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cap10:10-4-7-3

4.7.3. A remissão ministerial


Ao inserir a possibilidade de o Ministério Público extinguir o procedimento para apuração de ato infracional, a Lei nº 8.069/90 almejou sanar os efeitos negativos que o procedimento judicial pudesse acarretar ao adolescente e evitar sua estigmatização – desde que as circunstâncias e as consequências do fato, o contexto social e a personalidade do adolescente assim indiquem (art. 126, caput).

A remissão ministerial, estabelecida nos arts. 126, 201, I, e 180, II, distingue-se da remissão judicial (art. 188 do ECA) por ser conferida antes mesmo de iniciada, motivo pelo qual exige homologação da autoridade judiciária, tal como ocorre com o arquivamento (art. 181 do ECA). No entanto, independentemente da modalidade, a remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes (art. 127 do ECA).

Da mesma forma como ocorre na decisão pelo arquivamento dos autos, a autoridade judiciária poderá discordar da remissão, oportunidade em que remeterá os autos, junto de despacho fundamentado, ao Procurador-Geral de Justiça (art. 181, § 2º).

De igual modo, o Procurador-Geral de Justiça poderá oferecer a representação, designar outro membro do Ministério Público que o faça, ou ratificar a remissão, decisão que se sobrepõe à vontade do Juiz, a que fica obrigado a homologar (art. 181, § 2º, do ECA).

Uma questão, entretanto, é controversa na doutrina e na jurisprudência: embora o art. 127 autorize o Parquet a conceder a remissão mediante cumprimento de uma das medidas previstas no Estatuto, questiona-se se o legislador não teria equivocadamente lhe conferido o poder decisório exclusivo do Poder Judiciário1), com exceção das medidas socioeducativas nas modalidades de colocação em regime de semiliberdade e internação (art. 127).

A discussão era tamanha que ensejou a publicação da Súmula nº 108, do Superior Tribunal de Justiça:

“A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz”.

Apesar da vigência da súmula supracitada, não são raras as decisões em que o próprio Superior Tribunal de Justiça decide de forma contrária, entendendo não haver constrangimento ilegal na remissão cumulada com medida socioeducativa oferecida pelo Ministério Público2).

Ademais, tendo em vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente impôs, em seu art. 181, a necessidade da homologação judicial da remissão ministerial,

“[…] implicitamente afirma que será o Juiz de Direito quem, homologando a transação efetuada, estará aplicando a medida socioeducativa ajustada entre as partes”3).

O TJMG abriga decisões em ambos os sentidos. Vejamos:

”APELAÇÃO CRIMINAL - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - REMISSÃO COMO FORMA DE EXCLUSÃO DO PROCESSO - CUMULAÇÃO COM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Sendo da competência exclusiva do Juiz a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente pela prática de ato infracional, inviável a cumulação destas com a remissão proposta pelo Ministério Público, visto que a imposição das referidas medidas exige respeito ao devido processo legal, para que sejam garantidos os princípios da ampla defesa e do contraditório. TJMG. Processo n.º 1.0024.07.351428-3/002 (1). Relatora: MÁRCIA MILANEZ. Data do Julgamento: 05.05.2009. Data da Publicação: 29.05.2009.
ECA - REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL - SUA CONCESSÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FORMA DE EXCLUSÃO DO PROCESSO - CUMULAÇÃO DA REMISSÃO COM APLICAÇÃO CONDICIONADA DE MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA - VIABILIDADE - ART.127 DO ECA - AUSÊNCIA DE CONFLITO DESTE COM O ART.5º, INC. LIV, DA CF/88 - INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONSEQÜENTE LEGALIDADE E OPORTUNIDADE DA CUMULAÇÃO. Nada impede a cumulação da remissão pré-processual (ECA, art.126) com a aplicação condicionada de medida socioeducativa (ECA, art.127), excetuadas as que impliquem privação de liberdade do menor ou adolescente, cabendo ao Ministério Público conceder a primeira, e, ao Judiciário, homologá-la e aplicar a segunda, -esta de sua competência exclusiva. TJMG. Processo n.1.0035.05.051155-5/001 (1).Relator: HYPARCO IMMESI. Data do Julgamento: 05.07.2007.Data da Publicação: 24.07.2007”.

À semelhança da decisão que homologa o arquivamento, a homologação da remissão é materializada por meio de sentença declaratória confirmativa do ato administrativo executado pelo Ministério Público.

Independentemente das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, é importante ter em mente que a remissão ministerial, quando condicionada ao cumprimento de medida socioeducativa, fica caracterizada como uma proposta, de modo que a concordância do adolescente configura-se como elemento indissociável para sua concretização. Por outro lado, a recusa acarreta no consequente “[…] início do procedimento contencioso com a representação dirigida ao órgão judicial”4).

Caso haja o condicionamento da remissão ao cumprimento de medida socioeducativa, o adolescente deverá necessariamente estar acompanhado de advogado a ele nomeado, caso não tenha constituído defensor. A orientação sobre a remissão deve ser dada ao adolescente e aos seus pais ou responsáveis da forma mais explícita possível; ao contrário de forçar a aceitação da proposta, cabe ao Promotor de Justiça apontar as consequências do ato a ser perpetrado.

O último aspecto para o qual se quer chamar atenção é o caráter facultativo da medida socioeducativa. Diferentemente da pena, o art. 112 do Estatuto dispõe que a autoridade poderá aplicar as medidas. Assim, por vezes, o processo de passagem por uma delegacia de polícia, somado às orientações familiares, já são fatos mais do que suficientes para levar o adolescente a refletir sobre sua conduta sem necessitar cumprir medida socioeducativa.


1)
MORAES, Bianca Mota de; RAMOS, Helane Vieira. A prática do ato infracional. In: MACIEL, Kátia R. F. L. A. (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 770.
2)
Leia as decisões proferidas pelo STJ nos seguintes recursos: Recurso em Habeas Corpus nº 11.099/RJ, da Sexta Turma, publicado no Diário de Justiça de 18 fev. 2002; Recurso Especial nº 226159/SP, da Sexta Turma, publicado no Diário de Justiça de 21ago. 2000. Ainda, no Supremo Tribunal de Justiça, a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 229382, publicada no Diário de Justiça do dia 31 out. 2002.
3)
SARAIVA apud MORAES; RAMOS, 2007, p. 771.
4)
GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. Art. 182. In: CURY, Munir (Coord). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 550.
cap10/10-4-7-3.txt · Última modificação: 2014/10/06 15:32 (edição externa)