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cap10:10-3-1

3.1.1 Considerações gerais

Nas atividades típicas da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, recomenda-se ao Promotor de Justiça, no uso estrito das atribuições e competências (atuação administrativa) que lhe foram constitucionalmente deferidas:

3.1.2 – Conceitos básicos na interpretação das normas consumeristas

Por conceitos básicos em Direito do Consumidor, deve-se entender os vocábulos e expressões de uso corrente, cujas definições devem ser de conhecimento sedimentado do Promotor de Justiça. São, em princípio, os seguintes:

3.1.3 – Norma de ordem pública

O CDC, em seu art. 1º, informa serem preceitos de ordem pública e interesse social as normas nele contidas, assim entendidas como de caráter cogente, isto é, de observância obrigatória e não derrogáveis pela vontade das partes, salvo nas hipóteses prévia e expressamente por ele permitidas. Logo, em geral, não há, na interpretação das disposições consumeristas, margem para a disposição de direitos por parte do consumidor, seja em cláusula contida em contrato de adesão ou não.

3.1.4 – Relação de consumo

Espécie de negócio jurídico cuja nota diferenciadora consiste na qualidade dos sujeitos participantes – de um lado, o consumidor e, de outro, o fornecedor – bem como na dos objetos envolvidos – produto e/ou serviço –, além de um elemento teleológico, finalístico – utilização do objeto na condição de seu destinatário final.

O seu reconhecimento visa propiciar a adoção de um microssistema jurídico próprio – Direito do Consumidor –, com princípios e normas derrogadoras do direito privado clássico (Direito Civil) e do denominado Direito Comercial (modernamente conhecido também por Direito Empresarial1)).

3.1.5 – Consumidor

Segundo a doutrina, o conceito de consumidor, tal como exposto no CDC, decorre da leitura de três arts. – 2º, 17 e 29 –, assim dispostos em uma escala de concretude e visibilidade.

Na definição do art. 2º, o consumidor é o próprio participante do negócio jurídico de consumo entabulado com o fornecedor. É, pois, denominado consumidor real, visto que diretamente adquire ou utiliza o bem (produto ou serviço) como destinatário final – trata-se, desse modo, da figura do consumidor, por excelência.

O parágrafo único do art. 2º também reconhece como consumidor, toda “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

Já no art. 17, é reconhecida a figura da vítima de acidente de consumo, denominado fato do produto ou do serviço, que, por força de disposição específica de lei2) é equiparada, para efeitos de declaração e proteção de direitos, a consumidor.

Por fim, no art. 29 também se vislumbra hipótese legal de equiparação de consumidor, na medida em que o CDC, em plano mais amplo e com vistas à tutela coletiva, considera consumidores todas as pessoas expostas às práticas previstas nos seus Capítulos V e VII.3)

3.1.6 – Vulnerabilidade

É a especial situação de inferioridade material, na qual se encontra o consumidor. Decorre da constatação de que o consumidor, no mundo contemporâneo, não dispõe do controle e da ciência dos bens de produção, submetendo-se, por conseguinte, ao poder dos titulares desses mesmos bens.

Consiste, em verdade, na própria espinha dorsal do microssistema de Direito do Consumidor, justificando, no plano normativo, a necessidade de tutela especial para o equilíbrio das relações jurídicas resultantes do fenômeno de consumo.4) É princípio reitor, expresso no CDC, art. 4, I.

Tem seu conceito legal definido no art. 3º do CDC. Trata-se, pois, de pessoa física ou jurídica que, com habitualidade, desenvolve as atividades “de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.5)

À margem dessa definição, regulam-se pelo Direito Civil ou Comercial as relações jurídicas referentes àquelas atividades, as quais ocorrem, no entanto, esporadicamente, sem habitualidade, ou quando não reconhecem, no pólo oposto, a existência de um consumidor.

As pessoas públicas e privadas prestadoras de serviço público são consideradas, nos termos do CDC, fornecedoras, bem como as instituições financeiras.6)

3.1.7 – Produto

É qualquer bem, ou coisa, móvel ou imóvel, material ou imaterial, resultante da atividade produtiva do fornecedor no mercado de consumo. Sua aquisição e/ou utilização pode ocorrer a título gratuito ou oneroso.

3.1.8 – Produto durável e produto não durável

As noções de produto durável e produto não durável são de grande importância para o estudo do direito consumerista, uma vez que definem regramentos distintos para o exercício do direito de reclamar e seus respectivos prazos decadenciais.7)

Produto durável é o bem, ou coisa, que resiste a muitos usos, sem que, com isso, a sua destruição ou deterioração se dê de imediato.

Produto não durável é o bem, ou coisa, cujo uso, em uma ou em reduzidas ocasiões, importa sua destruição ou deterioração.8)

3.1.9 – Serviços

O conceito legal de serviço9) (CDC, art. 3º, § 2º) é meramente exemplificativo. Somente se caracteriza pela modalidade onerosa, seja o ônus financeiro direto ou indireto.10)

O pagamento de espécies tributárias vinculadas diretamente à contraprestação de serviços públicos, tal como ocorre com as taxas e as contribuições de melhoria, foge ao espectro de atuação do direito consumerista, na medida em que é regulado pelo Direito Tributário. A seu turno, incide o CDC e as demais normas consumeristas sobre os serviços públicos remunerados via tarifa, sejam eles prestados pelo próprio poder público (por sua administração pública Direta ou Indireta), bem como por particulares, mediante os instrumentos de concessão e permissão de serviços públicos.11)

3.1.10 – Fato do produto/serviço

Entende-se por fato do produto e do serviço o acidente de consumo, fato jurídico do qual decorrer lesão real à vida, saúde e segurança dos consumidores.

É causado por defeitos dos produtos e serviços12) postos à disposição dos consumidores e gera, para seus fornecedores, o dever de indenizar, sem a necessidade de caracterização de culpa (responsabilidade objetiva), em virtude de adoção da teoria do risco criado.

Entretanto, os profissionais liberais não se submetem à responsabilidade objetiva, nos precisos termos do art. 14, § 4º, do CDC.

3.1.11 – Vício do produto

Conforme dispõem os arts. 18 e 19 do CDC, vício do produto é uma anomalia, não causadora de lesão decorrente de acidente de consumo (fato do produto e do serviço), que afeta a funcionalidade, o rendimento do produto e do serviço, nos aspectos qualitativo ou quantitativo, de modo a tornar-lhes impróprios ao uso e consumo, bem como aquele que importa em diminuição do valor do bem, e, ainda, o decorrente de divergências entre o conteúdo e as indicações sobre ele constantes do recipiente, rótulo, embalagem ou mensagem publicitária.

Sua caracterização gera, para o fornecedor, o dever de sanar o vício, seja substituindo-se as partes viciadas13), complementando-se a quantidade faltante, ou desfazendo-se a relação de consumo, a critério do consumidor, observadas as condicionantes legais.

Todos os integrantes da cadeia de fornecimento (fabricante, atacadista, varejista, revendedor, etc.) têm responsabilidade própria e solidária para a sanação dos vícios do produto.14)

3.1.12 – Vício do serviço

Anomalia incidente sobre os serviços, relativa a seus aspectos qualitativos ou decorrentes da disparidade com as indicações da oferta ou da mensagem publicitária.

Sob o prisma qualitativo, o vício do produto será gerador de inadequação aos fins razoavelmente esperados, de diminuição de valor ou, ainda, poderá decorrer do não-atendimento de normas (legais, infralegais, técnicas, etc.) regulamentares de prestabilidade, quando, então, será considerado, pela lei, como impróprio.15)

Caberá ao fornecedor dos serviços a sanação do vício com a reexecução deles, quando possível; a restituição imediata da quantia desembolsada, sem prejuízo de perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço, segundo opção do consumidor.16)

3.1.13 – Nota técnica

Entendimento técnico-jurídico do órgão de defesa do consumidor, esposado por integrantes de sua Secretaria-Executiva (coordenadores de área), sobre matéria relevante, sem, contudo, apresentar força coercitiva. Nesse aspecto, equipara-se à doutrina, tendo por objetivo externar e divulgar conhecimento e posturas de ação, para o próprio órgão consumerista, bem como para os demais integrantes dos Sistemas de Defesa do Consumidor.17) Não tem, contudo, caráter vinculativo para o fornecedor.

3.1.14 – Fundo estadual de proteção e defesa do consumidor (FEPDC)

Criado pela Lei Complementar Estadual nº 66, de 22 de janeiro de 2003, diz respeito ao fundo para o qual deverão ser revertidos os valores resultantes de termos de ajustamento de conduta, termos de acordo e condenações pecuniárias, administrativas e judiciais, das ações movidas pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.18)19)20) Destina-se ao cumprimento das metas e objetivos da Política Estadual de Relações de Consumo, entre os quais, podem ser relacionadas a recuperação de bens, a promoção de eventos educativos e científicos e a edição de material informativo, bem como a modernização administrativa dos órgãos públicos integrantes do Sistema Estadual de Defesa do Consumidor (SEDC).

Consiste na principal fonte de recursos para o desenvolvimento de ações e projetos tendentes à proteção e defesa do consumidor no âmbito do Estado de Minas Gerais.

3.1.15 – Conselho gestor do FEPDC

Também criado pela Lei Complementar Estadual nº 66/2003, o Conselho Gestor do Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor tem a função de gerir os recursos do fundo e deliberar acerca da destinação deles, em atenção aos objetivos da Política Estadual de Relações de Consumo.

Tem composição heterogênea,21) competindo-lhe ainda aprovar o plano de aplicação dos recursos e acompanhar sua execução, elaborar o cronograma financeiro de receita e despesa do FEPDC, elaborar a proposta orçamentária do FEPDC, definir a aplicação das disponibilidades transitórias de caixa do FEPDC, zelar pela aplicação dos recursos na consecução dos objetivos previstos na Lei n° 8.078/90, aprovar o orçamento operacional de custeio das atividades do PROCON-MG, aprovar e firmar convênios e contratos objetivando atender ao disposto no inciso VI deste artigo, examinar e aprovar projetos de reconstituição de bens lesados, inclusive os de caráter científico e de pesquisa, promover, por meio de órgãos da administração pública e de entidades civis interessadas, eventos educativos e científicos, fazer editar, diretamente ou em colaboração com órgãos oficiais, material informativo sobre a matéria mencionada no art. 2º, promover atividades e eventos que contribuam para a difusão da cultura de proteção do consumidor, examinar e aprovar projetos de modernização administrativa de órgãos públicos voltados para a proteção do consumidor.

O Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor poderá propor ao CGFEPDC o custeio, com recursos do FEPDC, de projetos e ações, no âmbito da comarca, com vistas a educar, orientar e defender os consumidores, bem como para a prevenir e reparar danos oriundos da relação de consumo.22)

1)
Em consideração à tradição, reputamos conveniente a adoção da nomenclatura Direito Comercial, em detrimento da novel expressão Direito Empresarial.
2)
“Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”
3)
Trata-se, pois, de uma espécie de conceito difuso de consumidor, tendo em vista que a ele se ajustam todas as pessoas pelo simples fato de se encontrarem potencialmente expostas às práticas descritas na lei.
4)
João Batista de Almeida identifica, no texto da Resolução ONU nº 29/248, que o denominado “desequilíbrio” do consumidor, em termos econômicos, educacionais (conhecimento técnico e científico) e de poder aquisitivo, guarda identidade com a noção de vulnerabilidade.
5)
Fornecedor é gênero, enquanto fabricante, produtor, construtor, importador, etc. são espécies. O CDC, ao se reportar ao fornecedor, o faz de forma genérica e indistinta. Ao contrário, quando quer designar o ente específico, utiliza-se de termo designativo particular e especializante.
6)
A partir da ADI nº 2591-1, o STF pôs fim à discussão sobre a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras, considerando-as sujeitas ao direito consumerista.
7)
CDC, art. 26.
8)
onforme doutrina de Rizzatto Nunes, há de se reconhecer, na definição de produtos duráveis e não duráveis, certa similitude conceitual com a idéia, corrente entre os civilistas, de bens consumíveis e não consumíveis.
9)
“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
10)
O ônus financeiro indireto ocorre, por exemplo, nos casos de estacionamentos gratuitos de shopping centers, onde indubitavelmente os custos do referido serviço estão diluídos nos demais produtos e serviços postos à disposição dos consumidores – internalização dos custos da teoria do risco, na modalidade risco-proveito.
11)
CDC, art. 22 e seu parágrafo único.
12)
Nesse sentido, o fato do produto/serviço é entendido como acontecimento externo ao produto e serviço, geralmente (mas não necessariamente) decorrente de vício do produto/serviço. Inconfundíveis, pois, as noções de fato e vício do produto ou do serviço.
13)
Conforme dispõe o § 3º do art. 18, caso a reparação do produto venha a acarretar-lhe perda de valor, ou quando tratar-se de produto essencial, poderá o consumidor exigir, de imediato, uma das medidas previstas nos incisos I a III do § 1º do referido art..
14)
Na hipótese do art. 19, § 2º, somente o fornecedor imediato será responsável pela sanação do vício, rompendo-se, assim, a regra geral que dispunha acerca da solidariedade dos fornecedores.
15)
CDC, art. 20, § 2º.
16)
CDC, art. 20, I a III.
18)
LCE nº 66/2003: “Art. 1º – Ficam criados, na estrutura organizacional do Ministério Público, o Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (FEPDC), previsto na Lei Federal n° 8.078, de 11 de setembro de 1990.”
19)
Trata-se de norma imperativa, a que dispõe acerca da destinação das multas aplicadas em decorrência de lesão ou ameaça de lesão a direitos consumeristas (CDC, art. 57, caput e 100, parágrafo único), sobre condenações administrativas e judiciais. A respeito das condenações judiciais, cujo autor originário seja o Ministério Público, observar que, reverterão para o FEPDC as condenações pecuniárias resultantes de dano moral coletivo, bem como a execução de condenação nas ações coletivas de consumo pelo saldo do fluid recovery (CDC, art. 100, caput).
20)
Vale ressaltar que, dado o caráter público do FEPDC, a utilização ou destinação indevidas ou em desacordo com as disposições legais em comento, em especial as Leis Federais nº 7.347/85 e nº 8.078/90 e Leis Complementares Estaduais nº 34/94, nº 61/2001 e nº 66/2003, pode ensejar a responsabilização funcional e pessoal do Promotor de Justiça – (Vide Ato CGMP nº 1, de 12 de fevereiro de 2008, art. 100-A).
21)
O CGFEPDC é composto por três membros indicados pelo Procurador-Geral de Justiça, pelo Secretário-Executivo do PROCON-MG, por um Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, por um representante da OAB-MG, e por três membros indicados por entidades de defesa do consumidor integrantes do SEDC.
22)
Observar, nesse particular, as exigências de ordem formal e material para a formalização da proposta de projeto a ser custeado pelo FEPDC. Nesse sentido, recomenda-se a leitura das deliberações e resoluções relativas ao FEPDC, disponíveis no site http://www.mp.mg.gov.br/procon, ou mesmo, um contato do Promotor de Justiça com a Secretaria-Executiva do PROCON-MG.
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