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cap2:2-1-3

1.3. O Ministério Público e a nova "summa divisio"


A summa divisio Direito Público e Direito Privado não foi recepcionada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A summa divisio constitucionalizada no país é Direito Coletivo e Direito Individual. O texto constitucional de 1988 rompeu com a summa divisio clássica ao dispor, no Capítulo I do Título II — Dos Direitos e Garantias Fundamentais, sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos1).

Para o novo constitucionalismo democrático, os direitos e as garantias constitucionais fundamentais contêm valores que devem irradiar todo o sistema jurídico, de forma a constituírem a sua essência e a base que vincula e orienta a atuação do legislador constitucional, do legislador infraconstitucional, do administrador, da função jurisdicional e mesmo do particular. Com base nessas premissas, no contexto do sistema jurídico brasileiro, a dicotomia Direito Público e Direito Privado não mais se sustenta. Outros argumentos de fundamentação, tanto no viés constitucional quanto no aspecto teórico, dão embasamento a essa assertiva.

Apesar da autonomia metodológica e principiológica do Direito Coletivo brasileiro, não sustentamos a sua interpretação na condição de novo ramo do Direito, bem como não entendemos que o Direito Individual, que compõe a outra dimensão da summa divisio constitucionalizada no País, seja outro ramo do Direito. Na verdade, o Direito Coletivo e o Direito Individual formam a summa divisio consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No Direito Coletivo existem ramos do Direito, tais como o Direito do Ambiente, o Direito Coletivo do Trabalho, o Direito Processual Coletivo e o próprio conjunto, em regra, do que é denominado de Direito Público, que estaria abarcado pelo Direito Coletivo, existindo, contudo, exceções. Da mesma forma, no Direito Individual há vários ramos do Direito, como o Direito Civil, o Direito Processual Civil, o Direito Individual do Trabalho, o Direito Comercial, etc.

O Estado Democrático de Direito, na hipótese, especialmente o brasileiro (art. 1º da CF/88), está inserido na sociedade2), regido pela Constituição, com a função de proteção e de efetivação tanto do Direito Coletivo quanto do Direito Individual. É um Estado, portanto, da coletividade e do indivíduo ao mesmo tempo3). Com isso, conclui-se que existem dimensões do que é denominado, pela concepção clássica, de Direito Público também no Direito Individual, como é o caso do Direito Processual Civil, de concepção individualista4).

O Direito Coletivo e o Direito Individual formam dois grandes blocos do sistema jurídico brasileiro, integrados por vários ramos do Direito. Entretanto, o Direito Constitucional está acima, no topo da nova summa divisio constitucionalizada, já que representa o ponto de união e de disciplina da relação de interação entre esses dois grandes blocos. A Constituição, que estrutura o objeto formal do Direito Constitucional, é composta tanto de normas, garantias e princípios de Direito Coletivo quanto de normas, garantias e princípios de Direito Individual.

Ademais, a visão atual em torno do acesso à Justiça e da efetividade dos direitos, atrelada ao plano da titularidade, confirma a nova summa divisio adotada na CF/88. A titularidade e a proteção estarão sempre relacionadas a direito individual ou a direito coletivo amplamente considerados5).

O Ministério Público atua na defesa da Constituição e dos dois planos da nova summa divisio. Além de guardiã da Constituição, na sua condição de Lei Fundamental da ordem jurídica, a Instituição Ministerial atua na defesa de todos os direitos coletivos em geral, bem como na defesa dos direitos individuais indisponíveis (art. 127, caput, e art. 129, III, da CF/88).

Com base na nova summa divisio constitucionalizada no Brasil, especialmente em razão da inserção dos direitos coletivos no plano dos direitos fundamentais (Título II, Capítulo I, da CF/88), é que poderemos desenvolver e sedimentar um constitucionalismo brasileiro que sirva de modelo para outros países6).


1)
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
2)
No mesmo sentido, sustentando que o dualismo clássico (Estado e sociedade) não subsiste no Estado Democrático de Direito, vale conferir o que diz Zippelius: “A distinção entre Estado e sociedade provém de uma época histórica durante a qual a centralização do poder político na mão de um soberano absoluto e respectiva burocracia dava origem à novação de que o Estado constituía uma realidade autônoma em face à sociedade”. ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Trad. António Cabral de Moncada. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Culbbenkian, 1984. p. 158.
3)
Conferir Zippelius: “[…] no processo de formação da vontade estadual cada indivíduo surge, perante os outros, na posição de igual e livre. Mas a orientação do Estado não tem de ser marcada pelo egoísmo dos interesses particulares que domina a vida social, mas em vez disso — deve-se concluir — pelo justo equilíbrio daqueles interesses”. (ZIPPELIUS, 1984, p. 159.).
4)
É inquestionável que a Constituição contém tanto normas de Direito Público quanto de Direito Privado e, assim, não é tecnicamente nem metodologicamente adequado o enquadramento do Direito Constitucional como um dos capítulos do Direito Público, conforme o faz a summa divisio clássica.
5) , 6)
ALMEIDA, 2008.
cap2/2-1-3.txt · Última modificação: 2014/12/10 17:13 (edição externa)