribunais do país:

A prova exclusiva do domínio não autoriza a concessão liminar de reintegração de posse, exigindo-se o processamento da justificação prévia do alegado. (Ac um da 6ª Câmara do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Agravo de Instrumento nº 7.951-6, Relator Desembargador Cruz Quintal)
É inadmissível a concessão de medida liminar inaudita altera pars, em processo de interdito proibitório, sem se promover audiência de justificação prévia da posse, louvando-se o magistrado a quo tão somente em prova documental de domínio. (Ac um da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, Agravo de Instrumento nº 2.661, Relator Desembargador Onésimo Nunes Rocha)

Por fim, à vista do exposto, conclui-se que o juiz a quo, ao conceder a liminar de interdito, nega vigência ao dispositivo constitucional (art. 186 da Carta Magna), ressaltando-se, ainda, que o equívoco e injustiça da decisão impugnada defluem, também, do fato de se tratar igualmente imóveis que atendem a sua função social e aqueles em relação aos quais seus proprietário se eximem de comprovar o cumprimento do preceito constitucional.

DOS PEDIDOS
Ante o exposto, o Ministério Público requer o CONHECIMENTO do presente recurso, bem como a CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO, e, ao final, o seu PROVIMENTO para que seja decretada a extinção do processo sem exame do mérito, nos termos do art. 267, I e VI, face à ausência de condição da ação (interesse processual) e impossibilidade do litisconsórcio ativo facultativo, via de conseqüência, declarando-se nula a decisão de fls. … e, caso superadas tais questões de natureza processual, seja reformada a decisão por contrariar o direito material aplicável.
Advogado dos agravados:

Advogados dos requeridos:

Belo Horizonte, …………………………………….

Maria Alice Alvim Costa Teixeira
Promotora de Justiça

Luís Carlos Martins Costa
Promotor de Justiça


cap10/10-2-6-5.txt · Última modificação: 2014/08/11 16:50 (edição externa)