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cap3:3-2-1-7

2.1.7. Metodologia


Mecanismos do controle concentrado da constitucionalidade são instrumentos jurídicos, previstos na carta magna e nas leis, que permitem ao Supremo Tribunal Federal realizar a defesa abstrata da constituição”.1)

Atualmente, nossa Constituição em vigor prevê diversas formas de controle abstrato, a saber:

  • ação direta de inconstitucionalidade interventiva (CF/88, art. 34, VII);
  • ação direta de inconstitucionalidade genérica (CF/88, art. 102, I, “a”, 1ª parte);
  • ação declaratória de constitucionalidade (CF/88, art. 102, I, “a”, 2ª parte);
  • arguição de descumprimento de preceito fundamental (CF/88, art. 102, § 1°);
  • ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF/88, art. 103, § 2°).

Com suas especificações próprias, cada instrumento de controle abstrato possui seus objetivos e finalidades particulares.

Cabe, entretanto, mesmo que de forma perfunctória, ressaltar algumas particularidades sobre essas ações.

Com efeito, no tocante à ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI) e à ação declaratória de constitucionalidade (ADC), com o advento da EC n° 45/2004, as decisões de mérito nelas proferidas possuem efeitos contra todos e vinculante, em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Da perspectiva da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), importa asseverar que a ideia consagrada por Kelsen, segundo a qual o tribunal com jurisdição constitucional é tão somente legislador negativo, não pode mais se sustentar na realidade das sociedades contemporâneas, regidas por diplomas de magnitude constitucional cujo conteúdo ultrapassa, e muito, as primeiras ideias do liberalismo sobre Constituição. Isso porquanto é forçoso reconhecer, no caso específico do Brasil, que a Constituição de 1988 é respaldada pela teoria da Constituição Dirigente, na medida em que impõe ao Estado a realização de programas de caráter social, econômico e cultural. Desse modo, as omissões legislativas, em Constituições desse teor, traduzem-se em grave descumprimento do texto constitucional, infirmando sua aplicabilidade e relativizando sua eficácia. Assim, mister se faz a releitura de dogmas vetustos tais como o princípio de separação e independência entre os poderes, de modo a desobstruir a conformação e a concretização dos direitos sociais lato sensu, através de uma postura positiva, em matéria de decisão proferida em ADO e, por que não dizer, em mandado de injunção, no sentido de se declarar a mora legislativa, mas também de concretizar, de forma provisória, o direito previsto constitucionalmente, uma vez que ao Supremo Tribunal Federal cabe a guarda da Constituição2).

Dessa forma, é de se reconhecer o esforço realizado por nossa Suprema Corte nos Mandados de Injunção n° 670, n° 712 e n° 708, ao proferir decisão aditiva, reconhecendo o direito de greve dos servidores públicos, ao aplicar na hipótese a Lei n° 7.783/89, que dispõe sobre o direito de greve na iniciativa privada. Devemos, agora, reivindicar a proferição de decisões positivas, já que, no diploma constitucional cidadão, nada há que as impeça.

No que concerne à ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), o Constituinte relegou à lei ordinária sua completa conformação. Nesse sentido, com o advento da Lei federal n° 9.882/99, que regulou o instituto, à norma constitucional limitada foi conferida eficácia plena.

Particularidades vieram com a publicação da lei. Destarte, a ADPF possui, segundo o estabelecido no § 1° do art. 4°, caráter subsidiário, na medida em que somente será concebível sua propositura se não houver outro instrumento jurídico que possa sanar a lesividade a preceito fundamental.

Ademais, podem ser objeto de ADPF, ao contrário do que ocorre em regra no controle concentrado de constitucionalidade, lei ou ato normativo municipal, mesmo aqueles anteriores à Constituição. Essa anterioridade se estende a leis e atos normativos federais e estaduais. Infere-se, daí, a possibilidade de se aforar ADPF com o fim de cotejar ato normativo municipal com a Constituição da República, como parâmetro. Da mesma forma, para atos normativos anteriores à Constituição (ou pré-constitucionais) que não foram revogados expressamente.

Reside extrema dificuldade em se conceituar adequadamente o que venha a ser preceito fundamental, pois a lei não o define. Na seara doutrinária, Bulos assim enfrenta a questão:

“Qualificam-se de fundamentais os grandes preceitos que informam o sistema constitucional, que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da manifestação constituinte originária. Podem ser consideradas preceitos fundamentais as diretrizes insculpidas no pórtico do art. 1º da Constituição de 1988, quais sejam, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo político”.3)

Mendes, Coelho e Branco, por seu turno, asseveram:

“Tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras, talvez não seja recomendável proceder a uma distinção entre essas duas categorias, fixando um conceito extensivo de preceito fundamental, abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional”.4)

Estamos de acordo que os autores trazidos à baila conferiram uma concepção de caráter reducionista à expressão em exame.

Com efeito, pensamos que a concepção adequada à expressão passa pelo raciocínio que utiliza, obrigatoriamente, a teoria na qual a Constituição de 1988 se sustenta. Destarte, impende reconhecer – como alhures afirmamos – que a atual Constituição da República se traduz naquilo que J. J. Gomes Canotilho denominou Constituição Dirigente. Dessa forma, segundo o renomado professor lusitano, a constituição dirigente é o

“bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado, se estabelecem directivas e estatuem imposições. A constituição dirigente aproxima-se, pois, da noção de constituição programática”.5)

Na hipótese de possuirmos, no Brasil, uma Constituição de caráter eminentemente liberal – como a estadunidense de 1787 –, a expressão preceitos fundamentais encerraria uma concepção bem mais reduzida, uma vez que tais documentos constitucionais se restringiam à organização do Estado e à previsão dos direitos fundamentais de primeira dimensão.

Ao revés, um texto constitucional afiançado em uma teoria que se caracteriza exatamente pela previsão de imposição, tarefas e diretivas de aspectos sociais, econômicos e culturais não pode excluir de seus preceitos fundamentais cláusulas que contenham essas mesmas imposições, tarefas e diretivas sociais, econômicas e culturais.

Nessa linha de raciocínio, além daqueles apontados pela doutrina, forçoso adicionar outros preceitos que possam ser, à luz da teoria subjacente, fundamentais, por se traduzirem em características próprias de uma constituição dirigente. É o que ocorre com as cláusulas insertas na Ordem Econômica e Financeira, na Ordem Social, do Sistema Tributário e quaisquer outros dispositivos que se caracterizem por ser imposições, tarefas ou diretivas ao Estado ou à sociedade, aí incluídos os agentes econômicos privados.

Nesse sentido, impõe-se a assertiva segundo a qual a densidade normativa das expressões constitucionais, além de sua contextualização no corpo do documento, não prescinde da vinculação operada pela teoria que sustenta a própria Constituição.


1)
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 151.
2)
ALMEIDA, Renato Franco de. Constituição e políticas econômicas na jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Decálogo, 2007. passim.
3)
BULOS, 2008, p. 241. (grifo do autor).
4)
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1168.
5)
CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2001, p. 224.
cap3/3-2-1-7.txt · Última modificação: 2014/12/01 14:57 (edição externa)