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cap2:2-1-7

1.7. Teoria Crítica do Direito: a diretriz filosófica mais adequada para amparar a atuação do Ministério Público como instituição constitucional de transformação social


Teoria Crítica do Direito e vertentes do pensamento crítico


A teoria crítica do Direito é um movimento de pensamento aberto e composto de várias correntes teóricas que têm, como causa comum, a apresentação de uma concepção emancipadora em torno do Direito, de forma a desmistificar outras concepções teóricas que representem a manutenção de uma realidade socialmente injusta ou possam provocar retrocessos em relação às conquistas democráticas da sociedade ou possam impedir a evolução do processo democrático de mudanças sociais1).

Ao escrever sobre as vertentes do pensamento crítico, diz Luiz Fernando Coelho que a teoria crítica do Direito não pretende ser inovadora. Sua finalidade é o redirecionamento e mesmo a reunificação dos esforços e das empreitadas que foram realizados em diferentes campos do conhecimento, os quais levam, de modo lento, mas seguro, ao núcleo do pensamento crítico: adesão ao real, descoberta da verdade pela recusa de negar, distorcer ou omitir a realidade. Essa ruptura com o senso comum teórico, levada a efeito pela dialética da participação, não representa um salto quantitativo do formalismo ao concretismo, do idealismo ao realismo, do metafísico ao histórico, mas o longo processo de construção teórica, composto de várias etapas importantes para a formação da teoria crítica do direito, sendo que as categorias com que ela trabalha foram constituídas no plano de um contexto interdisciplinar cujo ponto de convergência é uma visão crítica da sociedade. Afirma Coelho que a seleção das vertentes da teoria crítica do Direito pode conduzir ao risco da omissão, mas as principais concepções que influenciaram a construção do pensamento jurídico crítico estariam situadas no campo da epistemologia, da semiologia, da sociologia e da psicanálise, sem excluir os antecedentes no campo da própria jusfilosofia2).

A epistemologia crítica propôs-se responder à necessidade de um novo paradigma, capaz de combater e ultrapassar os obstáculos relativos à objetividade das ciências sociais, de forma a contribuir para a solução dos grandes problemas da humanidade, muitos relacionados a uma neutralidade científica falsa. Assim, como esclarece Luiz Fernando Coelho, a epistemologia passa a constituir a vertente do pensamento crítico em dois momentos. O primeiro, com o questionamento sobre a pretensão de verdade estabelecida no paradigma neopositivista3). O segundo, por intermédio da constatação de que o critério da objetividade simplesmente elidia os significados brotados da produção social que não pudessem ser reduzidos ao plano de uma objetividade empírica ou analítica, mas não tinha o condão de destruí-la como verdade4).

A constatação de que as interações sociais são envolvidas pela expressão comunicativa foi fundamental para o pensamento crítico. A dimensão comunicativa do existir humano passou a ser enfatizada pela filosofia contemporânea e, com isso, conferiu à linguagem e à comunicação social espaço privilegiado, causando uma revolução linguística. É o que muito bem ressalta Luiz Fernando Coelho, destacando que a dimensão pragmática do discurso científico produziu efeito na ciência do direito, proporcionando a fundamentação lógica e semiótica da nova hermenêutica das normas jurídicas, abrindo as portas para as concepções contemporâneas da nova retórica, tais como a de Perelmann, a tópica de Viheweg e a lógica do concreto. Com esta, inicia-se a teoria crítica do Direito5).

A concepção psicanalítica de Sigmund Freud também contribuiu para a formação do pensamento crítico, especialmente em razão de o pesquisador ter ampliado seus estudos para explicar os fenômenos culturais6). Afirma Luiz Fernando Coelho que o pensamento jurídico dogmático tem resistência às concepções de Freud, tendo em vista que a psicanálise releva que a norma jurídica seria um produto da própria natureza humana e não o resultado de uma criação racional. Há, com isso, uma mudança de paradigma epistemológico quanto aos planos da autonomia e da racionalidade do Direito, os quais orientam o pensamento jurídico desde Platão e Sócrates7).

A vertente fenomenológica, apesar de voltada para uma metafísica que a afasta da realidade, ajudou a ampliar os horizontes do pensamento crítico, seja em razão de ter aberto as portas para uma aproximação ao conceito de estrutura social, na sua condição de objeto que envolve o sujeito que a ela conhece, seja por ter influenciado a criação das categorias importantes do pensamento crítico, principalmente a conceituação de práxis8).

Outras vertentes contribuíram para a construção do pensamento crítico, conforme destaca Luiz Fernando Coelho9).

A sociologia da compreensão, especialmente por força do pensamento de Max Weber, ao estabelecer o conceito de tipo-ideal como conceito histórico-concreto, contribuiu para a ampliação de novos horizontes ao pensamento crítico10).

A filosofia marxista desenvolveu as bases do neo-humanismo partindo da concepção que tem o ser humano como a manifestação do ser social. A criação do pensamento teórico crítico de dimensão social, formado sem preconceitos e dogmas, sofreu forte influência da filosofia marxista. O marxismo e a concepção teórica crítica, dele decorrente, produziram dois resultados fundamentais para o desenvolvimento do pensamento crítico:

  • a) a demonstração de que o mais relevante não é a teoria em si, mas o resultado por ela produzido;
  • b) o esclarecimento, ligado à dialética da participação, na qual a sociedade não deve ser compreendida como um objeto no sentido positivista, mas como complexidade, totalidade que se autoinstitui como transdisciplinaridade objetiva11).

A teoria crítica da sociedade, desenvolvida pela Escola de Frankfurt, especialmente por força dos estudos de Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Hebert Marcuse e Jürgen Habermas, constitui também uma das grandes vertentes de constituição do pensamento jurídico crítico. A referida escola de pensadores alemães procurou desenvolver estudos críticos em relação às repercussões sociais sobre o modo pelo qual é concebida e manipulada a ciência no âmbito da sociedade capitalista contemporânea12).

Contudo, há na doutrina quem destaque alguns momentos na história de expressão do pensamento crítico, especialmente no âmbito da produção acadêmica. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso afirma que, especialmente nas décadas de 70 e 80 do século XX, houve significativa manifestação, com produção na área acadêmica, do pensamento crítico, enfatizando a Critique du Droit, na França, o movimento Critical Legal Studies, nos Estados Unidos e, anteriormente, a Escola de Frankfurt, que lançou na Alemanha as bases para a construção de uma teoria crítica13). Antonio Carlos Wolkmer também indica a origem filosófica contemporânea da teoria crítica do Direito na Escola de Frankfurt14). Todavia, Luís Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pêpe apontam que o pensamento crítico contemporâneo teve início nas Universidades francesas, na década de 70 do século XX15).

Em síntese, a teoria crítica do Direito pretende questionar o pensamento jurídico tradicional em vários pontos de suas premissas básicas, tais como a neutralidade, a completude, a cientificidade e, com isso, destacar o caráter ideológico do Direito, buscando a sua equiparação à Política, dentro de um discurso que, estabelecido com base em uma prática libertária e transformadora, objetiva combater o uso do Direito como técnica e instrumento de manutenção da hegemonia da classe dominante16).

Como escreve Michel Miaille, a teoria crítica do Direito permite não apenas o descobrimento das diferentes dimensões escondidas em relação a uma realidade que se encontra em movimento mas também abre, principalmente, os caminhos para uma nova dimensão: a da emancipação17).

Em uma concepção crítica em torno da doutrina clássica sobre o humanismo abstrato, Joaquín Herrera Flores ressalta a importância de uma filosofia crítica em torno dos direitos humanos como produtos culturais, apontando como benefícios imediatos a movimentação de consciências e a denúncia do horror da tortura, da discriminação, da indiferença diante do ser humano e da destruição ecológica18).


Objeto da Teoria Crítica do Direito

A teoria crítica do Direito tem como principal objeto de sua análise outras concepções teóricas tradicionais e, nesse contexto, ela procura integrar as seguintes funções: a) deontológica19), palco da preocupação predominante do jusnaturalismo; b) ontológica20), para onde se volta o positivismo jurídico; c) a fenomenológica21), centro de preocupação do realismo jurídico22). Essa integração é feita de forma desmistificadora e emancipadora, como é próprio da natureza de um pensamento crítico que não se satisfaz com a mera descrição da realidade social ou com a simples interpretação fechada da norma e ou do sistema jurídico.23) Portanto, não se trata de uma concepção teórica pronta e acabada em torno do Direito e do próprio fenômeno jurídico.24)

Escrevem Luís Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pêpe que: a) no plano deontológico, a teoria crítica do direito teria a justiça como uma instância específica da ideologia reinante e, nesta dimensão, visa demonstrar que os problemas de valoração jurídica são opiniões ou crenças de uma visão de mundo da classe dominante; b) no plano ontológico, a teoria crítica do direito combate a neutralidade gnoseológica do positivismo jurídico para demonstrar o íntimo relacionamento existente entre o saber jurídico e o poder e, ao mesmo tempo, destacar que, apesar das tentativas de controle epistemológico, o conhecimento jurídico está política e ideologicamente determinado; c) no plano fenomenológico, a teoria crítica do direito defende a possibilidade de uso emancipatório do Direito e renega uma sociologia do direito do tipo positivista, de modo a demonstrar os benefícios de uma abordagem dialética do processo histórico-social do Direito. Como defensores de uma postura crítica em relação ao Direito, Warat e Pêpe afirmaram que os filósofos do Direito têm o dever moral de denunciar os graus crescentes de uma injustiça cada vez mais tolerada pela indiferença dos seres homens absorvidos pelo consumo e as trivialidades do dia a dia das grandes cidades.25)


A hermenêutica jurídica na Teoria Crítica do Direito


No plano da filosofia da hermenêutica jurídica, a teoria crítica do Direito propõe a superação da dogmática jurídica clássica, em suas versões legalista, conceptualista e analítica26). Propõe, também, a superação da zetética27), nas suas dimensões teleológica, sociológica, axiológica, realista e culturalista28). Assim, para a teoria crítica, tanto na concepção dogmática29) quanto na zetética30), o direito continua sendo instrumento de dominação.

Como afirmou Antônio Alberto Machado, a teoria crítica do Direito objetiva combater o mito da neutralidade do Direito, de modo a demonstrar que a interpretação e a aplicação da lei, realizadas de forma supostamente neutra e distante da realidade social, é uma manutenção servil dos interesses das classes superiores, consagrados na norma jurídica. Torna-se, assim, fundamental a estratégia que busca um pluralismo jurídico mais democrático, explorando as contradições, as fissuras do ordenamento jurídico positivo31).

Lênio Luiz Streck defende uma nova crítica do Direito. Essa nova concepção, diz ele, procura contrapor a experiência, a historicidade e a faticidade e representa um importante passo para a definição do pensamento jurídico como pensamento prático, como pensamento orientado à coisa mesma. A finalidade é contribuir para que o jurista se dê conta de que nas situações da vida existe similitude, porém não há identidade. Os traços caracterizadores da situação particular não podem ser desconsiderados por força do caráter abstrato da pauta geral 32). A tarefa de uma nova crítica do Direito será a de estabelecer condições para o plano da reflexão jurídica, permitindo a compreensão da crise do Direito e do Direito como crise, de modo a possibilitar a construção de fatores necessários para a sua superação33).


Categorias da Teoria do Direito


Esclarece Luiz Fernando Coelho que, no plano epistemológico, a teoria crítica do Direito possui categorias próprias, as quais não constituem um a priori formal ou material e sim estruturas de pensamento que foram construídas para o fenômeno jurídico como seu objeto reflexivo. São, assim, categorias da teoria crítica: sociedade; ideologia; alienação e práxis34). O Direito, assim, passa a ser compreendido em função da sociedade, da ideologia, da alienação e da práxis, diversamente da concepção positivista. Elas não são estudadas como objeto do Direito; este é que é estudado pelo ponto de vista da sociedade, da ideologia, da alienação e da práxis. A sociedade não é concebida como ordem e progresso, mas como movimento social35). A ideologia é compreendida como uma imagem manipulada que a sociedade tem sobre ela mesma36). A alienação é o próprio produto da ideologia dominante, configurando-se como situação de inconsciência da maioria dos integrantes da sociedade sobre o papel que nela desempenham bem como sobre seus direitos fundamentais37). Por fim, a práxis, apresentada como a dimensão ética da teoria crítica do Direito, seria a união do saber com o fazer, visando, precipuamente, à transformação da realidade social38).

Com efeito, a teoria crítica do Direito, por intermédio de uma visão libertadora e emancipadora, construtiva e prospectiva, propõe a revisão e a superação da hermenêutica jurídica tradicional.

Em relação ao que foi analisado, observa-se que a teoria crítica do Direito é uma concepção teórica aberta e flexível. Ela propõe uma visão teórica emancipadora, livre de preconceitos ou de barreiras artificiais da racionalidade, bem como uma práxis transformadora da realidade social. Teoria e práxis são compreendidas em conjunto. A dialética da participação é sua proposta metodológica, a qual exige uma interação interdisciplinar efetiva, que tenha o condão de abranger várias dimensões teóricas num compromisso não só de compreender e interpretar, mas também e principalmente, compreender e interpretar para transformar a realidade39).

Tomando a teoria crítica do Direito como uma das diretrizes reflexivas, propôs-se uma nova leitura constitucional, superadora de uma visão clássica em torno da summa divisio Direito Público e Direito Privado, que não corresponde ao Estado Democrático de Direito brasileiro e, por ainda prevalecer, tem impedido a transformação da realidade social40).

Há, entre outros, quatro grandes fundamentos que negam a summa divisio clássica. Primeiro, por ela partir de uma visão autoritária que impõe privilégios ao poder público, contrariamente aos direitos e interesses individuais e coletivos. Segundo, porque a summa divisio clássica pressupõe, pelo menos em tese, a separação entre o Estado e a Sociedade, dualismo esse incompatível com a concepção de Estado Democrático de Direito, pois todo poder emana do povo e em seu nome deverá ser exercido (art. 1º, parágrafo único, da CF/88). Na verdade, o Estado Democrático de Direito é a dimensão organizacional da própria sociedade. Terceiro, porque, em uma concepção crítica, de dimensão transformadora e na concepção do novo constitucionalismo, não basta o reconhecimento do Direito; torna-se fundamental também a sua proteção e a sua efetivação concreta. Portanto, são imprescindíveis a compreensão e o enquadramento metodológico do Direito no plano de sua proteção e de sua efetivação, não sendo suficiente a natureza jurídica ou a qualidade de parte como parâmetros de enquadramento metodológico. Quarto, porque, no caso precisamente do Brasil, a Constituição Federal consagrou expressamente uma nova summa divisio constitucionalizada e relativizada – Direito Coletivo e Direito Individual –, inserindo-a no plano da teoria dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais (Título II, Capítulo I, da CF/88), que compõe o núcleo de uma Constituição democrática, como a brasileira, e, por isso, impõe as verdadeiras diretrizes para enquadramento metodológico dos modelos explicativos do sistema jurídico.

Não é de se admitir, portanto, nenhuma concepção fechada que não faça da Constituição um constituir transformador da realidade social. Da mesma forma, não podem ser aceitas concepções fechadas que têm o Direito como mera técnica – ou como mera técnica de dominação. O Direito é instrumento de transformação, com justiça, da realidade social e deve ser compreendido como tal. O Direito é ciência e não mera técnica jurídica.

O Direito como mera técnica de manutenção do poder não tem compromisso, como muito bem enfatizou Rosa Maria de Andrade Nery, nem com o ser humano, nem com os seus valores, como aconteceu com o massacre humanitário provocado pelo nazismo alemão, em que havia técnica jurídica, mas não havia valores, nem a identificação do Direito como ciência41).


Teoria Crítica do Direito e o acesso à justiça


O enfoque sobre o acesso à justiça como movimento de pensamento constitui atualmente um dos pontos centrais de transformação do próprio pensamento jurídico, que ficou por muito tempo atrelado a um positivismo neutralizante que só serviu para distanciar o Estado de seu mister, a democracia do seu verdadeiro sentido e a justiça da realidade social.

Não há como pensar no Direito, hoje, sem pensar no acesso a uma ordem jurídica adequada e justa. Direito sem efetividade não faz sentido. Da mesma forma, não há democracia sem acesso à justiça, que é o mais fundamental dos direitos, pois dele, como manifestaram Mauro Cappelletti e Bryant Garth42), é que depende a viabilização dos demais direitos. Com efeito, a problemática do acesso à justiça é, atualmente, a pedra de toque de reestruturação da própria ciência do Direito.


Um novo conceito sobre o acesso à justiça


O estudo do acesso à justiça pressupõe a compreensão dos problemas sociais. Não é mais aceitável o enfoque meramente dogmático-formalista. Cappelletti, um dos estudiosos mais autorizados a falar sobre a matéria, esclarece que o dogmatismo jurídico é uma forma degenerativa do positivismo jurídico, que conduziu a uma simplificação irrealística do próprio Direito ao seu aspecto normativo, deixando de lado outros valores não menos importantes, relacionados aos sujeitos, às instituições, aos procedimentos, aos deveres e às responsabilidades das partes, dos juízes e dos próprios juristas43).

A atenção dos juristas, antes voltada para a ordem normativa, hoje somente tem sentido se também direcionada para a realidade social em que esta ordem normativa está inserida44); está voltada para a efetividade dos direitos, principalmente para os direitos constitucionais fundamentais.

Assinala Roberto Omar Berizonce que a transformação do pensamento jurídico passa, fundamentalmente, por duas vertentes:

  • a) uma renovação metodológica, caracterizada pela utilização da investigação sociológica e da análise histórico-comparativa dos estudos dos problemas e, sobremaneira, pelas propostas de soluções de política legislativa;
  • b) a concepção do ordenamento jurídico como um verdadeiro instrumento de transformação social, visão esta superadora das tradicionais missões de proteção e sanção45).

Novamente Cappelletti ressalta que o aspecto normativo do Direito não é renegado, mas visto como um dos elementos em relação aos quais devem ser observadas, em primeiro plano, as pessoas, as instituições e os processos, pois é por intermédio deles que o Direito vive, forma-se, desenvolve-se e impõe-se46).

Cappelletti chega a propor, para substituir a concessão unidimensional, limitada à análise da norma, uma concessão tridimensional do Direito e da sua análise, que se constitui:

  • a) na análise do problema da necessidade social que um determinado setor do direito deverá resolver;
  • b) na análise da resposta ou da solução prevista para a hipótese nos planos normativo, institucional e processual;
  • c) na análise crítica dos resultados, dentro do plano social lato sensu (econômico, político, etc.), que deverão ser produzidos, concretamente, no âmbito da sociedade47).


O acesso à justiça para além do Judiciário


Essa visão de acesso à justiça não representa apenas o acesso ao Judiciário, mas o acesso a todo meio legítimo de proteção e efetivação do Direito, tais como o Ministério Público, a Arbitragem, a Defensoria Pública, etc. Até no plano jurisdicional, o direito de acesso à justiça não é só o direito de ingresso ou o direito à observância dos princípios constitucionais do processo, mas também o Direito constitucional fundamental de obtenção de um resultado adequado da prestação jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF). A decisão que se projeta para fora, atingindo as pessoas, como resultado da prestação jurisdicional, deverá ser constitucionalmente adequada e justa48).


O acesso à justiça como método de pensamento


A concepção democrática do Direito impõe a união entre teoria e práxis, entre teoria e resultado, entre o Direito e sua efetividade material. Os modelos teóricos explicativos devem atentar para esse binômio: Direito-efetividade.

A própria ciência jurídica é atualmente concebida como uma ciência prática, voltada para casos concretos, e abrange as três dimensões da dogmática jurídica: a analítica, a empírica e a normativa. A conjugação dessas três dimensões revela o caráter integrativo e pluridimensional da ciência jurídica como ciência prática, que se desenvolve para a resolução de casos reais. Nesse sentido, Robert Alexy afirma que, por mais abstratos que possam ser os enunciados ou as teorias da ciência jurídica, eles estão sempre ligados à solução de casos, mais precisamente à fundamentação de juízos jurídicos concretos do dever-ser49).

A velha hermenêutica, que tinha a interpretação não valorativa da lei como a essência relativa à aplicação do Direito, é superada pela nova hermenêutica constitucional, cuja construção tem início após a Segunda Grande Guerra Mundial. Na nova hermenêutica, afirma Paulo Bonavides, concretizam-se preceitos constitucionais, de modo criativo, com a ponderação de valores, especialmente no plano dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais, em relação aos quais a aplicabilidade imediata e a eficácia irradiante vinculatória geral são uns dos seus traços característicos50).

Por outro lado, o pensamento sistemático, construído e desenvolvido pelo positivismo legalista, tornou-se o principal responsável pela elaboração de modelos classificatórios ou de enquadramento teórico meramente abstratos, fechados, autossuficientes, dentro dos quais não havia preocupação com a efetividade dos direitos ou com a realidade social e concreta. Atualmente, passa-se por um momento em que devem ser considerados também os problemas, as situações concretas e, fundamentalmente, o plano da proteção e da efetivação dos direitos, como condições legitimantes do próprio Direito. O período atual é de transição, de mudança de paradigma e nele assume relevância extraordinária o pensamento problemático que vê o Direito também como problema. Theodor Viehweg foi um dos grandes responsáveis pelo início da virada paradigmática quando revisitou, com sua inserção no contexto da era atual, a tópica como técnica do pensamento que se orienta para o problema51).


O acesso à justiça como paradigma para os modelos explicativos dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais consagrados na CF/88


Essas mudanças de paradigma encontram amparo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e exigem novos modelos explicativos de enquadramento metodológico que levem em conta o Direito não só em relação ao que ele é, mas como ele deve ser para transformar a realidade social, como compromisso central do Direito e do próprio Estado Democrático de Direito. É fundamental a consideração da teoria e da práxis para que haja uma relação legítima e adequada de correspondência entre elas.

Na esteira desse raciocínio, defendeu-se um novo modelo explicativo, tomando em consideração duas das principais dimensões da nova concepção em torno do Direito no contexto do Estado Democrático:

  • a) a dimensão da teoria dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais positivada no país, especialmente a diretriz constante no capítulo I do Título II da CF/88, que consagra uma nova summa divisio;
  • b) a dimensão da proteção e da efetivação dos direitos, de forma que a proteção ou será ao Direito Individual ou ao Direito Coletivo52).

No plano do Direito Processual, só existem dois tipos de processos: o processo de tutela jurídica de direito individual e o de tutela jurídica de direito coletivo. Em verdade, isso ocorre porque somente existem dois grandes blocos do Direito: Direito Individual e Direito Coletivo.

Ora, se as formas e os meios de proteção e de efetivação dos direitos ou são coletivas ou são individuais, impõe-se um novo modelo de summa divisio superador do modelo clássico Direito Público e Direito Privado, o qual não leva em conta o plano da proteção ou da efetivação do Direito, mas outros valores que não são legítimos para um sistema constitucional democrático e servem apenas como bloqueio na construção de novos modelos que possibilitem ao Direito tornar-se realmente instrumento de transformação da realidade social.

Norberto Bobbio dizia que não adianta só reconhecer direitos ou declará-los formalmente. O mais importante atualmente é saber como efetivá-los, como garanti-los, evitando-se, assim, que sejam violados continuamente53). Essa efetivação constitui a problemática do acesso à justiça, novo método de pensamento que confere à ciência jurídica uma nova dimensão conceitual e impõe uma revisão completa nos modelos clássicos de enquadramento conceitual e metodológico.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 demonstra preocupação quanto à proteção e à efetivação dos direitos, ao consagrar o acesso amplo e irrestrito à justiça (art. 5º, XXX), ao conferir dignidade constitucional a um rol enorme de ações constitucionais, individuais e coletivas, especialmente coletivas (art. 5º, LXVIII, LXIX, LXX, LXXI, LXXII, LXIII, e art. 129, III, etc.) e, também, ao determinar a aplicabilidade imediata dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais (art. 5º, § 1º).

A aplicabilidade imediata dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais é garantia constitucional fundamental e, portanto, cláusula pétrea, sendo-lhe incompatível qualquer interpretação restritiva. A aplicabilidade imediata tem incidência tanto em relação aos direitos e às garantias constitucionais fundamentais individuais quanto aos coletivos.

Consideraram-se essas diretrizes na sistematização da nova summa divisio, bem como para a fixação das regras e dos princípios de interpretação e aplicação do Direito Material Coletivo, em suas diversas dimensões54).

A exigência de efetividade dos direitos é diretriz que traça o espírito da CF/88; sua incidência alcança todos os planos do exercício do poder. A própria exigência de eficiência da administração pública, na condição de princípio da administração pública (art. 37, caput, da CF/88), decorre dessa visão principiológica em torno da efetividade dos direitos.

A própria compreensão da Constituição somente tem sentido se for levado em consideração o plano da sua aplicação. Pela nova hermenêutica constitucional, fala-se em interpretação-concretização da Constituição como lei fundamental. Portanto, o verdadeiro sentido da Constituição prende-se à sua concretização55).

A discussão atual em torno da proteção e da efetivação dos direitos, propondo a implantação de novas formas e de novos meios de solução de conflitos, é realmente o ponto mais importante para fazer do Direito um instrumento legítimo de transformação, com justiça, da realidade social. Não adianta somente a interpretação constitucional e a formulação de novas diretrizes teóricas. Os resultados concretos são essenciais e a explicitação de meios e canais, para o cumprimento dos compromissos assumidos no pacto constitucional, depende de uma visão crítica, como afirmou Konrad Hesse56).

Por outro lado, a discussão em torno dos pontos de tensão entre segurança jurídica e efetividade deve ser superada por uma pauta de análise que leve em conta, acima de tudo, a proteção e a efetivação dos direitos fundamentais57), principalmente aqueles que compõem as necessidades humanas básicas58).


A importância da Teoria Crítica do Direito para a implementação das funções constitucionais do Ministério Público


Como analisar a relação entre a concepção crítica do Direito e as funções constitucionais do Ministério Público?

O Ministério Público brasileiro assumiu função social primordial com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (arts. 127/129 c/c o art. 1º, o art. 3º e o Título II). Passou a ser instituição de defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tornando-se instituição detentora de função promocional de mudança da realidade social.

Nesse contexto, não seria compatível com o papel constitucional do Ministério Público uma visão meramente fechada e unidimensional do fenômeno jurídico. É fundamental que se compreenda a Instituição e o seu compromisso constitucional por intermédio de uma visão pluridimensional do fenômeno jurídico. Essa visão deverá abranger a fenomenologia, a deontologia e a ontologia, contrapondo-as e desmistificando-as, de forma a extrair as diretrizes fundamentais para a atuação da Instituição na promoção efetiva da mudança da realidade social.

Para tanto, a Teoria Crítica do Direito, por englobar o Direito como aquilo que é e aquilo que deve e pode ser – isso em uma visão abrangente, emancipadora e transformadora –, contribui, e muito, para que o Ministério Público, como instituição fundamental de defesa social, possa melhor compreender e melhor exercer as suas funções constitucionais no processo de democratização da sociedade brasileira e de suas instituições fundamentais.

As categorias do pensamento crítico (sociedade, ideologia, alienação e práxis), já antes aqui analisadas, devem estar presentes em todas as reflexões que envolvam a atuação do Ministério Público e os seus compromissos constitucionais, principalmente os que estão diretamente relacionados com o princípio da transformação social, consagrado no art. 3º da CF/1988. Por intermédio dessas diretrizes teóricas e reflexivas, a Instituição e seus membros terão melhores condições para compreender adequadamente o próprio Direito e os desafios que existem para a garantia do acesso à justiça como um dos mais básicos e importantes direitos fundamentais.


Conclusões


  • 1. A teoria crítica do Direito é um movimento de pensamento integrado por várias correntes teóricas que possuem como causa comum a apresentação de uma concepção emancipadora em torno do Direito, de forma a desmistificar outras concepções teóricas que representem a manutenção de uma realidade socialmente injusta ou que possam provocar retrocessos em relação às conquistas democráticas da sociedade ou impedir a evolução do processo democrático de mudanças sociais.
  • 2. O enfoque sobre o acesso à justiça como movimento de pensamento com base na teoria crítica do direito constitui, atualmente, um dos pontos centrais de transformação do próprio pensamento jurídico, permitindo a análise do direito, especialmente dos direitos fundamentais, no plano da sua efetivação, o que é fator imprescindível para a mudança da realidade social, especialmente para atender, no caso do Brasil que ainda não passou por uma transformação social, as diretrizes fixadas no art. 3º da CF/88.
  • 3. Nesse contexto, o acesso à justiça deve ser concebido e compreendido nos dois planos do Direito: o plano dos direitos individuais e o dos direitos coletivos, conforme exigência da teoria dos direitos e das garantias fundamentais adotada na CF/88 (Título II, Capítulo I).
  • 4. A teoria crítica do direito é a diretriz filosófica mais adequada para a compreensão e a implementação dos compromissos constitucionais do Ministério Público.


1)
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 266.
2)
Diz ainda Coelho: “É ilusório pretender que as grandes realizações da humanidade sejam produto de súbita invenção, espécie de luz interior a iluminar a consciência e provocando com isso a descoberta da verdade. O acaso a que muitas vezes se atribuem as criações científicas somente o é na aparência, pois o simples fato de estar o cientista engajado num trabalho, que tem seu aspecto prático e o propriamente teórico, voltado para uma tentativa de descoberta ou para elaboração de algo desconhecido, já destrói o fator ‘acaso’, e os espíritos intuidores, que adquirem a capacidade de ‘ver’ fora dos estereótipos metodológicos, não são seres auto-suficientes e muito menos autocriados, mas produzidos por fatores genéticos, socioculturais e ambientais”. (COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do Direito. 3. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 53-55.).
3)
Conclui Coelho: “[…] se a verdade pode ser definida como a correspondência com os fatos, também os fatos podem ser definidos como a correspondência com a verdade, o que é o mesmo que asseverar que a realidade, tal como a concebemos, é construída pelo saber”. (COELHO, 2003.).
4)
Afirma também Coelho: “A epistemologia crítica responde, portanto, no plano objetivo da sociedade como objeto de um saber, à proposta marxiana da undécima tese: ‘Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de forma diferente: trata-se, porém, de modificá-lo’. Só que essa modificação exige o engajamento teórico e prático do cientista, sua inserção consciente no seu próprio meio social, sua ‘participação’. Muito mais do que a procura de um modelo metodológico ou científico, a pretensão do pensamento crítico é evitar o aprisionamento por quaisquer estereótipos e, assim, abandonar-se ao livre fluir da criatividade. Mais importante do que fazer ciência é conscientizar-se do papel criador e transformador do cientista, tanto na natureza quanto na sociedade. Mais importante do que o padrão metodológico é o projeto político, e mais importante do que a descrição do projeto é a sua realização”. (COELHO, 2003, p. 63-64.).
5)
COELHO, 2003, p. 71.
6)
Acrescenta Coelho: “No universo teórico que procura explicar as origens das instituições sociais, destaca Freud as observações antropológicas que levaram à crença de que a origem dos homens é marcada pelo convívio sob o que se convencionou denominar ‘hordas’, cada uma delas sob a dominação de um macho violento e ciumento, déspota absoluto e senhor de todas as fêmeas, dono da vida e da morte de seus filhos, vistos como rivais. Estes se revoltam, matam o pai e o devoram. Após o parricídio, arrependem-se, interiorizam o remorso, unem-se fraternalmente e renunciam à posse sobre as mulheres de seu pai. Esta é a origem da exogamia e da proibição do incesto, bem como o início da obediência às leis, a qual apenas a forma de expiar o complexo de culpa pela extinção do pai, uma forma de reconciliação com ele. A identificação é, pois, inicialmente explicada como conseqüência da expiação, o que, embora antropologicamente questionável à luz de estudos posteriores, vale como interpretação da metáfora. A organização social, as restrições morais e a religião estariam destarte relacionadas com a refeição totêmica, uma repetição e uma comemoração daquele ato horrendo: ao devorar o pai, o filho com ele se identifica e adquire parte de sua força”. (COELHO, 2003, p. 72-73.).
7)
Afirma também Coelho: “[…] Freud caracteriza a funcionalidade do social, cria a perplexidade diante do direito e iguala os processos de representação”.(COELHO, 2003, p. 78.).
8)
Nesse sentido, Coelho acrescenta: “Quanto à fenomenologia, dela já se tratou como havendo inspirado alguns conceitos incorporados à noção de categoria crítica como instrumento de um saber prospectivo e construtivo; entretanto, considerando que o caráter de imanência atribuído à dialética, como princípio inerente ao ser social, é outra noção que repercute no conceito de sociedade como estrutura total e dinâmica, a fenomenologia passa a ser vertente da crítica social, pois se trata de elaborações que receberam seus contornos mais nítidos através da fenomenologia”. (COELHO, 2003, p. 88;95.).
9)
COELHO, 2003, p. 87-110.
10)
Ressalta Coelho: “É a partir da metodologia da compreensão, com a qual a sociologia se distancia das ciências naturais, que Weber estabelece seu conceito de tipo-ideal (‘idealtypus’), entendido não como produto de conceituações generalizadoras, à maneira da tradicional sociologia durkheimiana, mas como ‘conceito histórico-concreto’, a partir da abstração de particularidades nos fenômenos que estuda”. (COELHO, 2003, p. 99-100.).
11)
É o que ressalta Coelho aduzindo também: “[…] dentro do contexto interdisciplinar que as inspirou, as categorias críticas têm no marxismo um ponto de convergência, um denominador comum que vai propiciar a criação de novos conceitos e a modificação de antigos com vistas aos projetos teórico e prático da crítica social. E assim, ele permeia os estudos sobre a sociedade, a ideologia, a alienação e a práxis, o que nos leva a estudar a filosofia marxista ao tratarmos desses temas, naqueles pontos que com ela mais diretamente se relacionam”. (COELHO, 2003, p. 103-104.).
12)
É o que esclarece Coelho, acrescentando: “O núcleo de suas teses é o questionamento do axioma positivista da separação entre a ciência e ética e os desastrosos efeitos dessa separação num mundo de tecnologia moderna. Dentro desse espírito, propuseram-se estabelecer as articulações entre o conhecimento dos processos sociais e as investigações empírico-analíticas, com a racional organização do comportamento sociopolítico”. (COELHO, 2003, p. 105-106.).
13)
Aduz Barroso: “O pensamento crítico teve expressão na produção acadêmica de diversos países, notadamente nas décadas de 70 e 80. Na França, a ‘Critique du Droit’, influenciada por Althusser, procurou atribuir caráter científico ao Direito, mas uma ciência de base marxista, que seria a única ciência verdadeira. Nos Estados Unidos, os ‘Critical Legal Studies’, também sob influência marxista – embora menos explícita – difundiram os fundamentos de sua crença de que ‘law is politics’, convocando os operadores jurídicos a recompor a ordem legal e social com base em princípios humanísticos e comunitários. Anteriormente, na Alemanha, a denominada Escola de Frankfurt lançara algumas das bases da teoria crítica, questionando os postulados positivistas da separação entre ciência e ética, completando a elaboração de duas categorias nucleares – a ideologia e a práxis –, bem como identificando a existência de duas modalidades de razão: a instrumental e a crítica. A produção filosófica de pensadores como Horkheimer, Marcuse, Adorno e, mais recentemente, Jürgen Habermas, terá sido a principal influência pós-marxista da teoria crítica”. (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003. p. 15-16.).
14)
Escreveu Wolkmer: “Os principais integrantes da Escola de Frankfurt (Max Horkeimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas) buscam distanciar-se do marxismo ortodoxo, mas sem deixar de compartilhar metodologicamente do ideário utópico, dialético, crítico, revolucionário e emancipador. Na verdade, a articulação de uma teoria crítica, como categoria e fundamento de legitimação, representada pela Escola de Frankfurt, encontra toda sua inspiração teórica na tradição nacionalista hegeliana, pelo subjetivismo psicanalítico freudiano e culminando na reinterpretação do materialismo histórico marxista”. (WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 5.).
15)
Afirmam Warat e Pêpe: “O movimento começou nas universidades francesas, na década de 70. Um grupo considerável de professores marxistas, sentindo-se ameaçados em seus cargos acadêmicos, decidiram criar uma associação crítica do Direito e publicar uma revista chamada ‘Procès’. No primeiro volume, datado de 1978 (publicado pela editora Maspero) aparece o ‘Manifesto para uma teoria crítica do Direito’. Esse trabalho coletivo pretendia questionar as idéias aceitas sobre o Direito em nossa sociedade, assim como ele é ensinado na universidade. Os mais conhecidos representantes dessa associação são Michel Miaille e Antonine Jeammaud. A associação logo se estendeu para a Bélgica, Alemanha, Portugal, Espanha, Inglaterra, tendo, na América Latina, seus principais ecos no México, Brasil, Venezuela e Argentina”. (WARAT, Luís Alberto; PÊPE, Albano Marcos Bastos. Filosofia do direito: uma introdução crítica. São Paulo: Moderna, 1996. p. 63-64.).
16)
Nesse sentido, escreve Barroso: “Sob a designação genérica de teoria crítica do direito, abriga-se um conjunto de movimentos e de idéias que questionam o saber jurídico tradicional na maior parte de suas premissas: cientificidade, objetividade, neutralidade, estatalidade, completude. Funda-se na constatação de que o Direito não lida com fenômenos que se ordenem independentemente da atuação do sujeito, seja o legislador, o juiz ou jurista”. (BARROSO, 2003, p. 13.).
17)
Afirma também Miaille: “Porque, em definitivo, trata-se de saber porque é que dada regra jurídica, e não dada outra, rege dada sociedade, em dado momento. Se a ciência jurídica apenas nos pode dizer como essa regra funciona, ela encontra-se reduzida a uma tecnologia jurídica perfeitamente insatisfatória. Temos direito de exigir mais dessa ciência, ou melhor, de exigir coisa diversa de uma simples descrição de mecanismos”. (MIALLE, Michel. Introdução crítica do direito. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1989. p. 23.).
18)
FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos como produtos culturales: crítica del humanismo abstracto. Madrid: Catarata, 2005. p. 119.
19)
A conotação deontológica, como ensinam Warat e Pêpe, decorre da investigação que visa esclarecer os valores supremos em relação aos quais se vincula o direito e dessa função nasce a filosofia do direito como teoria da justiça. (WARAT; PÊPE, 1996, p. 40).
20)
Esclarecem Warat e Pêpe, Albano Marcos Bastos que a função ontológica estuda o ser e a natureza fundamental do direito, com a preocupação de responder à pergunta sobre sua essência. (WARAT; PÊPE, 1996, p. 41.).
21)
Assinalam Warat e Pêpe que a função fenomenológica visa pensar o direito enquanto ação na realidade social. (WARAT; PÊPE, 1996, p. 43.).
22)
Nesse sentido, consultar: WARAT; PÊPE, 1996, p. 45.
23)
Nesse sentido, escreveu Miaille: “Um pensamento crítico já não pode contentar-se em descrever dado acontecimento social, tal e qual ele se oferece à observação: ele não pode deixar de o reinserir na totalidade do passado e do futuro da sociedade que o produziu. Desenvolvido assim, em todas as suas dimensões, esse acontecimento perde o caráter chão, unidimensional, que a mera descrição lhe conferia: torna-se prenhe de todas as determinações que o produziram e de todas as transformações possíveis que podem afectá-lo”. (MIALLE, 1989, p. 23.).
24)
Nesse sentido, Warat e Pêpe afirmam: “O que se chama de teoria crítica é tão-somente um conjunto de abalos e cumplicidades contra as teorias dominantes. Seu objetivo assemelha-se a uma guerra de guerrilhas, isto é, infinitas estratégias teóricas que visam minar os alicerces da fortaleza do dogmatismo jurídico. Um espaço teórico bastante fragmentado, nada monolítico e cheio de promessas. […] Os discursos críticos do Direito, assim entendidos, estão desvinculados do positivismo jurídico, do jusnaturalismo e do realismo sociológico, fazendo deles objetos de sua crítica”. (WARAT; PÊPE, 1996, p. 65.).
25)
WARAT; PÊPE, 1996, p. 46.
26)
Ensina Coelho: “Na dogmática legalista, o princípio jurídico dogmatizado é a ‘lei’. A dogmática conceptualista procura preservar os conceitos gerais’ subentendidos nas normas positivas de toda espécie e delas racionalmente inferidos. A dogmática analítica, por sua vez, identifica o princípio com a vontade do Estado e privilegia a racionalidade dos métodos hermenêuticos para discernimento do princípio jurídico aplicável, não abrindo espaço para a intuição ou quaisquer formas de sentimentalismo. Ocorre, assim, uma dogmatização do método, na medida em que os procedimentos decorrentes da ciência da lógica passam a catalisar a investigação científica no campo das ciências jurídicas, concentradas na análise do direito”. (COELHO, 2003, p. 326-327.).
27)
Explica Coelho: “A palavra ‘zetética’ vem do grego ‘zetein’ – indagar, pesquisar, perguntar – e, em oposição ao dogmatismo, identifica a busca da verdade mediante o questionamento constante, recusando as respostas prontas e acabadas”. E ainda acrescenta o autor: “Por interpretação, zetética é a atitude hermenêutica que preconiza a prevalência do conteúdo da lei sobre o significado aparente das palavras. Envolve, de modo geral, as correntes do pensamento hermenêutico que colocam em primeiro plano o conteúdo social e ideológico do direito. Essas escolas não aceitam acriticamente o princípio jurídico e, algumas com maior intensidade, outras menos, subordinam a lei, o conceito e o método às situações reais e sempre cambiantes da vida social. A tese basilar da atitude zetética é que o direito não é imóvel, nem vazio, mas essencialmente mutável, devendo se adaptar às condições sempre renovadas da sociedade. O direito existe para solucionar problemas sociais concretos e não para manter dogmas, teorias e princípios abstratos, afastados da realidade da vida”. (COELHO, 2003, p. 333-334.).
28)
Explica, novamente, Coelho: “A zetética teleológica abrange a teleogia de Ihering e jurisprudência de interesses de Heck. A sociológica compreende a escola da livre investigação científica, a escola do direito livre e a escola norte-americana de jurisprudência sociológica. A axiológica reúne as correntes culturalistas, escolas que postulam a prevalência dos valores na experiência jurídica e sua realização nos atos decisórios. E a zetética realista orienta os trabalhos hermenêuticos levando em conta como o direito se apresenta na realidade histórica – como decisão, linguagem ou objeto cultural. Compreende três expressões do realismo jurídico: o psicológico, o lingüístico e o culturalista”. (COELHO, 2003, p. 334.).
29)
Afirma Coelho: “No que tange às escolas de orientação dogmática, a crítica revela que, deixando de considerar os aspectos éticos da ordem social e jurídica, garantida e legitimada pelo princípio jurídico, elas na verdade colocam o direito e a jurisprudência a serviço, não da paz, da ordem, da segurança, da liberdade e da justiça, mas das pessoas que se beneficiam de uma ordem social que deve ser mantida e a cujos interesses convém que permaneça inalterada. Isso se dá em detrimento das grandes massas de pessoas alijadas dos benefícios da cultura e da civilização, as quais têm interesse não na manutenção do ‘status quo’, mas em sua transformação no sentido de uma distribuição mais equânime dos bens, pelo menos daqueles considerados essenciais à sobreviência e à dignidade”. (COELHO, 2003, p. 367.).
30)
Pondera Coelho: “Quanto à hermenêutica de orientação zetética, a crítica revela que suas diversas escolas, embora subordinem declaradamente o princípio dogmático a considerações sociopolíticas, acabam por reduzir-se a um dogmatismo encoberto. Em outras palavras, seus pressupostos são dogmáticos, pois nenhuma dessas escolas consegue desligar o direito da ideia de ordem vinculada à estatização da sociedade nem da noção idealista, anacrônica e evidentemente falsa do Estado como entidade situada acima da ordem social e neutralmente responsável por ela”. (COELHO, 2003, p. 367.).
31)
Acrescenta MACHADO, Antônio Alberto: “O conhecimento crítico do direito supõe, naturalmente, um saber anti-dogmático em concreto diálogo com as determinantes sociais desse fenômeno. Portanto, o pensamento crítico parte da constatação de que o idealismo jurídico do universo teórico tradicional, limitado pelo conhecimento lógico-formal e meramente descritivo de normas e instituições, tal como positivadas pelo legislador racional, jamais responderá às necessidades empírico-dialéticas de um direito articulado com a base material da sociedade e concebido como instrumento de sua transformação”. (MACHADO, Antônio Alberto. Ministério público: democracia e ensino jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 67).
32)
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 2. ed. rev. e ampl.,Rio de Janeiro: Forense: 2004. p. 287-288.
33)
Diz STRECK, Lenio Luiz: “[…] Esse processo implica a fusão de horizontes entre o novo (tornado visível ‘como’ novo – o Estado Democrático de Direito e seu perfil transformador) e o velho (compreendido ‘como’ velho, a partir do dar-se conta das crises de paradigmas antes delineadas). A crise ocorre exatamente nessa transição: o velho não morre, e o novo não nasce; o velho obnubila o novo, pois!”. (STRECK, 2004, p. 873).
34)
Assim, afirma Coelho: “São significantes que se reportam a seus referenciais semânticos – a sociedade, a ideologia, a alienação e a práxis –, mas que ao mesmo tempo constituem pontos de vista especiais, instrumentos para pensar o direito. Daí a denominação categorias do pensamento critico ou ‘categorias críticas’”. (COELHO, 2003, p. 384.).
35)
Opina Coelho: “A sociedade é vista não como ordem e progresso, mas como movimento social, ou seja, organização dos movimentos sociais de grupos marginalizados que tendem à ascensão social, em conflito com indivíduos e grupos que tendem à manutenção do ‘status quo’“. (COELHO, 2003, p.384.).
36)
Diz Coelho: “A ideologia é a imagem que a sociedade projeta dela mesma e dos indivíduos e agrupamentos que a integram, imagem geralmente inconsciente, manipulada por meio dos instrumentos de que dispõem os segmentos dominantes, no sentido de induzir comportamentos que atendam a seus interesses. Entre esses instrumentos, destacam-se a mídia, a educação e a indústria cultural”. (COELHO, 2003, p. 384).
37)
Afirma Coelho: “A alienação é o produto da ideologia, e significa a inconsciência dos membros da coletividade acerca do papel que realmente desempenham na sociedade. Ou seja, existem atitudes, crenças e comportamentos induzidos pela ideologia e aceitos como legítimos, mas que ocultam e dissimulam a atuação verdadeira; por exemplo, o representante político que se diz defensor do povo, mas que na verdade defende interesses particulares, ou o advogado que se julga honesto defensor de seus clientes, mas que se vale da corrupção e da mentira, o industrial que se julga criador de empregos e riqueza do país, mas que contribui para a miséria de populações inteiras na medida em que polui os rios e se entrega a práticas oligopolistas, e o magistrado ‘dogmático’ que se declara defensor das leis, em nome da certeza jurídica e da segurança jurídica, e ao mesmo tempo ignora as exigências da justiça material e os valores mais altos que pairam acima das leis, o juiz que se isola em sua solidão e não se mistura com o povo, em nome de falsa neutralidade ideológica”. (COELHO, 2003, p. 384-385.).
38)
Conferindo Coelho: “Finalmente, a práxis é a união entre o saber e o fazer. Equivale à dimensão ética da teoria crítica e importa a irrenunciável tarefa de engajamento político do jurista na defesa dos direitos fundamentais do homem, como ser humano e como cidadão, e a utilização das expressões históricas do direito para construção e reconstrução da sociedade e do próprio direito como justiça”. (COELHO, 2003, p. 385.).
39)
Nesse sentido, afirma Coelho: “[…] a dialética da participação exige a elaboração de categorias que só ganham sentido enquanto instrumentos de uma realidade histórica concreta, a qual por sua vez também só ganha sentido quando assumida pelos agentes envolvidos, de modo consciente, na práxis transformadora: ou seja, as categorias elaboradas por essa dialética da transformação não são apenas intérpretes da realidade, mas indicadoras de uma estratégia política que catalisa o saber articulado com o fazer. São as categorias do pensamento crítico, ou ‘categorias críticas’.” (COELHO, 2003, p. 45-46.).
40)
ALMEIDA, Gregório Assagra de: “[…] o modelo da summa divisio clássica Direito Público e Direito Privado, que ganhou corpo no Estado Absolutista e se consagrou no Estado Liberal de Direito, é atualmente um dos principais obstáculos ao combate à pobreza e às desigualdades sociais”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 415).
41)
Acrescenta Andrade Nery: “A estrutura técnico-normativa do Estado nazista autorizava muitas das condutas hoje identificadas como repugnantes e aviltantes do homem e de sua dignidade. A estrutura técnico-normativa do nazismo era técnica, mas não científica”. (ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Noções preliminares de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 22-23.).
42)
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 11-12.
43)
Concluiu Cappelletti: “Nesta impostação formalista e degenerativa do positivismo jurídico, a interpretação da norma não é outra senão aquela do ‘resultado de um cálculo conceitual de estrutura dedutiva, fundado sobre uma idéia do ordenamento como sistema de normas fechado, completo e hierarquizado’, com a ‘doutrina do silogismo judicial segundo a qual também a decisão é o resultado objetivo de um cálculo dedutivo […]. Não menos importante é o fato de que nesta impostação formalística, acaba por haver uma identificação do direito positivo com a justiça, ou seja, que é o mesmo, uma recusa de avaliar o direito positivo tendo como base os critérios de justiça, sociais, éticos, políticos, econômicos”. (CAPPELLETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época. Revista de Processo, São Paulo, n. 61, p. 144-160, 1991.).
44)
Nesse sentido, conferir: BERIZONCE, Roberto Omar. Efectivo acceso a la justicia: prólogo de Mauro Cappelletti. La Prata: Librería Editora Platense, 1997. p. 11.
45)
BERIZONCE, 1997, p. 11-12.
46)
Acrescenta Cappelletti: “Em outras palavras, o direito é visto não como um sistema separado, autônomo, auto-suficiente, ‘autopoético’, mas como parte integrante de um mais complexo ordenamento social, onde isto não se pode fazer artificialmente isolado da economia, da moral, da política: se afirma, assim, aquilo que foi chamada a Concessão ‘Contextual’ do direito. Para dar um exemplo, não há mais sentido estudar, ou conceber ou ensinar o direito processual exclusivamente em seus aspectos normativos: estes vão integrar, afirmo, na visão de alguns destes atores (partes, juiz, testemunhas etc), das instituições e dos procedimentos examinados sob os aspectos sociais, éticos, culturais, econômicos, a ‘acessibilidade’, em suma, do fenômeno processual ao indivíduo, aos grupos, e à sociedade”. (CAPPELLETTI. 1991, p. 146.).
47)
Afirma Cappelletti: “A análise do jurista torna-se, desta forma, extremamente mais complexa, mas também mais fascinante e infinitamente mais realística; essa não se limita mais a acertar, por exemplo, que para promover o início de um processo ou para levantar uma impugnação, se devam observar certos procedimentos formais, mais implica, em outras palavras, em uma análise do ‘tempo’, necessário para obter o resultado desejado, dos ‘custos’ a afrontar, das ‘dificuldades’ também psicológicas a superar, dos ‘benefícios’ obtidos, etc.” (CAPPELLETTI. 1991, p. 146.).
48)
A respeito da importância da justiça do caso concreto e sustentando a ideia do formalismo-valorativo com uma nova fase do direito processual, escreveu com precisão Oliveira: “O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso. A lógica é argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, deve ser cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica que informa a discussão judicial, idéias essas inseridas num novo conceito, o de cidadania processual”. (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3.).
49)
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 1. ed., 3. reimpressão. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 33.
50)
Explica Bonavides: “[…] na Velha Hermenêutica ‘interpretava-se’ a lei, e a lei era tudo, e dela todo podia se retirado que coubesse na função elucidativa do intérprete, por uma operação lógica, a qual, todavia, nada acrescentava ao conteúdo da norma; em a Nova Hermenêutica, ao contrário, ‘concretiza-se’ o preceito constitucional, de tal sorte que concretizar é algo mais do que interpretar, é, em verdade, interpretar com acréscimo, com criatividade. Aqui ocorre e prevalece uma operação cognitiva de valores que se ponderam. Coloca-se o intérprete diante da consideração de princípios, que são as categorias por excelência do sistema constitucional”. (BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 633.).
51)
Escreveu Viehweg: “Aristóteles introduziu em seu próprio trabalho filosófico o estilo mental dos sofistas e dos retóricos, sobretudo quando teve que tratar de uma minuciosa discussão de problemas. As investigações sobre as aporias no livro terceiro da Metafísica são um bom exemplo disso. Nasceu assim seu famoso método de trabalho aporético (1), que é exemplar para a filosofia moderna (24). O termo aporia designa precisamente uma questão que é estimulante e iniludível, designa a ‘falta de um caminho’, a situação problemática que não é possível eliminar, e que Boécio traduziu, talvez de modo frágil, pela palavra latina 'dubitario'. (2). A tópica pretende fornecer indicações de como se comportar em tais situações, a fim de não se ficar preso, sem saída. É, portanto, uma técnica do pensamento problemático”. (VIEHWEG, Teodor. Tópica e jurisprudência. Trad. Tercio Sampaio Ferraz Jr. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979. p. 33.).
52)
ALMEIDA, 2008, p. 280-287.
53)
Disse Bobbio: “Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados […]”. (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25.).
54)
ALMEIDA, 2008, p. 284-287.
55)
Nesse sentido, nos diz Streck: “A sociedade como realidade simbólica é indivisível das funções políticas e dos efeitos de poder das significações. Por isso, a interpretação da Constituição, isto é, o sentido (norma) do texto constitucional é – parafraseando Radbruch – ‘o resultado do seu resultado’, que decorre, afinal, desse complexo jogo de relações intersubjetivas e das dimensões simbólicas do poder, que ‘cercam’ desde sempre o intérprete”. (STRECK, 2005, p. 541.).
56)
Ressaltou Hesse: “[…] o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força normativa. Essa orientação torna imperiosa a assunção de uma visão crítica pelo Direito Constitucional, pois nada seria mais perigoso do que permitir o surgimento de ilusões sobre questões fundamentais para a vida do Estado”. (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 27.).
57)
Para Oliveira, estamos agora numa quarta-fase do direito processual, a do formalismo-valorativo, onde o processo: “[…] é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural, produto do homem e não da natureza . Nele os valores constitucionais, principalmente o da efetividade e o segurança, dão lugar a direitos humanos, com características de normas principais. A técnica passa segundo plano, como mero meio para atingir o valor”. (OLIVEIRA, 2009, p. 3.).
58)
Gustin: “Afirma-se, de antemão, que as necessidades humanas básicas diferem dos interesses e desejos. Enquanto as necessidades parecem referir-se aos constrangimentos à obtenção ou ao atingimento de objetivos ou fins específicos que são geralmente aceitos como naturais e/ou morais, os interesses e desejos dizem respeito à esfera precípua da volição. Portanto, justificam-se em razão de fins individuais, contrariamente às necessidades, que são generalizantes”. (GUSTIN, Miracy B. S. Das necessidades humanas aos direitos: ensaio de sociologia e filosofia do direito. 2. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 9.).
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