O direito da infância e juventude, assim como qualquer outro ramo jurídico, contém princípios próprios, alicerces de todo o sistema. Nos dizeres de Cretella Júnior,
“[…] princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes”1).
A inobservância de qualquer um deles importará em atuação ilegal.
Na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente ou de qualquer outro dispositivo do sistema, a interpretação do comando oriundo da norma deve se aproximar ao máximo do princípio basilar. O mesmo vale para casos de aparente contradição, como ocorreu na edição da Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, que alterou artigos do Estatuto e ficou conhecida nos meios de comunicação como Nova Lei de Adoção. Aparentemente, essa alteração ensejou dois comandos antagônicos que requerem do intérprete uma manobra para evitar contradições, o que é possível evocando-se um dos princípios presentes no Estatuto.
O art. 136 da Lei nº 8.069/90 atesta que o Conselheiro Tutelar tem a atribuição de aplicar as medidas de proteção arroladas no art. 101 dos incs. I a VII, e este último inciso abarca a possibilidade de o Conselheiro aplicar a medida do “acolhimento institucional”, expressão que substitui o termo “abrigo”2). Porém, no § 2º do mesmo art. 101, o Estatuto estabelece que
“o afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária”3).
É óbvio que, ao colocar a criança numa unidade de acolhimento, com base no inc. VII do art. 101, o Conselheiro Tutelar a está afastando do convívio familiar, o que lhe é vedado pelo § 2º do mesmo dispositivo.
Está-se diante de um aparente conflito, e já começam a aparecer posições nos dois sentidos: de que só o juiz pode decidir pela colocação em unidade de acolhimento, pois isso não deixa de ser uma forma de afastamento do convívio familiar; e de que o conselheiro pode, sim, colocar a criança em tais instituições. Para solucionar essa possível contradição, deve-se atentar para os princípios basilares do Estatuto, e um deles parece ser bem esclarecedor: o do melhor interesse para a criança. O sistema de garantias deve assegurar a prevalência de tal interesse.
Parte-se do pressuposto de que o melhor para a criança é permanecer junto à família natural, e ser dela afastada somente em situação de risco (art. 98 do ECA). A convivência familiar é a regra básica. A retirada é excepcional e deverá ser feita por autoridade judicial. Entretanto, considerando o princípio do melhor interesse, a criança ou o adolescente pode ser afastado pelo Conselheiro se seu direito estiver sendo violado, de maneira que a espera da decisão judicial poderia lhe ser prejudicial.
Por fim, é preciso destacar que o compromisso do Promotor de Justiça da Infância e Juventude é para com a proteção dos interesses de crianças e adolescentes, e não dos pais. Ele deve defendê-los a despeito dos anseios parentais, do Estado e da sociedade, em caso de conflito. O bem maior, nesse contexto, é o bem-estar dessa faixa etária.