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cap10:10-6-10-7

Minuta ACP - efluentes sanitários


EXMO(A). JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE XXXXX/MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelos Promotores de Justiça ao final assinados, com fulcro nos arts. 127, 129, III, e 225, da Constituição Federal, bem como no art. 25, IV, da Lei nº 8.625/93 e na Lei nº 7.347/85, vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR, em face de:

1) MUNICÍPIO DE XXXX, Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, CNPJ nº XXXXX, a ser citado na pessoa do Prefeito Municipal, XXXX, com endereço na Rua XXXXX, e

2) COMPANHIA MINEIRA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS – COPASA/MG (APENAS SE O MUNICÍPIO EM QUESTÃO HOUVER FEITO A CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO), Sociedade de Economia Mista, CNPJ nº xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, Belo Horizonte/MG, em razão dos fatos e direitos a seguir expostos:

1. DOS FATOS

O incluso Inquérito Civil foi instaurado pelo Ministério Público para apurar as circunstâncias do tratamento de esgoto sanitário no Município de XXXX.

Durante as investigações, constatou-se que no município não existe sistema de tratamento do esgoto, sendo que o efluente sanitário é coletado e lançado diretamente nos cursos d’água, conforme laudo pericial de fls. XXX.

Em XX/XX/XXXX, o Município de XXX celebrou um convênio de cooperação e um contrato de concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, com a Companhia Mineira de Saneamento de Minas Gerais – COPASA/MG, conforme docs. de fls. XX/XX. (SE FOR O CASO)

Contudo, conforme a prova pericial coligida, verifica-se que, até a presente data, as obras da estação de tratamento não foram iniciadas. Nem ao menos as licenças ambientais para a instalação da ETE foram obtidas.

De acordo com a Nota Técnica que instrui o incluso Inquérito Civil (fls. XX/XX), a omissão dos réus vem causando sérios prejuízos ao meio ambiente e à saúde da população. Sabe-se que inúmeras doenças graves (SETTI, Arnaldo Augusto et al. Introdução ao Gerenciamento de Recursos Hídricos. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica; Agência Nacional de Águas, 2001. p. 49.) estão relacionadas ao lançamento de esgoto in natura nos corpos hídricos, tais como Amebíase, Leptospirose, Hepatite Infecciosa, Giárdiase, Escabiose e Esquistossomose. Além disso, a destinação inadequada de esgotos sanitários é a principal causadora de poluição das águas superficiais e subterrâneas no Estado de Minas Gerais.

A matéria orgânica eliminada por meio dos esgotos sanitários contribui ainda para a perda de oxigênio da água, em virtude da proliferação de bactérias aeróbicas, causando enormes prejuízos à fauna e à flora (v.g. mortandade de peixes, proliferação de algas, diminuição da atividade fotossintética).

Essa situação poderia ser diferente, caso a COPASA e, de forma solidária, o Município estivem cumprindo o contrato de concessão de serviço público de tratamento de esgoto. (MENÇÃO À EMPRESA CONCESSIONÁRIA SOMENTE SE FOI APLICÁVEL AO CASO CONCRETO)

Diante disso, sem outra alternativa para impedir a perpetuação da atividade lesiva ao meio ambiente e à saúde pública, o Ministério Público vale-se da presente Ação Civil Pública para coibir a prática ilícita e exigir a adequação da destinação do esgotamento sanitário no Município de XXX à legislação em vigor.


2. DOS FUNDAMENTOS

2.1. DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NATURAL

A Constituição da República alçou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado à categoria de direito fundamental e erigiu-o a princípio orientador da ordem econômica e social, impondo ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo, senão vejamos:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I- preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; […]

VII- proteger a fauna e flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetem os animais a crueldade.

§ 3º. as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos.”

No mesmo sentido a Constituição Mineira:

“Art. 214. Todos têm direito a Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e ao Estado e à coletividade é imposto o dever de defendê-lo e conservá-lo para as gerações presentes e futuras. […]

§ 5º - A conduta e a atividade consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão o infrator, pessoa física ou jurídica, a sanções administrativas, sem prejuízo das obrigações de reparar o dano e das cominações penais cabíveis.”

Consoante a lição de Édis Milaré, “ao proclamar o meio ambiente como ‘bem de uso comum do povo’, foi reconhecida sua natureza de ‘direito público subjetivo’, vale dizer, exigível e exercitável em face do próprio Estado, que tem também a missão de protegê-lo”. (Direito do Ambiente. 4. ed. São Paulo: RT, 2005. Pág. 186.)

Isto porque a proteção ao meio ambiente é pressuposto para o atendimento do mais importante dos valores fundamentais: o direito à vida, seja pela ótica da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência (qualidade de vida).

A Constituição Federal inseriu a proteção ao meio ambiente na competência comum de todos os entes federados:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: […]

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas

O art. 2º da Lei nº 6.938/81 elenca, dentre outros, como princípios da Política Nacional do Meio Ambiente a “ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”, bem como o “planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais”.

Já o art. 3º do mesmo diploma legal conceitua poluição, como sendo “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”
.


Dentro deste contexto, a Resolução CONAMA nº357, de 17 de março de 2005, que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, além de estabelecer as condições e padrões de lançamento de efluentes, estatui:

“Art. 24. Os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados, direta ou indiretamente, nos corpos de água, após o devido tratamento e desde que obedeçam às condições, padrões e exigências dispostos nesta Resolução e em outras normas aplicáveis.”

“Art. 25. É vedado o lançamento e a autorização de lançamento de efluentes em desacordo com as condições e padrões estabelecidos nesta Resolução.”

Em complementação, a Resolução do CONAMA n° 430/2011, dispõe:

“Art. 4º - Para efeito desta Resolução adotam-se as seguintes definições, em complementação àquelas contidas no art. 2º da Resolução CONAMA no 357, de 2005: […] VII - Esgotos sanitários: denominação genérica para despejos líquidos residenciais, comerciais, águas de infiltração na rede coletora, os quais podem conter parcela de efluentes industriais e efluentes não domésticos.”

“Art. 7º - O órgão ambiental competente deverá, por meio de norma específica ou no licenciamento da atividade ou empreendimento, estabelecer a carga poluidora máxima para o lançamento de substâncias passíveis de estarem presentes ou serem formadas nos processos produtivos, listadas ou não no art. 16 desta Resolução, de modo a não comprometer as metas progressivas obrigatórias, intermediárias e final, estabelecidas para enquadramento do corpo receptor.”

“Art. 11 - Nas águas de classe especial é vedado o lançamento de efluentes ou disposição de resíduos domésticos, agropecuários, de aquicultura, industriais e de quaisquer outras fontes poluentes, mesmo que tratados.”



2.2. DO SANEAMENTO BÁSICO

O art. 2º da Lei nº 11.445/07 (Política Nacional de Saneamento Básico), estabelece que os serviços públicos de saneamento básico serão prestados em observância aos princípios fundamentais: “integralidade, compreendida como conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados” e “abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente”.

O art. 3º da mencionada lei dispõe que:

“Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de: […]

b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente.”

No mesmo sentido, a Lei Estadual nº 11.720/94 (Política Estadual de Saneamento Básico), estabelece como um de seus objetivos assegurar a proteção da saúde da população e a salubridade ambiental urbana e rural, estabelecendo que:

“Art. 2º - Para os efeitos desta lei, considera-se:

I - salubridade ambiental o conjunto de condições propícias à saúde da população urbana e rural, quanto à prevenção de doenças veiculadas pelo meio ambiente e à promoção de condições mesológicas favoráveis ao pleno gozo da saúde e do bem-estar;

II - saneamento básico o conjunto de ações, serviços e obras que visam a alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental por meio de:

a) abastecimento de água de qualidade compatível com os padrões de potabilidade e em quantidade suficiente para assegurar higiene e conforto;
b) coleta e disposição adequada dos esgotos sanitários.”

“Art. 3º - A execução da política estadual de saneamento básico, disciplinada nesta lei, condiciona-se aos preceitos consagrados pela Constituição do Estado, observados os seguintes princípios:

I - direito de todos ao saneamento básico;

II - autonomia do município quanto à organização e à prestação de serviços de saneamento básico, nos termos do art. 30, V, da Constituição Federal.”

Da simples leitura dos dispositivos transcritos conclui-se que todos tem direito ao saneamento básico, que compreende não apenas abastecimento de água potável, mas também coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente.

Vale dizer, o saneamento básico, por estar diretamente conectado às condições de higiene e saúde, é um direito fundamental e inalienável de todo cidadão. Como salienta o Juiz Federal Nivaldo Brunoni (A tutela das águas pelo município. In: Águas, aspectos jurídicos e ambientais. FREITAS, Vladimir Passos de (Coord). 2 ed. Curitiba: Juruá. 2002. p. 85.), os investimentos de saneamento básico que forem efetuados redundarão em economia na área da saúde pública e, com a política de municipalização do SUS adotada pelo governo federal, intensifica-se ainda mais a incumbência do poder público local em reverter as distorções e as deficiências no setor.

Sobre o tema, José Roberto Guedes de Oliveira e Valdir Aparecido Alves, esclarece:

“A água é elemento químico essencial para o desenvolvimento da vida humana e de outros seres, podendo dizer que a água poluída não resulta em equilíbrio ecológico, pois não apresenta características essenciais ao ecossistema. Nesse contexto, não há também qualidade de vida, pois as alterações dos padrões normais fere a vida biológica na qual o homem está inserido, trazendo certas patologias indesejadas pelo ser humano. Como já foi citado, cerca de 80 das patologias que atingem o homem, são contraídas através da água.” (Meio Ambiente Natural. Disponível em: http://www.cnrh-srh.gov.br/artigos/mambiente_nat_guedes.html. Acesso em: 29 de mar. 2012).

Em Minas Gerais, desde 20 de janeiro de 1960, a Lei Estadual nº 2.126 proíbe expressamente o lançamento de efluentes sanitários brutos em qualquer corpo hídrico, in verbis:

“Art. 1º - Fica proibido, a partir da data da publicação desta Lei, em todo o território do Estado de Minas Gerais, lançar nos cursos de água - córregos, ribeirões, rios, lagos, lagoas e canais, por meio de canalização direta ou indireta, de derivação ou de depósito em local que possa ser arrastado pelas águas pluviais ou pelas enchentes, sem tratamento prévio e instalações adequadas, qualquer resíduo industrial em estado sólido, líquido ou gasoso, e qualquer tipo de esgoto sanitário proveniente de centro urbano ou de grupamento de população.

Art. 2º - Após o tratamento, os resíduos industriais ou esgotos sanitários podem ser lançados nos cursos de águas, desde que apresentem as seguintes características, verificadas mediante testes e provas de laboratório: a) oxigênio dissolvido - igual ao do curso de água; b) demanda bioquímica de oxigênio - igual à do curso de água; c) sais minerais dissolvidos em suspensão, ou precipitados, nas mesmas condições e proporções em quem os contiver o curso de água, in natura.

Art. 3º - Os infratores desta Lei incorrerão na multa de Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros) e, no caso de reincidência, na proibição de funcionamento do estabelecimento até que sejam feitas as instalações de tratamento necessárias.

Art. 4º - As Prefeituras Municipais, cujas sedes contem mais de 10.000 habitantes, terão o prazo de um ano, a contar da data da publicação da presente Lei, para providenciar o tratamento de esgotos sanitários provenientes do centro urbano.

Parágrafo único. Os grupamentos de população inferior a 10.000 habitantes terão o prazo de dois anos para satisfazer as exigências desta Lei.”

Também merece destaque as disposições da Lei Estadual nº 13.317/99 (Código Estadual de Saúde), que reforça a obrigatoriedade de tratamento dos efluentes sanitários:

“Art. 48. A construção considerada habitável será ligada à rede coletora de esgoto sanitário.

§ 1º Quando não houver rede coletora de esgoto sanitário, o órgão prestador do serviço indicará as medidas técnicas adequadas à solução do problema.

§ 2º As medidas individuais ou coletivas para tratamento e disposição de esgotamento sanitário atenderão às normas técnicas vigentes.”

“Art. 49. O sistema público de coleta de esgoto tratará o esgoto coletado antes de lançá-lo em curso de água.

Parágrafo único. É vedado o lançamento de esgoto sanitário em galeria ou rede de águas pluviais.”

Verifica-se que a legislação mineira considera o saneamento básico como serviço público essencial, por estar diretamente ligado à saúde e ao meio ambiente. Na verdade, são serviços urbanos fundamentais, uma vez que estão intimamente ligados aos direitos à vida, à moradia digna, à saúde, ao meio ambiente, e à própria dignidade da pessoa humana.

Sob essa ótica, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais vem reiteradamente reconhecendo a obrigação do município e da concessionária (SE FOR O CASO) de adotar todas as medidas cabíveis para tratar o efluente sanitário. Vejamos:

“CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO - DEGRADAÇÃO AMBIENTAL - REALIZAÇÃO DE OBRA - DEVER CONSTITUCIONAL MUNICIPAL - DIREITO DIFUSO - OFENSA AO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DE PODERES E À CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL - INOCORRÊNCIA - REEXAME NECESSÁRIO - NÃO CABIMENTO. […] Diante da incontroversa poluição promovida pelo Município aos cursos d'água que deságuam em grande reservatório que serve às comunidades ribeirinhas, impõe-se obrigar o ente público a construir estação de tratamento do esgoto por ele produzido, como providência mínima constitucionalmente exigida a fim de se coibir atuação danosa ao meio ambiente. 3 - Remessa oficial não conhecida e recurso voluntário não provido.” (AC N° 1.0702.06.326626-7/003, Rel. Des. Edgard Penna Amorim, 8ª C. Cível, j. 20/25/2010, p. 24/08/2010).

“REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. SANEAMENTO. TRATAMENTO DE ESGOTO. RESPONSABILIDADE. PODER PÚBLICO. A Lei n° 7.347/85, em seu art. 5°, permite a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público, inclusive com a instauração de inquérito civil, quando se verificar a existência de danos ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e terá por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Ao Poder Público cabe a implantação de saneamento básico a toda população, responsabilizando-se, além do fornecimento de água, pelo tratamento dos efluentes, evitando que o esgoto sanitário atinja rios e nascentes, perpetuando os recursos naturais para as próximas gerações.” (AC N° 1.0112.04.050392-5/002, Rel. Des. Antônio Sérvulo, 6ª C. Cível, j. 24/10/2006, p. 09/11/2006).

“CONSTITUCIONAL. OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. DETERMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA CUMPRIMENTO DE DEVER CONSTITUCIONAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DE PODERES E À CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. No microssistema da tutela ambiental impõe-se, em virtude dos princípios da precaução e preservação, uma atuação preventiva do Poder Judiciário, de forma a evitar o dano ao meio ambiente, pois este, depois de ocorrido, é de difícil ou impossível reparação. Por tal motivo que, nas ações que envolvam o meio-ambiente, o uso da tutela antecipada se legitima ainda mais. A omissão do Município de Luz em tratar adequadamente do lançamento de esgotos e derivados, no Córrego do Açudinho, importa em flagrante violação ao meio ambiente e, por conseqüência, ao direito fundamental à saúde e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. O meio ambiente, como um bem extraordinariamente relevante ao ser humano, é tutelado pela Constituição Federal. Assim, é dever inafastável do Estado empreender todos os esforços para a sua tutela e preservação, sob pena de violação ao art. 225 da CF. O Poder Judiciário, no exercício de sua alta e importante missão constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo Municipal o cumprimento da disposição constitucional que garante a preservação do meio ambiente, sob pena de não o fazer, compactuar com a degradação ambiental e com piora da qualidade de vida de toda sociedade. A judicialização de política pública, aqui compreendida como implementação de política pública pelo Poder Judiciário, harmoniza-se com a Constituição de 1988. A concretização do texto constitucional não é dever apenas do Poder Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário. É certo que, em regra a implementação de política pública, é da alçada do Executivo e do Legislativo, todavia, na hipótese de injustificada omissão, o Judiciário deve e pode agir para forçar os outros poderes a cumprirem o dever constitucional que lhes é imposto. […]”. (AGRAVO Nº 1.0388.04.004682-2/001 – REL. DESª. MARIA ELZA – J. 21/10/2004).

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. CONDENAÇÃO DA COPASA E DO MUNICÍPIO DE CORAÇÃO DE JESUS ÀS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER. APELAÇÃO DA COPASA, NO QUE TANGE À OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER (NÃO LANÇAR O ESGOTO NO CÓRREGO CANABRAVA, ANTES DE TOMAR AS DEVIDAS PRECAUÇÕES). APELANTE ALEGA IMPOSSIBILIDADE DE EFETUAR O LANÇAMENTO EM OUTRO LOCAL, ANTES DE SER CRIADA A ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO. É INEGÁVEL O DANO AMBIENTAL SE A REDE COLETORA CONTINUAR FUNCIONANDO SEM A CONSTRUÇÃO DA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO - ETE. A COPASA E O MUNICÍPIO SÃO RESPONSÁVEIS PELA IMPLANTAÇÃO DE UM CORRETO SISTEMA DE ESGOTAMENTO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO”. (TJMG - APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.337425-3/000 –REL. DES. RONEY OLIVEIRA – J. 20/11/2003).

No mesmo sentido orienta-se o Tribunal Regional da 4ª Região:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. PRAZOS PARA PROJETO E IMPLANTAÇÃO DE REDE COLETORA E ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO Mantêm-se os prazos fixados pelo decisum dizendo com a apresentação de projeto e início da implantação de rede coletora e de estação de tratamento de esgoto mostrando-se razoáveis. Os altos níveis de poluição, a ausência de medidas eficazes da municipalidade e do serviço público de saneamento básico, bem como a falta de sistema de coleta e de tratamento do esgoto sanitário, exigem interferência judicial para defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” (TRF 4ª Região – AI 200404010207990 – SC – j. 05/04/2006 – Rel. Des. Amaury chaves de Athayde)

Sobre o tema, Wallace Paiva Martins Júnior (MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Despoluição das Águas. Revista dos Tribunais, vol. 720, p. 58-72.) leciona que:

“Compelir o Município a obrigação de não fazer consistente na cessação da atividade nociva à qualidade de vida, de despejo de efluentes ou esgotos domésticos in natura nas águas, ou de obrigação de fazer consistente na prestação de atividade devida, de efetuar o lançamento desses esgotos submetidos ao prévio tratamento e na conformidade dos padrões ambientais estabelecidos é, em última análise, impor-lhe o dever de cumprimento da lei, de preservação do ambiente e de combate a prevenção à poluição para cessar atividade nociva ao meio ambiente e prestar atividade devida decorrente de lei.

Depara-se a questão diante do poder-dever vinculado, não de uma opção administrativa discricionária porque o ordenamento jurídico é enfático ao exigir da administração pública a realização de um dado ato, de conteúdo (objeto) explícito na norma, seja por prestação negativa (abster-se de poluir), seja por prestação positiva (submeter a prévio tratamento), que, em resumo, fundem-se numa única e prioritária preocupação material de evitar a poluição das águas.”

O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu expressamente que a obrigação de implantar o sistema de tratamento de esgoto é solidária entre a concessionária e o poder concedente, in verbis: (SE NO CASO CONCRETO HOUVER A CONCESSÃO DO SERVIÇO)

“DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL - ARTIGOS 23, INCISO VI E 225, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO - SOLIDARIEDADE DO PODER CONCEDENTE - DANO DECORRENTE DA EXECUÇÃO DO OBJETO DO CONTRATO DE CONCESSÃO FIRMADO ENTRE A RECORRENTE E A COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP (DELEGATÁRIA DO SERVIÇO MUNICIPAL) - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO POR ATO DE CONCESSIONÁRIO DO QUAL É FIADOR DA REGULARIDADE DO SERVIÇO CONCEDIDO - OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO DA BOA EXECUÇÃO DO CONTRATO PERANTE O POVO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. I - O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou “convênio” para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho. II - Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do poder concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões (Lei n.º 8.987 de 13.02.95), mas objetiva e, portanto, solidária com o concessionário de serviço público, contra quem possui direito de regresso, com espeque no art. 14, § 1° da Lei n.º 6.938/81. Não se discute, portanto, a liceidade das atividades exercidas pelo concessionário, ou a legalidade do contrato administrativo que concedeu a exploração de serviço público; o que importa é a potencialidade do dano ambiental e sua pronta reparação.” (REsp. 28222/SP - 1992/0026117-5, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. Ac. Min. Nancy Andrighi, T2 Segunda Turma STJ, j. 15/02/2000, pub. 15/10/2001 DJ. p. 253).

Diante da farta normatização (estadual e federal) que proíbe expressamente o lançamento de esgoto sanitário in natura em cursos d’água, aliada aos inúmeros precedentes jurisprudenciais que reconhecem a gravidade do problema, os requeridos devem ser compelidos a interromper o lançamento de esgoto sanitário bruto em quaisquer cursos d’água, devendo implantar imediatamente sistema de tratamento adequado.


2.3. DA INDENIZAÇÃO PELOS CUSTOS DA PERÍCIA

Com fundamento no princípio do poluidor-pagador, deve ser imposta aos réus a obrigação de ressarcir os valores correspondentes ao custo da realização da perícia pelo Ministério Público, que, conforme planilha de fl. XX, perfaz a quantia de R$ XXX.

O dever do causador do dano de custear a realização de perícia elaborada pelo Ministério Público já foi expressamente reconhecido em várias decisões do TJMG, merecendo destaque o voto do Des. Elias Camilo, que, no julgamento da Apelação Cível nº 1.0183.07.127674-9/001, manifestou nos seguintes termos:

”[…] Passando adiante, tenho também merecer reforma o decisum vergastado quanto ao ressarcimento das custas com a realização da perícia técnica pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente - CAOMA, elaborado para fins de instrução do Inquérito Civil Público que deu origem a presente demanda. Isso porque, ao contrario do afirmado, restou devidamente comprovado o valor despendido pelo Ministério Público na elaboração do referido laudo, conforme formulário de f. 245 do inquérito civil apenso, qual seja, R$130,84 (cento e trinta reais e oitenta e quatro centavos), impondo-se, portanto, a procedência do pedido inicial de condenação do apelado ao pagamento de tais despesas […]

O mesmo entendimento foi consignado na seguinte decisão:

“[…] condenação ao ressarcimento, pelo vencido, do custo de realização de vistoria e confecção do laudo em sede de inquérito civil público deve ser mantida, na medida em que o art. 20, §2º, do CPC, prevê o pagamento todas as despesas que o autor antecipou para o ajuizamento da ação, sendo certo, por outro lado, que os municípios são isentos do adiantamento de custas, mas não do reembolso das despesas adiantada.” (TJMG; APCV-RN 3181938-98.2009.8.13.0105; Governador Valadares; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Maurício Barros; Julg. 31/01/2012; DJEMG 10/02/2012).


3. DO PEDIDO LIMINAR

Diante do quadro fático exposto e das relevantes razões jurídicas deduzidas, imperiosa se faz a concessão de liminar, impondo-se aos réus a obrigação solidária de adotar imediatamente todas as medidas necessárias para implantar e colocar em funcionamento sistema de tratamento do esgoto sanitário do Município de XXX, pois estão presentes os requisitos insertos no art. 12 da Lei n° 7.437/85 c/c art. 84, §§ 3o e 4o da Lei 8.078/90.

Os fatos alegados encontram-se cabalmente demonstrados pelo conjunto probatório carreado aos autos, mormente pelo laudo pericial, pela Nota Técnica e pelas informações prestadas pelos próprios réus.

O fumus boni iuris decorre de toda legislação invocada, dos princípios orientadores do Direito Ambiental e Sanitário, dos inúmeros acórdãos citados, bem como do conjunto probatório que acompanha a inicial, os quais não deixam dúvidas quanto à ilegalidade da conduta praticada pelos réus.

Basta uma análise perfunctória dos fatos narrados e do direito aviventado para concluir que o procedimento adotado pelos réus para destinar o esgoto do município é manifestamente degradante ao meio ambiente e à saúde da população.

O comportamento aqui refutado, se não coibido com rapidez e rigor, não causará apenas danos ambientais graves, contaminando a água e o solo, mas também comprometerá a saúde da população.

E é justamente deste argumento que decorre o receio de ineficácia do provimento jurisdicional final (periculum in mora).

Vale dizer, o lançamento de esgoto sanitário in natura, sem qualquer tipo de tratamento prévio, forma arcaica e condenável, acarreta a contaminação das águas superficiais e subterrâneas, causando sérios prejuízos à fauna e à flora. Além disso, constitui perigoso foco de disseminação de doenças graves.

Logo, se a situação persistir, danos irreversíveis poderão advir para a saúde da população e para o meio ambiente.

Diante do exposto, requer seja concedida, com fundamento no art. 12 da Lei n° 7.437/85 c/c art. 84, §§ 3o e 4o da Lei 8.078/90, MEDIDA LIMINAR a fim de compelir os réus a implantar sistema de tratamento do esgoto sanitário do Município de XXXX, a ser operado de acordo com as normas ambientais pertinentes, além de interromper o lançamento de efluentes sanitários in natura em quaisquer cursos d’água.


4. DOS PEDIDOS

Ante o exposto, o Ministério Público requer:

4.1) A concessão da medida liminar, a fim de compelir os réus, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a solidariamente:

4.1.1) Adotar todas as medidas necessárias para a obtenção das licenças ambientais do sistema de tratamento do esgoto sanitário.

4.1.2) Implantar o sistema de tratamento do esgoto sanitário do Município de XXXX, e, em seguida, iniciar suas atividades, dando a destinação adequada aos efluentes sanitários, mediante o cumprimento das exigências legais e de todas as condicionantes fixadas pelo órgão ambiental competente.

4.1.3) Interromper o lançamento de efluentes sanitários, sem tratamento prévio, no solo e nos cursos d’água.

4.1.4) Para garantir o cumprimento da liminar, requer seja fixada multa cominatória diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais), a ser revertida para o FUNDIF – Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos (Banco do Brasil S/A – n° 001, Agência nº 1615-2, Conta Corrente n° 7175-7), criado pela Lei Estadual nº 14.086/2008 e regulamentado pelo Decreto nº 44.751/08.

4.2) Seja determinada a citação dos réus, nos termos e para os fins legais;

4.3) Ao final, seja confirmada a liminar e julgados procedentes os pedidos, a fim de se condenar os réus a solidariamente, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias:

4.3.1. Adotar todas as medidas necessárias para a obtenção das licenças ambientais do sistema de tratamento do esgoto sanitário.

4.3.2. Implantar o sistema de tratamento do esgoto sanitário do Município de XXXX, iniciar suas atividades, dando a destinação adequada aos efluentes sanitários, mediante o cumprimento das exigências legais e de todas as condicionantes fixadas pelo órgão ambiental competente.

4.3.3. Interromper o lançamento de efluentes sanitários, sem tratamento prévio, no solo e nos cursos d’água.

4.3.4. Para garantir o cumprimento da sentença, requer seja fixada multa cominatória diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais), a ser revertida para o FUNDIF – Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos (Banco do Brasil S/A – n° 001, Agência n° 1615-2, Conta Corrente n° 7175-7), criado pela Lei Estadual nº 14.086/2008 e regulamentado pelo Decreto n.º 44.751/08.

4.3.5. Pagar o valor de R$ XXXX, em favor do Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais - FUNEMP, conta corrente 6167-0, Ag. 1615-2, Banco do Brasil S/A, para ressarcir os gastos com a perícia realizada no Inquérito Civil.

4.4) A condenação dos réus ao pagamento dos honorários periciais e outras despesas necessárias para a instrução do processo;

4.5) A produção de todos os meios de prova admitidos, especialmente testemunhal, pericial, depoimento pessoal dos representantes legais dos réus e juntada de novos documentos, pugnando, desde já, pela inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII c/c art. 117, ambos da Lei nº. 8.078/90.

Atribui-se à causa o valor de R$XX.000.000,00 (XX milhões de reais).

Feito isento de custas, nos termos do artigo 18 da Lei n° 7.347/85.

XXXXXX

Promotor de Justiça


cap10/10-6-10-7.txt · Última modificação: 2015/03/20 14:03 (edição externa)