Essa é uma revisão anterior do documento!
O Estatuto da Criança e do Adolescente reservou o Capítulo I, Título VII, de sua Parte Especial (abrangendo os arts. 228 a 244), para descrever os tipos penais praticados contra a criança e o adolescente, cuja transcrição e comentários seguem especificados abaixo.
“Art. 228. Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta médica, declaração de nascimento, onde constem as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa”.
Observação: o art. 10 do Estatuto da Criança e do Adolescente, referenciado no tipo penal, impõe aos hospitais, maternidades e demais estabelecimentos de atenção à saúde da gestante, sejam eles públicos ou particulares, o dever de:
“I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos;
[…];
IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato;
V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe”.
“Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa”.
Observação:
“Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais”.
Observação: o art. 106 do Estatuto determina que “nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.
“Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada:
Pena - detenção de seis meses a dois anos”.
Observação: a comunicação da apreensão à autoridade judiciária e à família do apreendido é direito da criança e do adolescente e dever da autoridade policial, nos termos do art. 107 do Estatuto: “A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.” O prazo razoável para ser feita essa comunicação é de 24 horas.
“Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento:
Pena - detenção de seis meses a dois anos”.
Observação: o Estatuto da Criança e do Adolescente informa que “[…] o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (art. 17), estabelecendo como dever de todos – família, sociedade e Estado – o zelo pela dignidade da criança e do adolescente, “[…] pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (art. 18).
O art. 233 foi revogado pela Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que definiu e disciplinou os crimes de tortura, atualmente com os acréscimos da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
A redação original do art. 233 era a seguinte:
“Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura:
Pena - reclusão de um a cinco anos.
§ 1º Se resultar lesão corporal grave:
Pena - reclusão de dois a oito anos.
§ 2º Se resultar lesão corporal gravíssima:
Pena - reclusão de quatro a doze anos.
§ 3º Se resultar morte:
Pena - reclusão de quinze a trinta anos”.
Pela nova Lei, o crime cometido contra a criança ou o adolescente não se configura mais como tipo penal específico, mas condição de aumento da pena de um sexto até um terço, nos termos do § 4º, inc. II, do art. 1º, que assim estabelece:
“Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o crime é cometido mediante seqüestro.
[…]”
“Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão:
Pena - detenção de seis meses a dois anos”.
Observação: diante da possibilidade de concurso com a Lei nº 4.989/1965, que regula o processo de responsabilidade penal em decorrência do abuso de autoridade, prevalece o disposto no art. 234 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por ser esta norma mais específica.
“Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefício de adolescente privado de liberdade:
Pena - detenção de seis meses a dois anos”.
Observação: o Estatuto indica uma série de prazos a serem cumpridos pelas autoridades:
“Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta Lei:
Pena - detenção de seis meses a dois anos”.
“Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto:
Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa”.
Observação: o tipo penal descrito no art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente contém semelhanças ao disposto no art. 249 do Código Penal:
“Art. 249. Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.
§ 1º O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio-poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2º No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena”.
No entanto, contém também diferenças: o dispositivo estatutário acresce detalhes ao elemento subjetivo: “colocação em lar substituto”, enquanto o crime do Código Penal se refere ao agente que subtrai a criança ou adolescente para colocá-lo em sua própria esfera de vigilância. O tipo do Estatuto da Criança e do Adolescente requer dolo mais específico.
”Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:
Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa”.
Observação: o Estatuto da Criança e do Adolescente garante que: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta […]” (art. 19).
”Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:
Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência”.
”Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:
I - no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;
II - prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
III - prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento”.
Observações: Ao comentar tal tipo penal, Valter Kenji Ishida considera que pornografia é representação, por quaisquer meios, de cenas ou objetos obscenos destinados a serem apresentados a um público e também a exporem práticas sexuais diversas, com o fim de instigar a libido do observador. Sexo explícito é aquele em que existe a conjunção carnal ou a prática de qualquer outro ato libidinoso 1).
”Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;
II - assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.
§ 2º As condutas tipificadas nos incs. I e II do § 1º deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo”.
”Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se refere o caput deste artigo.
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:
I - agente público no exercício de suas funções;
II - membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo;
III - representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
§ 3º As pessoas referidas no § 2º deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.
Observação: Este artigo dá um passo adiante em relação à responsabilização de quem negocia material pornográfico pela internet. Quanto a este tipo, dispensa-se a prova da divulgação. Para haver adequação típica, basta que mantenha o registro em arquivo.
”Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:
“Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. “Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo”.
”Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I »- facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;
II - pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita”.
”Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão ‘cena de sexo explícito ou pornográfica’ compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (Incluído pela Lei n.º 11.829, de 2008)”
”Art. 242. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos”.
”Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:
Pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave”.
Observação: Este tipo não se confunde com os especificados na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, em que a posse, por si só, da substância já é ilícita, e consta de Portaria. Aqui, a posse não é ilícita. A venda do produto é autorizada – como acetona, fogos, thinner, etc. Contudo, a venda a menores de 18 (dezoito) anos é proibida porque seu uso para outros fins aos quais não é originariamente destinado pode ser danoso à criança e ao adolescente.
”Art. 244. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente fogos de estampido ou de artifício, exceto aqueles que, pelo seu reduzido potencial, sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização indevida:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa”.
”Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:
Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.
§1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.
§2º Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento”.
Observação: o dispositivo em tela, no entendimento de Kenji Ishida2), foi revogado tacitamente pelo crime de “favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração de vulnerável (art. 218-B)”, instituído pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, que passou a vigorar em 10 de julho de 2009.
”Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da Internet.
§2º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990”.
Tipo objetivo: “corromper”, neste caso, significa o agente praticar infração penal com o menor. O tipo prevê ainda o verbo “facilitar’ a corrupção”, que significa induzir o menor a praticar a infração, que abrange o crime e a contravenção. Como meio de corromper ou facilitar a corrupção pode ser utilizada a Internet, por exemplo, por meio das salas de bate-papo.
Observação: Esse crime constava do rol dos delitos descritos na Lei nº 2.252/54, que também apresentava esse nomen juris. A Lei nº 12.015 revogou-o expressamente e o introduziu no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente.