Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


cap10:10-4-3

4.3. Peculiaridades da atuação na área


O Promotor de Justiça desta área atua na seara civil e infracional, no extra e no judicial. Defende direitos individuais, coletivos e difusos, e deve participar das discussões dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), nos termos do art. 122 e do parágrafo único da Consolidação dos Atos Normativos da Corregedoria-Geral do Ministério Público de Minas Gerais (ATO CGMP nº 1, de 19 de fevereiro de 2010, que aprova a revisão e a atualização da Consolidação dos Atos Normativos e Orientadores expedidos pela Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Minas Gerais)1).

A participação do Promotor de Justiça em reuniões dos CMDCAs é de extrema importância. Primeiro, porque pode ter o condão de fazer com que os Conselheiros de fato compareçam, o que, em muitos municípios, já é um feito. Segundo, porque pode fomentar discussões pertinentes e detectar as necessidades locais, nos moldes da demanda que se apresenta na Promotoria de Justiça, propiciando a discussão de ações que possam sanar as deficiências dos serviços públicos municipais.

O Promotor de Justiça da Infância e da Juventude não pode se limitar a trabalhar de portas fechadas, ao contrário; deve estar em sintonia com as discussões recorrentes na sociedade local e manter diálogo com o Poder Legislativo e os Conselhos Tutelar e de Direitos, sob pena de as decisões judiciais às quais se dedica não terem aplicabilidade prática. De que adianta o Promotor de Justiça ajuizar ação de extinção do poder familiar se, depois de extinto, não há unidade de acolhimento ou programa para atender a criança que foi afastada dos pais? De que adianta ajuizar a representação e diligenciar com o fito de que o adolescente receba a medida socioeducativa de meio aberto se ela não é oferecida no município?

Tais serviços - acolhimento institucional, oferecimento de medidas socioeducativas e tantos outros – poderiam ser exigidos do Poder Executivo mediante o ajuizamento de ações civis públicas. Entretanto, mesmo após quase 25 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente, bater às portas do Judiciário não se mostrou tão eficaz para combater a omissão dos gestores. Há aí não só a questão de se querer evitar o enfrentamento político com o gestor, mas também a lentidão da decisão diante dos efeitos suspensivos dos recursos manejados. A resposta que deveria ser célere torna-se pouco útil para a pessoa em desenvolvimento e em situação de risco.

As ações cominatórias, de obrigação de fazer, são amplamente utilizadas na área da infância, frente à habitual ausência de políticas públicas de universalização do acesso a direitos fundamentais por crianças e adolescentes. Porém, o descumprimento da decisão que antecipa a tutela é recorrente em Minas Gerais, e o sistema de Justiça se questiona sobre como proceder nesse caso. Convenhamos que, neste ponto, a lei deveria ser melhor. Como lidar eficazmente com o gestor que, mesmo diante de decisão judicial, mantém-se estagnado e descumpre a ordem de criar condições para o exercício do direito do infante? Esta questão pertinente ainda não foi superada, dificultando ao Parquet dar respostas efetivas no manejo de ações coletivas.

A alegação anterior de que a lei poderia ser melhor se baseia no art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85):

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
[…].
§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

Embora a multa seja devida desde o momento do descumprimento, para ser exigível é preciso que a decisão tenha transitado em julgado. Cabe perguntar qual decisão: a interlocutória, que antecipou a tutela, ou a final? Ao comentar o referido dispositivo, Nery Júnior e Andrade Nery asseveram que

“[…] a multa é devida desde o descumprimento da liminar, mas exigível somente após o trânsito em julgado da sentença de procedência do pedido”2).

Tal entendimento vinha sendo adotado também pela Jurisprudência. Em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo, o Tribunal de Justiça daquele Estado já havia encampado decisão neste sentido (j.10.08.1990, Rel. Des. Walter Moraes, v.u., RTJESP n.128/383).

Sendo assim, o intervalo entre o descumprimento e a exigibilidade da multa, infinitamente prorrogável por meio da interposição de recursos, poderia dissuadir o chefe do Executivo de cumprir a decisão judicial, até porque ele talvez nem esteja mais no cargo quando do trânsito em julgado. Mas, felizmente, esse entendimento vem sendo alterado. Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a decisão interlocutória que fixa a multa já é título executivo para a execução definitiva, sendo desnecessário aguardar o trânsito em julgado da sentença.

A irresignação recursal consiste em saber da possibilidade de execução definitiva da multa diária (astreintes) fixada em decisão liminar nos autos de ação popular contra prefeito ajuizada para remoção de placas com símbolo de campanha instaladas em obras públicas. Segundo observa o Min. Relator, a tutela antecipada efetiva-se via execução provisória, que agora se processa como definitiva (art. 475-O, do CPC), além de que a jurisprudência deste Superior Tribunal, em situações análogas, já assentou que a decisão interlocutória que fixa multa diária por descumprimento de obrigação de fazer é título executivo hábil para a execução definitiva. Sendo assim, a execução de multa diária (astreintes) por descumprimento de obrigação fixada em liminar concedida em ação popular pode ser realizada nos próprios autos, conseqüentemente não carece de trânsito em julgado da sentença final condenatória. Ademais, quanto à questão de deserção do REsp por ausência de pagamento das custas de remessa e retorno, trata-se de recurso interposto por autor popular que goza do benefício da isenção (art. 5º, LXXIII, da CF/88). Nesse contexto, a Turma deu provimento ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag nº 1.040.411-RS, DJe 19/12/2008; Resp nº 1.067.211/RS, DJe 23/10/2008; Resp nº 973.647/RS, DJ 29/10/2007; REsp nº 689.038-RJ, DJ 03/08/2007; REsp nº 869.106/RS, DJ 30/11/2006, e REsp nº 885.737/SE, DJ 12/04/2007. REsp nº 1.098.028/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 09/02/2010.

Outras questões de cunho processual permeiam o campo das ações coletivas. Por exemplo: a multa deve ser paga com recursos do próprio prefeito, que foi omisso, ou do Município, já onerado por ter um gestor omisso? Aparentemente, esta questão permanece em aberto. Também a ideia de responsabilizar o gestor penalmente pelo descumprimento da decisão judicial, pelo entendimento jurisprudencial em vigor, não parece possível.

O entendimento prevalente é de que, frente a existência da sanção civil imposta em razão do descumprimento (astreintes), seria um bis in idem responsabilizá-lo também criminalmente.

HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COM PREVISÃO DE MULTA DIÁRIA PELO SEU EVENTUAL DESCUMPRIMENTO.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM CONCEDIDA. 1.Consoante firme jurisprudência desta Corte, para a configuração do delito de desobediência de ordem judicial é indispensável que inexista a previsão de sanção de natureza civil, processual civil ou administrativa, salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação. 2. Se a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança, cujo descumprimento justificou o oferecimento da denúncia, previu multa diária pelo seu descumprimento, não há que se falar em crime, merecendo ser trancada a Ação Penal, por atipicidade da conduta. Precedentes do STJ. 3.Parecer do MPU pela denegação da ordem. 4.Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal 1000.6004. 2056, ajuizada contra o paciente. STJ. HABEAS CORPUS nº 2007/0244468-6. Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 18.12.2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 25/02/2008. p. 352.

Tais ações serão sempre instrumentos valiosos para que se possa tutelar o direito de crianças e adolescentes, mas essa estratégia não basta. A atuação do Promotor nos Conselhos é imprescindível exatamente por instar os Conselheiros a conhecerem a realidade local, a deliberarem sobre a política a ser adotada e a diligenciarem para garantir recursos orçamentários suficientes para os serviços previstos em suas Resoluções. Outra importante estratégia de atuação é monitorar o gasto de recursos públicos e investigar se o gestor local respeita o princípio da prioridade absoluta.



1)
“Art. 122. Recomenda-se a permanente participação dos órgãos de execução com atribuições na defesa dos direitos da infância e juventude nas reuniões – ordinárias e extraordinárias – dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente dos municípios que integram a comarca, sem embargo do exercício da contínua fiscalização dos trabalhos de tais conselhos, cobrando-se a efetiva formulação de políticas de atendimento à criança e ao adolescente, estabelecendo-se o rol de prioridades a serem enfrentadas no âmbito municipal e a elaboração de projetos que viabilizem a adoção de medidas de prevenção, proteção especial e socioeducativas, nos moldes previstos nos arts. 101, 129 e 112 (notadamente em seus incisos III e IV) da Lei n.º 8.069, de 1990.
Parágrafo único. Orienta-se no sentido da manutenção, em arquivo próprio da Promotoria de Justiça, de cópias de todas as atas de reuniões dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente dos municípios que integram a comarca – consignando a presença e a participação do membro ministerial – bem como de documentos outros relacionados ao seu funcionamento, para fins de controle e acompanhamento, passando tal acervo a integrar o rol de dados aferíveis por ocasião da realização de correições ordinárias (arts. 204, II, e 227, § 7º, da Constituição Federal; art. 17, IV, da Lei n.º 8.625, de 1993; art. 39, VII, da Lei Complementar Estadual n.º 34, de 1994; art. 88, I, da Lei n.º 8.069, de 1990).”
2)
NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
cap10/10-4-3.txt · Última modificação: 2014/09/03 16:49 (edição externa)