Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


cap10:10-7-4

7.4. Remunerações dos dirigentes e seus reflexos no gozo de imunidade fiscal


As entidades de interesse social adotam, quase por unanimidade, a regra da não remuneração de seus dirigentes, fazendo-o por três razões básicas, expendidas com precisão por José Eduardo Sabo Paes:

“A primeira decorre da própria natureza jurídica dessas instituições, das finalidades lícitas e sociais que perseguem e da ausência de lucro em suas atividades. A segunda, em razão da forma protagonizada pelas pessoas que, voluntária e gratuitamente, dedicam seu tempo e talento a essas entidades como associados, dirigentes ou conselheiros. A terceira, porque existe vedação expressa, contida nas exigências para concessão do título de utilidade pública, àquelas sociedades civis (abolidas pelo Código Civil vigente), associações e fundações que sirvam desinteressadamente à comunidade […], cujos diretores não sejam remunerados nem recebam vantagens 1).”

Não há, conforme preleciona o jurista, vedação legal à remuneração de administradores de organizações sociais2). Contudo, o resultado dessa prática é o óbice à obtenção de títulos e certificações (v. g., arts. 1º, “c”, Lei nº 91/1935 e 2º, “d”, Decreto nº 50.517/1961).

Muito se discute quanto à imprescindibilidade de tais qualificações para o gozo do benefício imunitório previsto no art. 195, § 7º, da Constituição da República.

Verificam-se, de fato, substanciosos pronunciamentos judiciais a condicionar o reconhecimento de determinada entidade como beneficente de assistência social, para fins imunitórios, à detenção de certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), consoante prescrição dos arts. 29, caput, da Lei nº 12.101/09 e 40, caput, de seu Decreto regulamentador (nº 7.237/10):

“[…] 2. Havendo dúvida, inclusive em razão de precedentes divergentes entre si do STF, sobre se o § 7º do art. 195 da CF/88 deve ser regulamentado por lei ordinária ou por lei complementar, deve-se interpretar tal dispositivo à luz do princípio da especialidade, de modo que, se nele foi instituída imunidade, e não isenção, consoante precedentes da mesma Excelsa Corte, mas a ser gozada pelas entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei’, deve-se entender bastante a lei ordinária, e, nesse caso, está ele regulamentado, atualmente, pelo art. 55 da Lei 8.212/913), em sua redação anterior à da Lei 9.732, de 11.12.98, em face da suspensão, na ADI 2028/DF, das alterações por ela introduzidas […] 4)5).”

“TRIBUTÁRIO, CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO – EXIGÊNCIA DE CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA GOZO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – CABIMENTO. 1. O mandado de segurança é remédio de natureza constitucional que visa a proteção de direito líquido e certo, exigindo a constatação de plano do direito alegado, e, por ter rito processual célere, não comporta dilação probatória. 2. Sem a apresentação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social não se comprova direito líquido e certo ao reconhecimento de imunidade tributária. 3. Além do mais, o mandado de segurança não se presta a demonstrar a existência dos requisitos necessários ao reconhecimento da imunidade tributária, pois isso requer dilação probatória, que é incabível em sede de mandado de segurança. 4. O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social é previsto no art. 55, II, da Lei nº 8.212/91[60] e encontra-se em consonância com os ditames constitucionais, como já decidiu o STF no RE-AgR 428815/AM, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, publicado no DJ de 24.6.2005. […] 6).”

Em sentido diametralmente oposto, professando que limitações constitucionais ao poder de tributar somente podem ser reguladas por lei complementar – natureza da qual não se revestem os atos normativos de que deriva a exigência do CEBAS –, orienta-se a doutrina amplamente majoritária, além de respeitável jurisprudência:

“A referida lei só pode ser complementar (nunca ordinária), justamente porque vai regular uma imunidade tributária, que é uma limitação constitucional ao poder de tributar. Ora, com já vimos, as limitações constitucionais ao poder de tributar, nos termos do artigo 146, II, da Constituição Federal, somente podem ser reguladas por meio de lei complementar 7).”

“IMUNIDADE. ARTIGO 195, PARÁGRAFO 7º DA CARTA MAGNA/88. REQUISITOS. ARTIGO 14 DO CTN. HONORÁRIOS. Embora o parágrafo 7º do artigo 195 da CF/88 mencione isenção, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn nº 2.028-5, de 14.07.1999, reconheceu como verdadeira ‘imunidade’ o benefício ali previsto. O comando previsto no parágrafo 7º, artigo 195 da CF/88 remete à lei o estabelecimento das exigências legais para a concessão do benefício da imunidade. A imunidade só pode ser concedida pela Constituição, sendo exigido, para o estabelecimento dos requisitos à sua concessão, lei complementar, como estatuído no artigo 146 da Carta Política, pois a ela cabe regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (CF, art. 146, II). Desta forma, os requisitos estabelecidos para a fruição da imunidade não são aqueles dispostos no artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, mas sim no Código Tributário Nacional, artigo 14, porquanto o mesmo possui força de lei complementar 8).”

Independentemente da posição que se adote9), são inegáveis os inconvenientes a serem suportados pela entidade caso venha a remunerar seus dirigentes. Na mais otimista das visões, ver-se-á impelida a buscar, judicialmente, o reconhecimento da prerrogativa imunitória10), haja vista a tendência da autoridade fazendária de adotar o entendimento restritivo quanto ao gozo da imunidade.


1)
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. 6. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 363
2)
Ao contrário, a Lei nº 9.790/1999 admite, de forma expressa, a remuneração de dirigentes de entidades qualificadas como OSCIP que “atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação” (art. 4º, VI).
3)
Dispositivo revogado pela Lei nº 12.101/09, mantendo-se, todavia, a exigência legal de CEBAS, a teor do art. 29, caput, da norma revogadora.
4)
BRASIL. Tribunal Regional Federal. Primeira Região. Agravo de Instrumento nº 200601000208256, Sétima Turma, Rel. Des. Antônio Ezequiel da Silva, DJ, 28 mar. 2008
5)
Em idêntico sentido, súmula nº 144 da jurisprudência predominante do extinto Tribunal Federal de Recursos, editada em 22/11/1983: “Para que faça jus a isenção da quota patronal relativa as contribuições previdenciárias, e indispensável comprove a entidade filantrópica ter sido declarada de utilidade pública por Decreto federal”.
6)
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança, nº 22.237/DF, Primeira Seção. Relator: Min. Humberto Martins, DJ, 05 maio 2008
7)
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 766
8)
BRASIL. Tribunal Regional Federal. Quarta Região. Apelação Cível nº 2000.04.01.027274-4/RS. Relator: Des. Vilson Darós, DJ, 08 nov. 2000
9)
Pessoalmente, perfilhamos a segunda vertente.
10)
Os riscos inerentes a toda querela forense majoram-se, in casu, diante da controvérsia jurisprudencial acerca do tema.
cap10/10-7-4.txt · Última modificação: 2014/08/11 13:54 (edição externa)