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cap10:10-4-6-2

4.6.2. A ação civil pública


A conquista social pelos direitos transindividuais tomou tamanha proporção em nosso ordenamento que foram elevados a nível constitucional na redação da Carta Cidadã de 1988. Antes disso, podemos dizer que o primeiro instrumento de tutela dos direitos transindividuais regulamentado no Brasil foi a Ação Popular – Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 –, ferramenta à disposição de todo e qualquer cidadão para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos da Administração Pública que fossem lesivos ao patrimônio público. Em 24 de julho de 1985, foi publicada a Lei nº 7.347, que disciplinou a Ação Civil Pública como instrumento de proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, inc. III, da CF).

Mazzilli explica que a denominação de “ação civil pública” foi escolhida pelo legislador por guardar paralelo com a “ação penal pública”. Em suas palavras:

”Inicialmente, com ação civil pública se quis dizer a ação de objeto não penal, proposta pelo Ministério Público. Na verdade, porém, tal expressão, se bem que já incorporada na legislação, doutrina e jurisprudência, não deixa de padecer de impropriedade. De um lado, toda a ação é pública, enquanto direito público subjetivo dirigido contra o Estado; de outro, como não tem o Ministério Público exclusividade na propositura da dita ação civil pública, podemos hoje considerar que esta última compreende não só a ação de objeto não penal proposta por aquela instituição, como a mesma ação, com mesmo objeto, proposta por qualquer dos demais co-legitimados ativos, desde que destinada à defesa dos direitos difusos e coletivos”1).

Reconhecida a relevância instrumental da Ação Civil Pública, passa-se a discorrer a seu respeito, destacando-se as questões mais importantes e controvertidas na jurisprudência e doutrina.


Legitimidade para propositura


Pela redação imposta pela Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007, a Lei das Ações Civis Públicas lista como legitimados o Ministério Público (art. 5º, inc. I), a Defensoria Pública (art. 5º, inc. II), os entes federativos (art. 5º, inc. III), as pessoas jurídicas de direito público da Administração Pública indireta (art. 5º, inc. IV) e as associações constituídas há pelo menos um ano, que tenham por finalidade institucional a proteção dos direitos coletivos e difusos (art. 5º, inc. V).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabeleceu legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública fundada em interesses coletivos e difusos da criança e do adolescente ao Ministério Público (art. 210, inc. I), aos entes federativos e territórios (art. 210, inc. II) e às associações constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos direitos disciplinados pelo Estatuto (art. 210, inc. III).

Tanto a legitimidade conferida pela Lei nº 7.347/85 quanto a estatutária são concorrentes, autônomas e disjuntas, ou seja, podem ser propostas isoladamente ou em consórcio de legitimados (BORDALLO, 2007, p. 667).

Conflitos jurisprudenciais e doutrinários, no entanto, são apontados por Bordallo (2007, p. 688-689) ao tratar da legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos individuais homogêneos. De acordo com o autor, existem correntes que não reconhecem a instituição como legitimada a intervir judicialmente pelo direito individual disponível, ainda que homogêneo. Essa corrente pauta sua defesa na natureza divisível dos direitos individuais homogêneos, fato que permitiria a busca da tutela jurisdicional pelo seu titular2).

Contudo, não há qualquer impedimento legal à intervenção do Ministério Público na defesa dos direitos individuais homogêneos. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993), descreve como função do Parquet a propositura do inquérito civil e da ação civil pública para a

«“proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”3).

A intervenção do Parquet em questão que discute o direito de criança e adolescente, contudo, não causa maiores controvérsias. Primeiro, porque os direitos da criança e do adolescente são sempre indisponíveis e, segundo, porque a Lei nº 8.069/1990, no art. 210, inciso V, estabeleceu como competência do Ministério Público a promoção da ação civil pública para a proteção dos interesses “individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência”, o que rechaça de uma vez por todas qualquer possibilidade de divergência quanto à atribuição do Ministério Público para a defesa de qualquer uma das espécies de direitos metaindividuais.

Ainda a respeito de legitimidade, a Lei nº 8.069/1990, no §1º do art. 210, admite a figura do consórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta autorização decorre dos princípios institucionais do Ministério Público da unidade e da indivisibilidade (art. 127, §1º, da CF). Conforme Nery Júnior apud Milaré:

”A atribuição interna do Ministério Público, como um todo, federal e estadual, de divisão e distribuição de funções e tarefas, é questão administrativa, interna corporis, que não interfere na legitimidade de ser parte – esta, sim, conferida indistintamente a ambos por lei”4).

Pela redação do art. 210, §2º, do Estatuto, nas ações interpostas por associação, na hipótese de desistência ou abandono da ação, o Ministério Público ou qualquer outro legitimado poderá assumir a sua titularidade (art. 210, inc. III, do ECA)5).

Contudo, questiona-se acerca da possibilidade de desistência da ação por parte do Ministério Público. Embora a Lei nº 8.069/1990 tenha se referido apenas à associação, o ordenamento jurídico não impede que isso ocorra, ou, conforme dispõe Mazzilli apud Milaré:

”Tanto a associação como qualquer dos demais co-legitimados – neles incluído o Ministério Público – todos eles agem por legitimação extraordinária, ou seja, substituem processualmente os lesados, fragmentariamente dispersos na coletividade. Afinal, nem a associação, nem o Ministério Público, nem qualquer dos co-legitimados ativos, nenhum deles é titular do direito material que defende. Assim, a admitir a desistência ou abandono da associação, não há que negar igual possibilidade aos demais co-legitimados ativos, colocados em idêntica situação”6).

Especificamente na questão da criança e do adolescente, com relação à possibilidade de desistência da ação por parte do Ministério Público, há de se questionar se, ao renunciar a ela, o Promotor de Justiça não estaria abdicando de uma função que lhe foi atribuída pela Carta Magna – “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, inc. III).

Por fim, é de se ressaltar que o Conselho Tutelar não possui legitimidade para ingressar com Ação Civil Pública nem por ordem da letra da lei, nem por analogia.


O inquérito civil


O inquérito civil surge no ordenamento jurídico brasileiro com a publicação da Lei nº 7.347/1985 - Lei da Ação Civil Pública, que autorizou a sua instauração pelo Ministério Público no §1º do seu art. 8º7).

Ressalte-se a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (Lei Complementar nº 197/2000, que disciplina as peculiaridades do inquérito civil autuado pelo Parquet catarinense em seus arts. 84 a 90:

”Art. 84. O inquérito civil, procedimento investigatório de natureza inquisitorial, será instaurado por portaria, em face de representação ou, de ofício, em decorrência de qualquer outra notícia que justifique o procedimento.
§1º Sempre que necessário para formar seu convencimento, o membro do Ministério Público poderá instaurar procedimento administrativo preparatório do inquérito civil.
§2º As providências referidas neste art. e no parágrafo anterior serão tomadas no prazo máximo de trinta dias.
§3º As diligências investigatórias, quando devam ser realizadas em outra comarca, poderão ser deprecadas a outro órgão de execução do Ministério Público, obedecida eventual disciplina interna de encaminhamento.
Art. 85. A representação para instauração de inquérito civil, que independe de formalidades especiais, será dirigida ao órgão do Ministério Público competente e deverá conter, sempre que possível:
I - nome, qualificação e endereço do representante e do autor do fato;
II - descrição do fato objeto das investigações;
III - indicação dos meios de prova.
§ 1º Do indeferimento da representação de que trata este art. caberá recurso ao Conselho Superior do Ministério Público no prazo de dez dias, contado da data em que o representante tomar ciência da decisão.
§ 2º Antes de encaminhar os autos ao Conselho Superior do Ministério Público, o membro do Ministério Público poderá, no prazo de cinco dias, reconsiderar a decisão recorrida.
Art. 86. O inquérito civil, quando instaurado, instruirá a petição inicial da ação civil pública.
Art. 87. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil, do procedimento administrativo preparatório ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.
§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivados serão remetidos, no prazo de três dias, sob pena de falta grave, ao Conselho Superior do Ministério Público, competindo-lhe o exame e deliberação acerca da promoção de arquivamento, conforme dispuser o seu Regimento Interno.
§ 2º Deixando o Conselho Superior do Ministério Público de homologar a promoção de arquivamento, comunicará, desde logo, ao Procurador-Geral de Justiça para a designação de outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação ou prosseguimento das investigações.
Art. 88. Depois de homologada pelo Conselho Superior do Ministério Público a promoção de arquivamento do inquérito civil, do procedimento administrativo preparatório ou das peças de informação, o órgão do Ministério Público somente poderá proceder a novas investigações se de outras provas tiver notícia.
Art. 89. O órgão do Ministério Público, nos inquéritos civis ou nos procedimentos administrativos preparatórios que tenha instaurado, e desde que o fato esteja devidamente esclarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos, compromisso do responsável quanto ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou das obrigações necessárias à integral reparação do dano, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Art. 90. O inquérito civil instaurado para apurar violação de direito assegurado nas Constituições Federal e Estadual, ou irregularidade nos serviços de relevância pública poderá ser instruído através de depoimentos colhidos em audiência pública.
§ 1º Encerrado o inquérito civil, o órgão de execução do Ministério Público poderá fazer recomendações aos órgãos ou entidades referidas no inciso VII do art. 82 desta Lei Complementar, ainda que para maior celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos, requisitando do destinatário sua divulgação adequada e imediata, bem como resposta por escrito.
§ 2º Além das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o órgão de execução do Ministério Público emitir relatórios, anuais ou especiais, encaminhando-os às entidades mencionadas no inc. VII do art. 82 desta Lei Complementar, delas requisitando também divulgação adequada e imediata”.

A natureza jurídica do inquérito civil é de procedimento administrativo, comportando-se como um instrumento de investigação colocado à disposição do Promotor de Justiça para apuração de lesão ou ameaça a direito metaindividual. Bordallo (2007, p. 658) o conceitua como ferramenta de investigação administrativa prévia que objetiva apurar

”[…] elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente faz expressa menção acerca da possibilidade da instauração do inquérito civil para a apuração de ofensa a direito assegurado a criança e adolescente em seu art. 223:

”Art. 223. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa, organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a dez dias úteis”.

Sendo assim, o inquérito civil mostra-se como instrumento adequado sempre que o Promotor de Justiça precisar colher provas para a propositura da ação civil pública ou receber notícia de ofensa às garantias da criança e do adolescente e entender necessária sua investigação. Qualquer pessoa do povo está facultada a noticiar ao Promotor de Justiça a ocorrência de ameaça ou lesão a direito de criança ou de adolescente. Pela Lei nº 8.069/90, essa faculdade se transforma em dever para servidores públicos (art. 220, do ECA) e juízos e tribunais no exercício de suas funções (art. 221). O inquérito civil é público, admitindo-se sua forma sigilosa, por meio de decisão fundamentada, quando necessário às investigações ou em respeito à intimidade e à vida privada8).

Considerando que o inquérito possui natureza de procedimento e não de processo, o seu desenrolar, tal qual ocorre no inquérito penal, dispensa o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Conforme expõe Bordallo (2007, p. 659),

“[…] nele não se encontram partes, não há imputação de sanção de qualquer espécie, havendo apenas investigação e investigados”.

Entretanto, recomenda-se conceder à parte investigada a possibilidade de prestar os esclarecimentos necessários, que poderão auxiliar o Promotor de Justiça a formar sua convicção. O inquérito civil não é obrigatório, e o membro do Ministério Público poderá dispensá-lo se já houverem meios probatórios suficientes.

O prazo mínimo de 10 (dez) dias úteis para o atendimento de requisição ministerial de certidões, informações, exames ou perícias - que nos termos do art. 223 poderão ser expedidas contra qualquer pessoa, organismo público ou particular – é estipulado pelo legislador e pela Lei da Ação Civil Pública. O descumprimento da requisição redunda em crime, tipificado no art. 10 da Lei nº 7.347/85.

Finalizada a instrução do inquérito civil, dependendo do resultado, o Promotor de Justiça poderá elaborar e interpor ação civil pública, propor e firmar termo de ajustamento de conduta com o acusado (art. 211, do ECA), ou, convencido da inexistência de fundamento que enseje o ajuizamento da ação civil pública, promover seu arquivamento (art. 223, §1º).

O arquivamento do inquérito seguirá o trâmite imposto pelos §§ 2º a 5º do art. 223, qual seja:

  • 1) o inquérito ou a peça informativa a serem arquivados serão, no prazo de 3 (três) dias, encaminhados ao Conselho Superior do Ministério Público, mediante ofício dirigido ao seu Presidente, que é o Procurador-Geral de Justiça;
  • 2) a promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, nos moldes do estabelecido em seu Regimento Interno;
  • 3) homologada a decisão, seguem o inquérito e as peças para arquivo; e
  • 4) não havendo homologação, o Conselho designará para o ajuizamento da ação civil pública outro Promotor de Justiça, que não poderá se desincumbir de tal mister9).


O termo de ajustamento de conduta


Ao longo do inquérito civil, por vezes o Promotor de Justiça consegue detectar o causador da lesão ou ameaça ao direito da criança e do adolescente e este pode se mostrar disposto a adequar sua conduta. Diante dessas condições favoráveis, sempre que possível, o Ministério Público poderá propor a assinatura de acordo extrajudicial, pelo qual o acusado se compromete a adotar as medidas necessárias para regularização da situação.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) não fazia parte da Lei nº 7.347/85 e foi inserido em 1990 no art. 5º, §§4º, 5º e 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)10). No TAC, a discricionariedade do Ministério Público está preservada. O Promotor de Justiça não é obrigado a propor ou firmar termo de ajustamento e inclusive é dispensado de fundamentar sua decisão negatória. O Termo de Ajustamento de Conduta não admite negociação do direito indisponível em hipótese alguma. O Ministério Público não poderá convencionar com o compromissário um acordo diferente daquele que seria auferido por meio da tutela específica do direito materialmente ameaçado ou lesionado.

Para possibilitar a elaboração do termo de compromisso em atendimento à tutela específica, Bordallo (2007, p. 663) sugere que sejam formados grupos de assessoramento técnico na instituição, visando a auxiliar o Promotor de Justiça na condução do acordo e a evitar manutenção ou criação de novas lesões. Por força do art. 211, é conferida ao TAC a eficácia de título executivo extrajudicial, enquadrando-se, assim, na hipótese prevista no inc. VIII, art. 585 do Código de Processo Civil11).

O TAC é um título extrajudicial e o descumprimento de suas cláusulas está condicionado ao pagamento de multa. Por ser um meio de coação, a multa deverá ser calculada conforme a lesão e a capacidade econômica do compromissário, de modo a verdadeiramente funcionar como instrumento de repressão de condutas lesivas. A execução da multa seguirá o rito estabelecido no Livro II do Código de Processo Civil – “Do Processo de Execução”.

Uma vez firmado Termo de Ajustamento de Conduta, o Promotor de Justiça deverá atender ao art. 223 da Lei nº 8.069/90 para o arquivamento do inquérito civil, encaminhando as peças, o inquérito e o termo devidamente assinado ao Conselho Superior para homologação.


O processamento da ação civil pública


A Ação Civil Pública é disciplinada pela Lei nº 7.347/85, aplicada de maneira subsidiária aos procedimentos jurisdicionais interpostos em defesa dos direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos da criança e do adolescente (art. 224 do ECA).

Para instrução de petição inicial, o Promotor de Justiça ou outro legitimado poderá requisitar às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, que serão fornecidas no prazo de10 (dez) dias úteis para o Ministério Público e 15 (quinze) dias para os demais (art. 222 e 223 do ECA). Recusar ou retardar o envio de dados técnicos requisitados pelo Ministério Público e indispensáveis à propositura da ação civil constitui o tipo penal indicado nº art. 10 da Lei nº 7.347/85:

”Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”.

A competência para o processamento da ação civil pública fundada em interesse transindividual da criança e do adolescente será da Justiça da Infância e da Juventude, nos moldes do art. 148, inc. IV, do Estatuto. A competência territorial, entretanto, será determinada pelo local onde ocorrer o dano (art. 2º da Lei nº 7.347/85).

Admite-se concessão de liminar, com ou sem justificação prévia (art. 213, §1º, do ECA), que comine, inclusive, multa diária em caso de descumprimento (art. 213, §2º, do ECA). Devemos destacar mais uma vez o teor de decisão recente do Superior Tribunal de Justiça que, revertendo entendimento até então vigente, estabeleceu:

”EXECUÇÃO. LIMINAR. ASTREINTES. A irresignação recursal consiste em saber da possibilidade de execução definitiva da multa diária (astreintes) fixada em decisão liminar nos autos de ação popular contra prefeito ajuizada para remoção de placas com símbolo de campanha instaladas em obras públicas. Segundo observa o Min. Relator, a tutela antecipada efetiva-se via execução provisória, que agora se processa como definitiva (art. 475-O do CPC), além de que a jurisprudência deste Superior Tribunal, em situações análogas, já assentou que a decisão interlocutória que fixa multa diária por descumprimento de obrigação de fazer é título executivo hábil para a execução definitiva. Sendo assim, a execução de multa diária (astreintes) por descumprimento de obrigação fixada em liminar concedida em ação popular pode ser realizada nos próprios autos, consequentemente não carece de trânsito em julgado da sentença final condenatória. Ademais, quanto à questão de deserção do REsp por ausência de pagamento das custas de remessa e retorno, trata-se de recurso interposto por autor popular que goza do benefício da isenção (art. 5º, LXXIII, da CF/1988). Nesse contexto, a Turma deu provimento ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.040.411-RS, DJe 19/12/2008; REsp 1.067.211-RS, DJe 23/10/2008; REsp 973.647-RS, DJ 29/10/2007; REsp 689.038-RJ, DJ 3/8/2007; REsp 869.106-RS, DJ 30/11/2006, e REsp nº 885.737-SE, DJ 12/4/2007. REsp 1.098.028-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/02/2010”.

A sentença que condenar o requerido poderá determinar o pagamento de quantia em dinheiro (a ser revertido ao fundo gerido pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente de cada município – art. 214 do ECA), a obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º da Lei nº 7.347/1985), ou ter ainda outros conteúdos, uma vez que o pedido formulado na ação civil pública não é apenas o condenatório, podendo ser também o declaratório ou o desconstitutivo.

Suponhamos que o CMDCA edite Resolução contrária à lei, ou que uma empresa estabeleça contrato coletivo de trabalho que contenha cláusula afrontando as garantias estabelecidas ao adolescente maior de 16 (dezesseis) anos; nestes casos, os pedidos poderão ser os de declaração de nulidade e o de desconstituição, respectivamente.

Todavia, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz deverá privilegiar a concessão da tutela específica da obrigação ou determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (art. 213, caput, do ECA).

O recurso cabível contra a sentença proferida na ação civil pública será o de Apelação, nos moldes do que disciplina o Código de Processo Civil (art. 198, caput, do ECA), sendo admitida a concessão de efeitos suspensivos ao recurso nos casos em que ficar caracterizada a possibilidade de dano irreversível à parte (art. 215 do ECA).


A execução da sentença e do termo não cumprido


A execução da decisão proferida em ação civil pública, assim como a execução das multas eventualmente cominadas, seguirá o rito processual que estabelece o Código de Processo Civil em seu Livro II – “Do Processo de Execução”. No entanto, algumas peculiaridades estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente merecem ser destacadas.

Caso a Administração Pública tenha sido condenada, o Juiz de Direito deverá remeter as peças à autoridade competente para apuração da responsabilidade civil, administrativa e penal do agente a que se atribua a ação ou omissão (art. 216 do ECA). No caso de se tratar de Prefeito, a análise quanto ao ajuizamento da ação de improbidade administrativa caberá ao Promotor de Justiça da Comarca com atribuição na defesa do patrimônio público. Para a avaliação quanto ao ajuizamento da ação criminal, as peças de informação deverão ser enviadas ao Procurador-Geral de Justiça. Se se tratar do Governador, o mesmo vale para os termos civis. Com relação ao enfoque criminal, a matéria deverá ser enviada ao STJ.

O art. 216 da lei estatutária está de acordo com a teoria da responsabilidade objetiva que assegura o direito de regresso, adotada pela Constituição Cidadã em seu art. 37, § 6º:

”Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Os valores recolhidos com multas serão revertidos ao FIA de cada município (art. 214 do ECA), tema já abordado em tópico anterior. Caso o município ainda não tenha regulamentado tal fundo, mesmo após os vinte anos de vigência do Estatuto, o dinheiro será depositado em estabelecimento bancário oficial, em conta com correção monetária (art. 214, §2 º, do ECA).

Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória ou 30 (trinta) dias do não recolhimento de multa, ainda que tenha sido a ação impetrada por outro legitimado, o Ministério Público promoverá sua execução (arts. 217, caput, e 214, §1º, do ECA), faculdade que se estende aos demais legitimados.


1)
MAZZILLI, Hugo Nigro; GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. O Ministério Público e o Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: APMP, 1991. p. 36-37.
2)
As contradições noticiadas pelo autor de fato existem na jurisprudência, o que se ilustra nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, em Recursos Especiais, cuja ementa segue abaixo transcrita: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE PIS/PASEP E COFINS. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. PRECEDENTES. I - O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública visando obstar a cobrança de tributos, por se tratar de direitos individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, que devem ser postulados por seus próprios titulares. II - Agravo Regimental improvido” (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 637744/RS. Relator: Min. Francisco Falcão. Julgado em: 09.05.2006). “Processual Civil. Recurso Especial. Administrativo. Constitucional. Ação Cautelar Inominada. Legitimatio ad causam do Parquet. Art. 127 da CF/88. Direito à saúde. 1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. […] 10. Recurso Especial provido para reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público Estadual” (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial no 817710/RS. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em: 17.05.2007).
3)
art. 25, inc. IV, alínea “a”
4)
MILARÉ, Edis. Art. 210. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 707.
5)
As hipóteses de abandono da ação estão indicadas do Código de Processo Civil (art. 267, incs. II e III) como causas de extinção do processo sem julgamento do mérito, quais sejam: “[…] II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - quando, por não promover atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias”.
6)
MILARÉ, 2003, p. 708-709
7)
“Art. 8º […]
§1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua previdência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.”
8)
Será obrigatória a instauração e o processamento do segredo de justiça sempre que o interesse público exigir e quando disser respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda dos filhos (art. 155, do CPC).
9)
Até que seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação (art. 223, §3º).
10)
“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
[…]
§4º O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§5º Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.
§6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”
11)
“Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
[…]
VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.”
cap10/10-4-6-2.txt · Última modificação: 2014/10/03 15:44 (edição externa)