Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


cap10:10-4-5-2

Essa é uma revisão anterior do documento!


4.5.5.2. A ação penal diante dos crimes cometidos contra crianças e adolescentes


O Ministério Público é o único titular da ação penal pública, por força do art. 129, inc. I, da Constituição Federal. É função do Promotor de Justiça que atua na Vara da Infância e Juventude ingressar com a Ação Penal decorrente da prática de crimes contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, assim definidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 228 a 244).

A problemática da violência contra a criança e o adolescente parece estar longe de ser solucionada. No início de 2008, o Ministério da Justiça lançou o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros1), revelando a triste notícia do aumento de mortes violentas de jovens em 31,1% de 1996 a 2006.

No ordenamento jurídico brasileiro, é bastante comum a criação de tipos penais por meio da legislação extravagante. Nessa linha, a Lei nº 8.069/90 introduziu novos tipos penais, todos ligados por uma mesma característica: a vítima criança ou adolescente.

Os crimes indicados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos de seu art. 225, não importam em prejuízo ao disposto da legislação penal. Nesse aspecto, as ressalvas formuladas por Tavares merecem destaque:

“a parte final (do Estatuto) que diz: sem prejuízo ao disposto na legislação penal, não quer dizer a superposição de normas e penas, o bis in idem dos criminalistas, pois seria subversão aos princípios de que ninguém será punido mais de uma vez pela mesma infração”2).

Na realidade, por não prejuízo à legislação penal, entende-se que permanecem válidos os tipos penais praticados contra a criança e o adolescente constantes no Código Penal, ou seja, apesar de não constar do rol de crimes estabelecidos pelo Estatuto, o abandono de incapaz (art. 133 do CP), a omissão de socorro à criança abandonada ou “extraviada” (art. 135 do CP) e os maus-tratos (art. 136 do CP), por exemplo, permanecem como condutas típicas, mesmo que não reiterados pela norma estatutária.

Aplicam-se aos crimes definidos no Estatuto as disposições da Parte Geral do Código Penal, e seu processamento se dará nos termos do Código de Processo Penal (art. 226 do ECA), sempre por meio da ação penal pública incondicionada (art. 227 do ECA).

Nesse ponto, um interessante conflito doutrinário merece ser abordado. O art. 227 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispôs que os tipos penais indicados naquela lei seriam processados por meio da ação penal pública; assim, a leitura isolada do dispositivo leva o leitor à conclusão seguinte: os crimes praticados contra a criança não listados pelo Estatuto serão processados de acordo com a lei que o estabeleceu.

Antes de vigorar a Lei nº 12.015/2009, em 10 de agosto de 2009, alterando parcialmente o Código Penal e a Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), a ação penal relativa aos crimes de estupro (art. 213 do CP), atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), assédio sexual (art. 216-A do CP) e corrupção de menores (art. 217 do CP), praticados contra a criança ou o adolescente era a penal privada, nos termos do artigo 225 do aludido estatuto repressivo3).

A ação penal pública seria permitida apenas nas hipóteses estabelecidas pelo § 1º:

“I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo sem se privar de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família; ou
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio-poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador”.

Para a hipótese do inc. I, todavia, haveria necessidade de prévia representação da vítima.

Caso a vítima não fosse pobre e o crime tivesse ocorrido sem abuso do poder familiar ou seu equivalente, ou, ainda, apesar de pobre, não tivesse oferecido representação, a lei não admitia ao Promotor de Justiça oferecer a denúncia pertinente.

A despeito de tais dispositivos, o entendimento era o de que, mesmo que os pais ou responsável deixassem de exercer o direito à representação, a ação seria pública incondicionada, pois permitir que se deixasse de responsabilizar o autor de crime de natureza sexual contra criança ou adolescente, em virtude de ausência de representação, seria afrontar os princípios inscritos na Constituição Federal (art. 227, § 4º), uma vez que seria facultado sonegar-lhes proteção, dignidade e respeito 4).

Ademais, o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente impôs que:

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

Contudo, na introdução da Lei nº 12.015, o parágrafo único do art. 225 passou a estabelecer que a ação penal é incondicionada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, no caso de crimes tais. Tanto pelo regra atual quanto pela anterior, a ação penal para os crimes citados é de ação pública incondicionada, se cometidos contra menores de 18 (dezoito) anos.


2)
TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 219.
3)
O legislador reservou a ação penal privada aos crimes contra a liberdade sexual por acreditar que o interesse da vítima deveria sobrepor-se ao da coletividade, deixando ao seu encargo a decisão de processar ou não seu agressor. Os defensores deste ponto de vista acreditam que o ofendido, ao levar a questão, contra sua vontade, aos tribunais e ao conhecimento público, ficaria tão constrangido a ponto de “o mal da lei ser maior que o mal do crime” (PIAZZA, Vânia Cella. A ação penal nos crimes praticados contra a criança e o adolescente. In: VERONESE, Josiane Rose Petry (Org.). Violência e exploração sexual infanto-juvenil: crimes contra a humanidade. Florianópolis: Ordem dos Advogados do Brasil/SC, 2005. p. 127.). Todavia, é temerosa a manutenção desta faculdade à vítima que, por medo ou por vergonha, permite àquele que cometeu um crime gravíssimo que permaneça impune, livre e disposto a perpetuar essa conduta vil.
4)
PIAZZA, Vânia Cella. A ação penal nos crimes praticados contra a criança e o adolescente. In: VERONESE, Josiane Rose Petry (Org.). Violência e exploração sexual infanto-juvenil: crimes contra a humanidade. Florianópolis: Ordem dos Advogados do Brasil/SC, 2005. p. 156.
cap10/10-4-5-2.1411479790.txt.gz · Última modificação: 2014/09/23 10:43 por 127.0.0.1