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cap3:3-2-1-5

2.1.5. Controle de constitucionalidade e processo legislativo


Muito se tem dito sobre ser impossível o controle de constitucionalidade de projetos de lei, isto é, enquanto a espécie normativa em consideração não se perfaz. Tal assertiva deve ser encarada cum grano salis.

Sem dúvida,

“a justificativa para o exercício do controle difuso do processo legislativo em trâmite é o fato de ainda inexistir lei ou ato normativo que concluiu todo o procedimento de sua elaboração.”1)

Importa realçar, consoante as lições doutrinárias, que esse controle, conquanto ainda inexistente a espécie normativa,

“possui natureza repressiva, e não preventiva, pois visa expurgar do ordenamento atos inconstitucionais. Ou seja, não vigora, no Brasil, o controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade.”2)

Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal restringe o controle de constitucionalidade dessas hipóteses ao método difuso na medida em que aceita a impetração de mandado de segurança, por parlamentares, por meio do qual é possível arguir a inconstitucionalidade3). Nesse caso, a desobediência aos preceitos constitucionais referentes ao processo legislativo ensejará a mácula da inconstitucionalidade, a qual poderá ser sindicada pela via da exceção.

Entendemos, entretanto, que a posição da nossa Suprema Corte encerra uma interpretação reducionista do problema no que concerne à legitimidade para as demandas concretas. Isso porque, ao conferir somente aos parlamentares legitimidade ad causam para a impetração, exclui os outros eventuais participantes do devido processo legislativo, notadamente quando a iniciativa do iter for conferida, com reserva, a atores extraparlamentares. É o caso, por exemplo, de mencionar a hipótese de projeto de lei de iniciativa reservada do Procurador-Geral de Justiça cuja tramitação, no seio do Poder Legislativo respectivo, desobedeça aos parâmetros constitucionais de regência.

Destarte, impõe-se, a nosso aviso, conferir legitimidade ad causam àqueles que, em determinado processo legislativo, figurem como coautores na concretização da espécie normativa em exame.

Sob outra perspectiva, devemos observar, segundo ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a impossibilidade parcial de controle das normas regimentais à luz das cláusulas constitucionais de regência.

Dessa forma, na esteira da orientação jurisprudencial da Suprema Corte, afirmou o Ministro Moreira Alves:

“A observância dessas normas regimentais ordinatórias se exaure na esfera do Poder Legislativo, sendo imune à jurisdição desta Corte. Assim como não podemos declarar a inconstitucionalidade de uma lei pela não-observância de formalidade estabelecida por norma regimental de qualquer das Casas do Congresso, por não haver hierarquia entre essas normas, também não podemos admitir que previamente, por meio de mandado de segurança, sob a invocação de inexistente direito subjetivo público, se paralise a atuação do Congresso com base na alegação de não-aplicação ou má aplicação de norma regimental dessa natureza. Questões dessa natureza se resolvem exclusivamente no âmbito de atuação parlamentar”.4)

Impende ressaltar, no entanto, que não podemos confundir a impossibilidade de controle de constitucionalidade das interpretações conferidas pelo Poder Legislativo às suas normas regimentais com a afronta operada por essas mesmas normas aos preceitos constitucionais relativos ao processo legislativo.

Na segunda hipótese – conflito entre as normas regimentais e o texto constitucional –, possível se mostra a sindicação judicial concernente à constitucionalidade.

Sem dúvida, questões de conveniência ou oportunidade, a exemplo das exegeses de preceitos regimentais pela própria instituição parlamentar, isentam-se do exame judiciário.

Se, entretanto, as normas regimentais – e não a exegese legislativa tomada per se – discreparem da Carta Suprema, lesando direitos subjetivos, ou ameaçando-lhes a existência, por certo que se torna imprescindível a adoção de um sério e rígido controle difuso de constitucionalidade, em nome do mandamento previsto no art. 5°, XXXV, do Texto de 19885).

Daí ser imperioso afirmar que a mera exegese conferida às normas regimentais por parlamentares se constitui em atos interna corporis, ao passo que as normas do regimento, objetivamente consideradas, na medida em que malfiram as cláusulas constitucionais pertinentes, notadamente aquelas referentes ao processo legislativo, podem ser objeto de controle de constitucionalidade, pelo método difuso, e a legitimidade ad causam – frise-se – deve ser reconhecida a todos os coautores da realização da espécie normativa em consideração.

Isso porquanto os regimentos internos das Casas Legislativas – de quaisquer entidades federadas – manifestam-se no mundo jurídico através de resoluções, em que se traduzem atos normativos primários (CF/88, art. 59, VII), sendo possível, assim, serem objeto do controle difuso de constitucionalidade.

Coerente com esse raciocínio, decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelas palavras do Ministro Francisco Rezek, que as normas regimentais:

“[…] são normas que, uma vez observada a Constituição Federal, as casas do Congresso elaboram para reger a liturgia do seu trabalho no cotidiano, mesmo quando em instância grave como aquela da mudança da Constituição. E são normas – as do Regimento – que as casas podem modificar, em condições bem menos estritas do que aquelas que regem a mudança da própria Constituição”.6)

Dessa forma, exsurgindo no mundo jurídico como resolução – espécie normativa primária –, impõe-se reconhecer a possibilidade de controle de constitucionalidade de dispositivo que confronte a Constituição de 1988.


1)
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 138.
2)
BULOS, 2008, p. 137.
3)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n° 22.503-3, Relator: Min. Maurício Corrêa, Brasília, DF, 25 de junho de 1997. DJ, n. 106, 6 jun. 1997.
4)
ADI n° 2.038/BA, Relator p/ acórdão Min. Nelson Jobim
5)
BULOS, 2008, p. 141.
6)
MS n° 22.503-3/DF, Relator: Min. Néri da Silveira.
cap3/3-2-1-5.txt · Última modificação: 2014/12/01 14:54 (edição externa)