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cap3:3-2-1-4

2.1.4. Crises de constitucionalidade e de legalidade


Com a denominação de crise de legalidade, queremos apontar o fenômeno de desobediência à lei (e a isso se reduz), como ato normativo primário, por ato normativo secundário. A crise de constitucionalidade é um fenômeno diverso, na medida em que se traduz em violação de dispositivo normativo de magnitude constitucional por ato normativo primário.

Não raras vezes ocorre relativa confusão entre os institutos, sendo certo que a conceituação rigorosa refletirá diretamente no controle de constitucionalidade, seja por via de ação, seja por via de exceção.

Tanto no controle por via de ação quanto naquele por via de exceção, o Supremo Tribunal Federal não aceita tratar judicialmente da mera crise de legalidade, para “se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei, ou se afasta dos limites que esta lhe traça, pratica ilegalidade e não inconstitucionalidade, pelo que não se sujeita à jurisdição constitucional”.1)

Há, em outra vertente, a possibilidade de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, ocorrente na hipótese de ato normativo secundário que, além de malferir dispositivo legal, viola também o disposto em cláusula constitucional.

Ambas as hipóteses são rejeitadas por nossa Suprema Corte como potenciais objetos de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade, uma vez que somente a inconstitucionalidade direta e frontal à Constituição poderá ensejar a sindicação judicial de constitucionalidade.

Em consequência do raciocínio exposto, é possível asseverar que somente são passíveis de controle de constitucionalidade, concentrado ou difuso, os atos normativos primários, quais sejam, aqueles previstos expressamente no art. 59 da Constituição de 1988 (emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções).

A regra prevê exceção, também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Na atual ambiência constitucional, é possível discernir duas espécies de decreto, como ato normativo praticado pelo chefe do Poder Executivo: o autônomo (CF/88, art. 84, VI) e o regulamentar (CF/88, art. 84, IV).

O controle do decreto regulamentar se fará no âmbito da legalidade, não ensejando controle de constitucionalidade por nenhum dos métodos, uma vez que se deve reconduzir ao disposto na lei que regulamenta. Desbordando dos limites desta lei, haverá ilegalidade, e não inconstitucionalidade2).

Já na hipótese dos decretos autônomos – que, diga-se, constituem a exceção na atual engenharia constitucional – o Supremo Tribunal Federal tem aceito a existência de violação direta da Constituição 3), para preservação do princípio da reserva legal.

Somente nessa hipótese, portanto, é possível falar em controle de constitucionalidade. Nessa esteira, impende realçar a hipótese, muito comum no cotidiano, a qual, porém, não enseja a sindicação judicial quanto à constitucionalidade – de lei ordinária municipal que viola tão somente dispositivo da lei orgânica do município (LOM). Nesse caso, estamos diante de uma crise de legalidade, já que não há de se considerar a LOM como parâmetro para averiguação de constitucionalidade de lei ou ato normativo, em razão de expressa proibição constitucional (CF/88, art. 125, § 2°).

Em resumo, impõe-se a aferição preliminar da existência ou não de lei hierarquicamente superior ao ato acoimado de inconstitucional. Em hipótese afirmativa, ocorrerá, como dito, tão só ilegalidade, incapaz de ensejar o controle à luz da constitucionalidade, seja difuso, seja concentrado. Em sendo negativa a resposta, estamos ante um ato normativo primário, cuja compatibilidade com a Constituição da República ou com a Constituição do Estado é perfeitamente possível.


1)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2618-6, Relator: Min. Carlos Velloso, Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. DJ, n. 231, 4 dez. 2008.
2)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1383-1, Relator: Min. Moreira Alves. Brasília, DF, 8 de novembro de 1996. DJ, 18 out. 1996.
3)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1435. Relator: Min. Nelson Jobim. Brasília, DF, 02 de setembro de 2002. DJ, n. 172, 6 set. 2002.
cap3/3-2-1-4.txt · Última modificação: 2014/12/01 14:35 (edição externa)