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cap10:10-4-5-1-1

4.5.5.1.1. Direito à convivência familiar e comunitária


Ao se encontrar criança ou adolescente em situação de risco, aplicam-se as medidas de proteção mais apropriadas à circunstância. O Ministério Público não aplica medida de proteção. Esse papel cabe ao Conselho Tutelar, que pode inclusive divergir da solicitação ministerial e deixar de aplicá-la. Nesse caso, o Parquet poderá representar à autoridade judicial para que imponha a medida de proteção1).

A regra geral é que a aplicação das medidas de proteção seja feita pelo Conselheiro Tutelar. Contudo, as reformas feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei nº 12.010/09 levaram à mudança no sistema de aplicação da medida de abrigo, que foi renomeada de acolhimento institucional.

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - abrigo em entidade;

VIII - colocação em família substituta.

Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 1º O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 2º Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa.(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 3º Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará, dentre outros: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).

I - sua identificação e a qualificação completa de seus pais ou de seu responsável, se conhecidos; (incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

II - o endereço de residência dos pais ou do responsável, com pontos de referência; (incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados em tê-los sob sua guarda; (incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao convívio familiar. (incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 4º Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família substituta, observadas as regras e princípios desta Lei. (incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)[…]”.

A finalidade da reforma foi tornar mais criteriosa a opção pela medida de abrigo. Essa preocupação já se fazia notar no plano nacional de promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, editado pelo CONANDA em 2006. Antes da elaboração do plano, o CONANDA solicitou ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) uma pesquisa sobre a condição dos abrigos no Brasil. As descobertas revelaram que a medida de abrigo, que era excepcional, estava sendo usada indiscriminadamente, afrontando o direito subjetivo à convivência familiar e comunitária. Conforme o referido plano:

“O Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC 67 do Ministério do Desenvolvimento Social realizado pelo IPEA/CONANDA mostrou que a institucionalização se mantém, ainda nos dias atuais, como caminho utilizado indiscriminadamente – e, muitas vezes, considerado o único possível – para a ‘proteção’ da infância e da adolescência, demonstrando que o princípio da excepcionalidade da medida de abrigo, contemplado de maneira expressa pelo art. 101, parágrafo único, do ECA, não vem sendo respeitado.
[…]
Contrariando o senso comum que imaginava serem órfãos as crianças e adolescentes que vivem nos abrigos, o Levantamento Nacional também mostrou que a grande maioria deles (86,7%) tem família, sendo que 58,2% mantêm vínculos com os familiares. Apenas 5,8% estão impedidos judicialmente desse contato com eles e somente 5% são órfãos. Essas crianças e adolescentes vivem, portanto, a paradoxal situação de estar juridicamente vinculados a uma família que, na prática, já há algum tempo não exerce a responsabilidade de cuidar deles, principalmente por motivos relacionados à pobreza.
Embora a carência de recursos materiais, de acordo com o ECA, (art.23, caput), não constitua motivo para a perda ou suspensão do poder familiar, o Levantamento Nacional identificou que as causas que motivaram o abrigamento da expressiva parcela das crianças e adolescentes encontradas nas instituições de abrigos estavam relacionadas à pobreza, consequência da falha ou inexistência das políticas complementares de apoio aos que delas necessitam. Entre os principais motivos: a pobreza das famílias (24, 2%), o abandono (18,9%), a violência doméstica (11,7%), a dependência química dos pais ou dos responsáveis, incluindo, alcoolismo (11,4%), a vivência de rua (7,0%) e a orfandade (5,2%).
Se de um lado tem havido por parte das autoridades competentes – Conselho Tutelar e Judiciário – uma aplicação indiscriminada da medida de abrigo, de outro lado, a saída do abrigo permanece sendo um desafio. O Levantamento Nacional apontou que o princípio da brevidade da medida do abrigo, estabelecido pelo art. 101, parágrafo único, do ECA, também não vem sendo cumprido, uma vez que mais da metade das crianças e dos adolescentes abrigados viviam nas instituições há mais de dois anos, enquanto 32,9% estavam nos abrigos por um período entre dois e cinco anos, 13,3%, entre seis e dez anos, e 6,4%, por mais de dez anos.
Em relação à possibilidade de adoção a situação também é dramática, uma vez que dentre as crianças e adolescentes abrigadas nas instituições pesquisadas, apenas 10,7% estavam judicialmente em condições de serem encaminhados para a adoção. Além disso, apenas metade desses meninos e meninas (54%) abrigados tinha processo judicial. A outra metade, por certo, lá estava sem o conhecimento do Judiciário, já que muitas crianças e adolescentes foram encaminhadas aos abrigos pelas próprias famílias (11,1%), pela polícia (5,5%), dentre outras instituições que, judicialmente, não teriam tal prerrogativa”2).

Por esse motivo, a sistemática de acolhimento que previa igualdade entre o Conselheiro Tutelar e o Juiz para determinar medidas foi alterada. O acolhimento passou a ser determinado pelo Juiz, seguido o trâmite inserto na lei (com a expedição de guia para que o infante não fique perdido na rede de atendimento e na instauração do processo). Essa mudança diminui sensivelmente a chance de se ter crianças e adolescentes em unidades de acolhimento sem o acompanhamento do sistema de Justiça e sem processo judicial instaurado. Excepcionalmente, o Conselheiro Tutelar poderá determinar o acolhimento em caso de violência ou abuso sexual do qual a criança ou o adolescente sejam vítimas.


1)
Embora sejam comuns, é possível cogitar a ilegalidade dos chamados “pedidos de providência”, que podem ser entendidos como resquício do famigerado Código de Menores, segundo o qual era autorizado ao Juiz de Menores ser chamado ainda que administrativamente para resolver “problemas” envolvendo tal faixa etária, não se observando o devido processo legal, tampouco a ampla defesa e o contraditório. Ora, a sistemática trazida pela Lei nº 8.069/90 é totalmente diversa e não prevê a possibilidade de tal remédio. Pode-se até cogitar que se trataria de instituto de jurisdição voluntária, disciplinado pelo Código de Processo Civil. No entanto, este entendimento, data vênia, não merece prosperar. Primeiro porque os procedimentos de jurisdição voluntária são os enumerados taxativamente em lei, segundo Nelson Nery Junior. Segundo, porque não existe nada mais litigioso do que a aplicação da medida de acolhimento, sobre a qual os pais devem ter a oportunidade de se manifestar dentro do princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
2)
BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Brasília, 2006.
cap10/10-4-5-1-1.txt · Última modificação: 2014/09/12 14:10 (edição externa)