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cap10:10-4-5-2-2

4.5.5.2.2. Procedimento de destituição e suspensão do poder familiar


O Ministério Público possui atribuição para promover e acompanhar o procedimento de suspensão ou de destituição do poder familiar, conforme a determinação trazida pelos arts. 155 e 201, inc. III, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, caso o Promotor de Justiça não participe da lide como requerente, deverá necessariamente acompanhá-la a título de custos legis, certificando-se de que os interesses da criança e do adolescente prevaleçam.

Antes de se discutir o procedimento, é importante destacar a ressalva feita por Venosa (2003, p. 369):

“A suspensão ou destituição do pátrio-poder constituem-se menos em um instituto punitivo dos pais e mais um ato em prol dos menores, que ficam afastados da presença nociva”1).

Na prática, o exame da pertinência do ajuizamento da ação referida não é tarefa simples. Deve haver nisto precisão, pois não é fácil perceber quando as possibilidades da criança ser mantida em sua família de origem se esgotaram. O apoio técnico de equipe interdisciplinar nessa avaliação é imprescindível.

Ferreira aponta a grande dificuldade de descobrir o momento certo para ingressar com ação de perda ou suspensão do poder familiar, em especial quando é certo que, se provido o pedido, a criança ou o adolescente será destinado a unidades de acolhimento.

“Tanto na hipótese de causa social como na de natureza pessoal, o momento adequado para se ingressar com a ação de destituição do poder familiar resulta do confronto de dois direitos básicos:
a) a dos pais em ter os filhos em sua guarda e companhia e
b) o direito dos filhos à convivência familiar em ambiente adequado (art. 29 do ECA).
Este último direito deve prevalecer em relação aos pais, posto que a ele foi garantida a prioridade absoluta”2).

De outro lado, o direito ao convívio familiar é direito fundamental da criança e do adolescente (art. 19 do ECA) e, pela ótica estatutária, a unidade de acolhimento é medida provisória e excepcional, permitidas apenas como forma de transição para a colocação em família substituta (art. 101, parágrafo único, do ECA).

Mesmo com a notável alteração dos comandos da lei, a realidade brasileira ainda apresenta grandes distorções quanto a institucionalização de crianças. Segundo o Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária :

“[…] a institucionalização se mantém, ainda nos dias atuais, como caminho usado indiscriminadamente – e, muitas vezes, considerado o único possível – para a proteção da infância e adolescência, demonstrando que o princípio da excepcionalidade da medida de abrigo não vem sendo respeitado”3).

Não é raro encontrar crianças abrigadas há anos, sem providências para colocá-las em família substituta. Unidades de acolhimento se tornaram depósitos de crianças, que crescem sem a oportunidade de serem acolhidas por uma família. Houve casos em que nem o sistema de Justiça sabia do longo período de abrigamento da criança, às vezes cinco, seis anos. Num dos casos, isso ocorreu por uma grave falha do Conselho Tutelar e do dirigente do abrigo, que tinha, na sistemática anterior do Estatuto da Criança e do Adolescente, prazo de 48 horas para informar sobre a institucionalização ao Ministério Público, para serem tomadas as medidas judiciais pertinentes.

A Lei nº 8.069/90 sofreu alterações, ensejadas pela promulgação da Lei nº 12.010/2009, exatamente para combater essa aberração. A mudança renovou a estrutura de encaminhamento de crianças e adolescentes a unidades de acolhimento. Agora, a inserção nessas unidades deverá ser monitorada pelo Juiz e o Promotor.

Ferreira propõe como solução ao abrigo um processo inverso à institucionalização, qual seja:

“a) buscar condições para o retorno da criança ou do adolescente para sua própria família ou à família estendida, assim compreendida os parentes próximos, dispostos a assumir os seus cuidados, e que mantenha, com eles, relação de afinidade e afetividade;
b) ingressar com a destituição do poder familiar, para garantir a colocação da criança em família substituta, de preferência na modalidade de adoção”4).

Antes de ajuizar a demanda pertinente, o representante do Parquet deverá avaliar as condições de manutenção da criança ou do adolescente em sua família de origem, haja vista o seu caráter privilegiado conferido pelo art. 19 da Lei nº 8.069/1990. Deverá verificar também se há condições de colocação em família substituta, já que o acolhimento é medida provisória e excepcional, utilizável apenas como espaço de transição até a colocação em família substituta (art. 101, parágrafo único).

Para que ocorra perda ou suspensão do poder familiar por meio de decisão judicial, deverão ser respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa durante todo o procedimento, e a sentença condenatória deverá fundar-se numa das hipóteses estabelecidas pelo art. 1.638 do Código Civil ou no descumprimento injustificado dos deveres e das obrigações a que alude o art. 22 da Lei nº 8.069/90 (art. 24):

“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no art. antecedente.
Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”.

Inicialmente, a lei não determina prazo para o ingresso com procedimento para suspensão ou destituição do poder familiar, ficando a cargo do impetrante avaliar o momento propício. Entretanto, o que se recomenda é que a decisão acerca do ingresso ou não da ação seja rápida, a fim de resolver o problema e evitar que a criança ou o adolescente fique abrigado por longos períodos.

O que não se recomenda é o ingresso da “ação de verificação de situação de risco”, ou de “pedido de providência”, procedimentos que já não fazem mais sentido após o advento do Estatuto. Em síntese: ou os órgãos públicos em geral aplicam automática e rapidamente as medidas de proteção, sem se valer da esfera judicial, ou o Ministério Público ingressa com a suspensão ou destituição do poder familiar. A prática tem mostrado que as “ações de verificação de situação de risco” ou os “pedidos de providência” demoram tempo considerável, devido a trâmites cartorários, para se obter as medidas de proteção que o Estatuto já faculta.

Além do Conselho Tutelar, o Ministério Público também poderá, mediante instauração de procedimento administrativo, requisitar informações aos sistemas de saúde, educação e assistência social (CRAS e CREAS) para fazer um levantamento da situação da criança.

O procedimento judicial que almeja a perda ou a suspensão do poder familiar encontra disciplina nos arts. 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo o impulso inicial conferido ao Ministério Público e àquele com legítimo interesse (art. 155)5)

Os requisitos da petição inicial encontram-se enumerados nos incisos do art. 156:

  • I) a indicação da autoridade judiciária a que for dirigida;
  • II) a qualificação do requerente e do requerido (estando dispensado o Ministério Público dessa indicação);
  • III) a exposição sumária do fato e do pedido; e
  • IV) a indicação dos meios de prova e do rol de testemunhas.

Uma vez distribuída, a petição deverá ser encaminhada para apreciação imediata da autoridade judiciária. O Magistrado, por sua vez, constatando a existência de grave motivo, deverá ouvir o Ministério Público antes de decretar a suspensão liminar do poder familiar.

A concessão da suspensão liminar, quando não deferida desde logo, poderá ser concedida ao longo do procedimento de modo incidental. De qualquer forma, concedida a liminar, a criança ou o adolescente deverá ser confiado a pessoa idônea, e esta firmará termo de responsabilidade (art. 157).

Caso a autoridade judiciária defira o processamento do procedimento, o citado será requerido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias, quando oferecerá documentos, indicará seus meios de provas e apresentará rol de testemunhas (art. 158).

A citação será preferencialmente pessoal. Porém, admitem-se outras modalidades de citação quando se esgotarem as tentativas de citação pessoal (art. 158, parágrafo único).

Caso o requerido não tenha condições de constituir advogado, poderá requerer em cartório que lhe seja nomeado defensor dativo, o qual apresentará resposta no prazo de 10 (dez) dias, a contar da intimação do despacho de nomeação (art. 159).

Não sendo apresentada a defesa pelo requerido, o Magistrado concederá vista ao Ministério Público pelo prazo de cinco dias (exceto se o Parquet tiver iniciado o procedimento), devendo proferir decisão também no prazo de 5 (cinco) dias (art. 161, caput).

Por outro lado, sendo apresentada a resposta, caso o Ministério Público configure no procedimento apenas como fiscal da lei, deverá ser-lhe dada vista dos autos, manifestando-se no prazo de cinco dias e, após, designada audiência de instrução e julgamento (art. 162, caput).

Independentemente da revelia do requerido, o Juiz poderá solicitar um estudo social à equipe interprofissional, além de realizar a oitiva de eventuais testemunhas (arts. 161, §1º e 162, §1º).

Na audiência de instrução, o Ministério Público deverá fazer-se presente, seja na condição de requerente, seja na de custos legis (art. 162, § 2º). Aberta a audiência, presentes as partes e o Ministério Público, serão ouvidas as testemunhas, lido o parecer técnico e, ao final, aberto prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, para o requerente, o requerido e, quando na qualidade de fiscal da lei, o Ministério Público, apresentarem suas alegações finais (art. 162, § 2º). Sempre que o pedido importar em modificação da guarda, a criança e o adolescente deverão ser ouvidos, na medida do possível (art. 161, § 2º).

A decisão deverá ser proferida preferencialmente na audiência, e a autoridade judiciária poderá excepcionalmente designar data posterior para sua leitura, respeitando-se o prazo máximo de 5 dias (art. 162, § 2º).

Contra essa decisão, tendo em vista a sistemática recursal adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é cabível o recurso de Apelação disciplinado pelo Código de Processo Civil (art. 198, caput), respeitando-se o prazo de dez dias (art. 198, II).

A decisão que decretar a perda ou a suspensão do poder familiar, após seu trânsito em julgado, será averbada na margem do registro de nascimento da criança ou do adolescente (art. 163).

Por fim, “a destituição do poder familiar configura apenas cessação do direito, pode ocorrer a sua retomada” 6), e não impede que os réus requeiram a restituição do poder familiar quando resolverem o problema que causou a perda; o requerimento poderá ser deferido caso a criança ou o adolescente não tenha sido adotado, já que a adoção é irrevogável (art. 48/ECA).


1)
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 369, v. 6.
2)
FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. O promotor de justiça frente à institucionalização de criança e adolescente em entidade de abrigo e a destituição do poder familiar. Dez. 2004. Página eletrônica do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Disponível em: <www.mp.sp.gov.br/pls/portal/url/ITEM/1995EF1CFA30715CE040A8C027014290>. Acesso em: 16 jun.2008.
3)
BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Brasília, 2006.
4)
FERREIRA, 2004.
5)
São legítimos interessados: a) aqueles que buscam regularizar a situação de criança ou adolescente por meio da tutela ou da adoção, institutos que pressupõem a prévia perda ou suspensão do poder familiar;
b) os demais parentes da criança e do adolescente, sejam ascendentes, colaterais ou por afinidade;
c) o guardião, nos termos do art. 33 do Estatuto; e
d) um dos genitores contra o outro. De outro lado, importa destacar que o Conselho Tutelar não tem legitimidade para ingressar com a ação, no entanto, tem o dever de representar as irregularidades ao Ministério Público, o qual impetrará a medida.
6)
FERREIRA, 2004
cap10/10-4-5-2-2.txt · Última modificação: 2014/09/22 10:13 (edição externa)