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cap2:2-3-3-7

3.3.7. Exercício do controle externo da atividade policial (Art. 129, VII, da CF/88)


A Constituição da República consigna que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, cumprindo à Polícia Federal, à Polícia Civil e à Polícia Militar, entre outras instituições, fazê-la (art. 144, CF/88).

A política de segurança pública tem por escopo a manutenção da ordem pública, por meio da qual se busca a convivência harmoniosa e pacífica da população, fundada em valores jurídicos e éticos, indispensáveis à consecução do bem comum. Almeja o Estado (detentor do monopólio do jus puniendi e garantidor da ordem pública) banir a violência das relações sociais por meio do seu poder de polícia.

O regime jurídico-constitucional do Ministério Público atribui à Instituição a função privativa de promover a ação penal pública (art. 129, I). Como dominus litis, vislumbra-se implícito interesse do órgão em zelar pelo bom andamento das apurações criminais no país, atividade predominantemente exercida pela polícia judiciária.

A Constituição da República de 1988 inovou na nova ordem constitucional, conferindo expressamente ao Ministério Público a missão de exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar.

Segundo a lição de Waldo Fazzio Júnior, in verbis:

“[…] Quando o constituinte de 1988 atribuiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial (art. 129, inciso VII), não lhe conferiu uma autorização ou um poder (Kann-Formulierung) mas uma determinação de dever (Muss-Bestimmungen). […] A atribuição do controle externo da atividade policial ao Ministério Público não é simples programação constitucional abstrata. Trata-se da imposição concreta de um dever material que não comporta juízos discricionários de oportunidade e conveniência.[…] Com efeito, a plenitude do exercício da legitimação ativa para a ação penal pública não se satisfaz com o mero repasse de elementos probatórios ao órgão jurisdicional. O exercício material pleno da legitimação ativa na ação penal pública reclama o controle da investigação como antecedente lógico e necessário para viabilizar a dedução da pretensão punitiva. Titular é o que detém o título, é o dominus, sendo natural que controle os atos preparatórios que instruirão sua postulação, tanto sob o aspecto extrínseco da legalidade, como no plano substancial da eficácia e da objetividade. Ora, o inteiro cumprimento de uma imposição constitucional não se contenta com o simples desempenho formal de uma atividade; reclama exercício suficiente. […] Por derradeiro, ao imperativo constitucional de controlar a atividade policial, imposto ao Ministério Público, corresponde o direito subjetivo pessoal, cujo titular é qualquer cidadão, de exigir que o ‘parquet’ o faça”1).

Roberto Lyra, já há algum tempo, advertia que:

“[…] a eficiência e a respeitabilidade do trabalho policial, que constitui a base da ação da Justiça, interessam ao Ministério Público como fiscal, também, das autoridades investigadoras, como órgão da ação penal, como responsável pela segurança, pela regularidade e pela justiça da repressão”2).

Ressalte-se que o controle da atividade finalística da polícia segue a tendência do sistema constitucional de estabelecer freios e contrapesos entre várias instituições.

Pretendeu o constituinte criar um sistema de fiscalização e vigilância administrativa capaz de potencializar a destinação institucional do Ministério Público, porquanto natural órgão de recepção dos trabalhos investigatórios criminais (inquéritos policiais) desenvolvidos pela polícia judiciária.

As atividades de apurações de infrações penais, tanto sob a ótica da prevenção como na repressão delituosa, são matérias de interesse do Ministério Público, cabendo a ele controlá-las.

A existência de órgãos de fiscalização interna, tais como Corregedoria da Polícia, não desnatura o controle externo exercido pelo Parquet, uma vez que o sistema de freios e contrapesos (checks and balances), divisado na Carta Maior, visa a resguardar a ordem jurídica, os direitos individuais fundamentais, a apuração de abusos e violações praticadas pela polícia, sem prejuízo de eventuais omissões de agentes descompromissados com o interesse público. O próprio art. 9º, III, da Lei Complementar nº 75/93 antevê a possibilidade de o órgão ministerial representar à autoridade competente para a adoção de providências, a fim de sanar omissão indevida, prevenir ou corrigir ilegalidades ou abusos. Como se vê, há integração de atuação de órgãos, com a finalidade de melhorar os serviços públicos prestados (art. 129, II, da CF/88).

Ademais, o policial que respeita seu cargo e a Instituição à qual pertence jamais poderia sentir-se ultrajado diante desse mister; ao contrário, deve aplaudi-lo, tendo consciência de que os policiais incautos, corruptos ou que pratiquem outro desvio de conduta funcional poderão ser responsabilizados diante dos tribunais e nas instâncias administrativas.

O objeto de controle da atividade policial deve ser disciplinado em lei complementar, em organização de cada Ministério Público.

Em vista da ausência de regramento da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), deixado a cargo da lei complementar de cada Estado, importa aplicar subsidiariamente (art. 80), na ausência de disciplinamento da lei complementar estadual (Lei Complementar nº 34/94, art. 67, IV), a Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público da União), que trouxe diretrizes de atuação ministerial nessa área em que sobressai a tendência ao corporativismo.

Segundo os artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº 75/93 (LOMPU), o Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio das seguintes medidas, in verbis:

“Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV - requisitar à autoridade competente para a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V - promover a ação penal por abuso de poder.
Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão”.

As medidas relacionadas pela lei complementar são revestidas de pertinência temática relativa à finalidade institucional do Ministério Público.

O Conselho Nacional do Ministério Público regulamentou, por meio da Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007, o controle externo da atividade policial, extraindo seu fundamento jurídico da ordem constitucional (art. 127, caput, e art. 129, I e II) e dos diplomas de organização funcional do Ministério Público insertos na Lei nº 8.625/93 (art. 80) e na Lei Complementar nº 75/93 (art 9º), esmiuçando a atividade fiscalizadora de forma clara e inafastável.

Importa ao Ministério Público, como legítimo instrumento de promoção da cidadania, exercitar o controle dessa sensível e relevante função institucional com maior efetividade, contribuindo decisivamente com os interesses sociais na busca do respeito aos valores da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito.


1)
FAZZIO JUNIOR, Waldo. O Ministério Público e o dever constitucional do controle externo da atividade policial. Revista do Ministério Público do Estado de Sergipe, n.12, p. 100-102, 1997.
2)
LYRA, Roberto. Teoria e prática da promotoria pública. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris e Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, 1989. p. 121.
cap2/2-3-3-7.txt · Última modificação: 2014/12/10 17:34 (edição externa)