Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


cap10:10-4-5-2-3

4.5.5.2.3. A nomeação e a remoção do tutor


O Ministério Público possui atribuição para promoção e acompanhamento de procedimento para nomeação ou remoção de tutela, conforme o art. 201, inc. III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o art. 1.194 do Código de Processo Civil.

Mesmo que o Ministério Público não participe da lide como requerente, deverá acompanhá-la a título de custos legis – assim como ocorre no procedimento de suspensão ou perda do poder familiar, na nomeação e na remoção da tutela –, certificando-se de que os direitos da criança e do adolescente sejam integralmente respeitados.

A tutela é forma de colocação da criança ou do adolescente em família substituta (art. 28 do ECA) e seu deferimento pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, implicando, necessariamente, o dever de guarda (art. 36, parágrafo único).

Pela ótica da lei civil, sobretudo o Código Civil de 1916, a tutela parece ser destinada apenas à criança e ao adolescente órfãos herdeiros, diante do grande número de dispositivos dedicados à administração de seu patrimônio. Nas palavras de Venosa:

“A tutela disciplinada pelo Código de 1916 era instituto destinado fundamentalmente à proteção e à administração dos bens do ‘menor’. Ao disciplinar a tutela, o legislador do Código Civil de 1916 e 2002 teve em mira, primordialmente, o ‘menor’ com patrimônio. A tutela também é referida no Estatuto da Criança e do Adolescente para os ‘menores’ sob seu enfoque, ‘em situação irregular’ [sic], embora pouca alteração tenha sido feita à estrutura do Código. Modernamente, a tutela deve ter uma compreensão mais ampla, fazendo com que o tutor assuma efetivamente as prerrogativas e deveres do poder familiar”1).

Na verdade, a tutela é instituto recomendável a todas as crianças e também aos adolescentes, pobres ou ricos, que não podem mais retornar ao convívio com a família de origem, em decorrência de morte dos pais ou de decisão judicial,

De acordo com a legislação civil,

“a tutela é função personalíssima, um múnus público. É um encargo, a princípio, irrenunciável […], é também um encargo unipessoal”2).

Embora o Código Civil não preveja nomeação de mais de um tutor, o Estatuto da Criança e do Adolescente recomenda a indicação de um casal, sempre que possível. Nas palavras de Venosa:

“O intuito dessa legislação protetiva é integrar a criança e o adolescente na família substituta. Não existe forma melhor de fazê-lo, tal como na guarda e na adoção, do que entregá-lo à proteção e ao carinho de um casal que lhe dê um lar”3).

Quanto ao caráter de função pública da tutela, renunciável apenas nas hipóteses previstas taxativamente no art. 1.736 do Código Civil, o Juiz de Direito e o Promotor de Justiça deverão analisar a situação com muita cautela. Embora indisponível, não é conveniente destinar a tutela a quem não nutra qualquer laço de afeição pela criança ou o adolescente4).

O Ministério Público deve superar a visão meramente civilista da tutela e passar a valer-se desse instrumento jurídico como garantia do direito fundamental à convivência familiar, e não apenas como meio de gerência do patrimônio do “civilmente incapaz”.

Quanto ao procedimento para remoção ou nomeação de tutor, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que sua disciplina se dê pela lei processual civil e, no que couber, pelos dispositivos relativos à perda e à suspensão do poder familiar. O Código de Processo Civil reserva uma seção do seu Livro “Dos Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária” para tratar da matéria “Da Remoção e Dispensa de Tutor ou Curador”, nos arts. 1.187 a 1.198.

Para a nomeação, o tutor será intimado a prestar compromisso, no prazo de cinco dias, a contar da sua nomeação realizada em conformidade com o Código Civil5) ou da intimação do despacho que mandar cumprir o testamento ou o instrumento público que o houver indicado (art. 1.187 do CPC).

Prestado o compromisso por termo em livro próprio, o tutor, antes de entrar em efetivo exercício da tutela, no prazo de dez dias, requererá a especialização em hipoteca legal de imóveis necessários para acautelar os bens que serão confiados à sua administração (art. 1.188 do CPC), incumbindo ao Parquet a promoção da especialização de hipoteca legal se o tutor ou curador não a houver requerido no prazo assinalado (art. 1.188, parágrafo único, do CPC). No entanto, a especificação da hipoteca legal será dispensada quando o tutelado não possuir bens ou rendimentos ou no caso de os existentes constarem de instrumento público devidamente registrado.

O tutor poderá eximir-se do encargo, apresentando escusa, em juízo, no prazo de cinco dias, sob pena de reputar renunciado o direito de alegá-la (art. 1.192). Apresentada escusa, a autoridade judiciária decidirá de plano. Caso não seja admitida, o nomeado exercerá a tutela até que seja dispensado por sentença transitada em julgado (art. 1.193).

O procedimento para remoção do tutor deverá estar fundamentado em um dos motivos listados nos incisos do art. 1.735 ou pelo caput do art. 1.766 do Código Civil:

“Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:
I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;
II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o ‘menor’, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o ‘menor’;
III - os inimigos do ‘menor’, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela;
IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores;
VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela.
Art. 1.766. Será destituído o tutor, quando negligente, prevaricador ou incurso em incapacidade”.

Recebida a inicial, a autoridade judiciária determinará a citação do tutor para apresentação de defesa no prazo de cinco dias (art. 1.195 do CPC). Findo o prazo, não sendo contestado o pedido, aplicam-se os efeitos da revelia, presumindo-se aceitos como verdadeiros os fatos alegados, devendo o Juiz decidir a lide em outros cinco dias (art. 1.196 c/c art. 803, do CPC).

De modo liminar ou incidental, nas hipóteses mais graves, o Magistrado poderá suspender o tutor do exercício de suas funções, nomeando-o substituto, interinamente (art. 1.197 do CPC). Se a autoridade judiciária decidir pela remoção do tutor, deverá indicar substituto para assumir os deveres de guarda para com a criança ou o adolescente.

Caso nenhuma conduta do tutor enseje remoção judicial, os deveres da tutela se extinguem, conforme prevê o Código Civil, pela morte do tutor ou do tutelado, pela maioridade ou emancipação do tutelado (art. 1.763, inc. I), pela adoção do tutelado ou pelo reconhecimento do estado de filiação por terceiro (art. 1.763, inc. II), quando expirar o termo em que o tutor era obrigado a servir (art. 1.764, inc. I), ou quando sobrevier escusa legítima ao exercício da tutela (art. 1.764, inc. II).

Pela legislação civil, quando nomeado, o tutor é obrigado a servir, no mínimo, pelo período equivalente a dois anos (art. 1.765, Código Civil), e esse prazo poderá ser ampliado indeterminadamente, sempre que a autoridade judiciária julgar oportuno e conveniente à criança e ao adolescente (art. 1.765, parágrafo único).

É permitido ao tutor requerer a exoneração do encargo ao fim do prazo de atuação; porém, se não a solicitar nos dez dias seguintes à expiração do termo, será reconduzido, exceto se for dispensado por decisão judicial (art. 1.198 do CPC).

O recurso à decisão final do procedimento para remoção ou nomeação do tutor será o de Apelação, nos moldes delineados pelo Código de Processo Civil (art. 198, caput, do ECA), respeitando-se o prazo de dez dias (art. 198, inc. II, do ECA).


1)
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 400, v. 6.
2)
VENOSA, 2003, p. 408-409
3)
VENOSA, 2003, p. 411.
4)
“Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela:
I - mulheres casadas; II - maiores de sessenta anos;
III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;
IV - os impossibilitados por enfermidade;
V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;
VI - aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
VII - militares em serviço” (Código Civil).
5)
“Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;
II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.
[…].
Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consangüíneos do menor, por esta ordem:
I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;
II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor.
Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor:
I - na falta de tutor testamentário ou legítimo;
II - quando estes forem excluídos ou escusados da tutela;
III - quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário.
Art. 1.733. Aos irmãos órfãos dar-se-á um só tutor.
[…]
Art. 1.734. Os menores abandonados terão tutores nomeados pelo juiz, ou serão recolhidos a estabelecimento público para este fim destinado, e, na falta desse estabelecimento, ficam sob a tutela das pessoas que, voluntária e gratuitamente, se encarregarem da sua criação (Código Civil).”
cap10/10-4-5-2-3.txt · Última modificação: 2014/09/22 10:34 (edição externa)