Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


cap8:8-3-15

3.15. Procedimentos na ações penais ajuizadas nas Varas de Tóxicos em face das mudanças ocorridas no Código de Processo Penal


Sobreleva notar que a Lei nº 11.719/2008, que introduziu significativas mudanças no Código de Processo Penal, notadamente quanto à fase instrutória, não interferiu no procedimento adotado pela lei antitóxicos (Lei nº 11.343/2006). Isto porque o art. 48 da Lei n.º 11.343/06 estabelece:

“O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal“.

Trata-se da aplicação do princípio da especialidade, cabendo ressaltar que o art. 57 da Lei nº 11.343/06 estabeleceu a ordem que deve ser seguida para as oitivas na audiência de instrução, deixando claro que a inquirição das testemunhas somente será realizada após o interrogatório do acusado, tanto que assim dispõe o supracitado dispositivo legal:

“Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez) minutos, a critério do Juiz”.

Nota-se que o art. 400 do CPP estabelece outra ordem para as oitivas, chegando a determinar expressamente que tal procedimento seja observado pelo magistrado, como se vê na redação do supracitado dispositivo legal:

“Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”.

Evidencia-se que a Lei nº 11.719/2008 estabelece o marco de 60 (sessenta) dias como prazo máximo para a audiência de instrução, o que não ocorre com o rito da Lei nº 11.343/06, que prevê prazo diverso em seu art. 56, § 2º, o qual pode se estender por até 90 (noventa) dias em razão da necessidade de se atestar a dependência de drogas.

Ademais, existem peculiaridades previstas na lei antitóxicos, tais como a possibilidade de ajuizamento da ação penal mesmo pendentes diligências a serem cumpridas pela polícia judiciária, conforme prevê o art. 52, parágrafo único, incisos I e II, da Lei n} 11.343/06.

A análise dos dois ritos demonstra que o legislador da lei antitóxicos preferiu seguir caminho diverso do rito adotado pela Lei nº 11.719/2008, razão pela qual, dadas as singularidades da Lei nº 11.343/06, deve-se observar o princípio da especialidade, mormente se não se olvidar que o princípio da especialidade é prevalente à sucessão legislativa, visto que, como é cediço, lei posterior geral, ainda que mais benéfica, não revoga lei anterior especial.

Nesse sentido, decisão do TJMG:

“EMENTA: PENAL - INVERSÃO NA ORDEM DE OITIVA DAS TESTEMUNHAS - NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA UNA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - PRECLUSÃO - INTERROGATÓRIO REALIZADO ANTES DA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS - ART. 57 DA LEI 11.343/06 - POSSIBILIDADE - PRELIMINARES REJEITADAS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - DEPOIMENTO DE POLICIAIS - CONDENAÇÃO MANTIDA - DELITO PREVISTO NO ARTIGO 35 DA LEI 11.343/06 - AUSÊNCIA DO CARÁTER ESTÁVEL DA ASSOCIAÇÃO - ABSOLVIÇÃO - NECESSIDADE - CONCESSÃO DA DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº. 11.343/06 - POSSIBILIDADE - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. - Na dicção do artigo 563, do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se não houver prejuízo para a acusação ou para a defesa.- Sendo o delito de tráfico de entorpecentes regulamentado pela Lei nº 11.343/06, dada a sua especialidade, não teve seu procedimento alterado pelo exposto na Lei nº 11.719/08 que modificou o artigo 400 do Código de Processo Penal. - Se as provas são seguras, dando como certa e inquestionável a autoria e materialidade do crime de tráfico, a hipótese torna o pleito de absolvição inviável. Deve-se afastar a condenação do tipo penal previsto no artigo 35, da Lei 11.343/06, quando não restar comprovado que os apelantes mantinham estabilidade do vínculo. . Tratando-se de réu primário e de bons antecedentes e não havendo comprovação de que o mesmo se dedique a atividades criminosas ou integre a organização criminosa, deve operar em seu favor a minorante prevista no parágrafo 4º, do artigo 33, da novel Lei Antidrogas”1).
“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - NULIDADE DO PROCESSO - APLICAÇÃO DO ART. 400 DO CPP AOS DELITOS DA LEI DE TÓXICOS - IMPOSSIBILIDADE - PRELIMINAR REJEITADA -TRÁFICO DE ENTORPECENTES - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS - ARCABOUÇO PROBATÓRIO - SEMI-IMUTABILIDADE NÃO COMPROVADA - REDUÇÃO DA PENA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA - CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. I - Tendo em vista que o crime de tráfico possui legislação própria e procedimento específico, previsto no art. 57 da Lei nº 11.343/06, não se aplica a ele o disposto no art. 400 do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.719/2008. II - Restando devidamente comprovadas a materialidade e autoria do crime de tráfico de drogas em desfavor dos réus, ainda que haja peremptória negativa de autoria, é de se manter a sentença condenatória recorrida. III - Os depoimentos testemunhais dos policiais envolvidos na prisão dos réus, desde que harmônicos com o contexto probatório e não maculados por interesses particulares, são idôneos para embasar a condenação. IV- A delação do co-réu feita na fase extrajudicial, somada à prova testemunhal, constitui conjunto probatório seguro para legitimar o édito condenatório em desfavor dos apelantes. V - A semi-imputabilidade decorrente de dependência toxicológica é excepcional e depende de prova técnica, considerando que o agente viciado, na grande maioria dos casos, conhece o caráter ilícito do fato praticado, podendo se comportar de acordo com esse entendimento. VI - Se as circunstâncias judiciais são, em sua maioria, favoráveis, merece redução a pena cominada. VII - Se o juiz não fundamenta por que reduziu as penas somente pela metade em razão da causa de diminuição de pena, impõe-se reduzi-las pela fração máxima de 2/3 (dois terços). VIII - Tendo o réu afirmado que não tem condições de arcar com o pagamento das despesas processuais, sem prejuízo de seu sustento e de sua família, ainda que tenha sido representado por advogado constituído, faz ele jus à isenção das custas processuais. V.V.P. APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - PRIVILÉGIO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006 - QUANTUM DE REDUÇÃO DA PENA - FUNDAMENTAÇÃO - NÃO OBRIGATORIEDADE - ISENÇÃO DE CUSTAS - IMPOSSIBILIDADE - DEFESA PATROCINADA POR ADVOGADO CONSTITUÍDO - NÃO COMPROVAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS - PRELIMINAR REJEITADA. NO MÉRITO, RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS, DE FORMA MENOS AMPLA. - 1. Ao exame da norma contida no § 4º, do art. 33, da Lei 11.343/06, extrai-se que, o juiz poderá reduzir a pena, não havendo, no meu entendimento, a obrigatoriedade de fazer a redução, tão pouco de fundamentar seu quantum. - 2. Tendo o primeiro apelante sido acompanhado por advogado ao longo de todo o processo, não logrando, ainda, comprovar sua insuficiência de recursos, é de rigor o indeferimento do pedido de isenção das custas, não bastando a mera alegação de que não possui condições de arcar com as despesas processuais”2).
“PENAL - PROCESSO PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - INSTRUÇÃO - OITIVA – INVERSÃO DA ORDEM - NULIDADE - INOCORRÊNCIA – TRÁFICO DE ENTORPECENTES - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO - IMPOSSIBILIDADE - DESTINAÇÃO MERCANTIL DEMONSTRADA - CORRUPÇÃO DE MENORES - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.- O delito de tráfico de entorpecentes é regulamentado pela Lei 11.343/06 que, dada sua especialidade, não teve seu procedimento alterado pelo exposto na Lei 11.719/2008, que modificou o art. 400 Código de Processo Penal, estipulando o interrogatório do réu como o último ato da instrução, precedendo-se à sua oitiva somente após a inquirição das testemunhas. […]”3).

No mesmo sentido:

HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS - 'COCAÍNA' - AFIRMAÇÃO DE QUE A DECISÃO IMPUGNADA NÃO ESTARIA SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA - NÃO ACOLHIMENTO - QUANTIDADE DE DROGA (2 KG DE COCAÍNA) E CARÁTER HEDIONDO DO CRIME - INTELIGÊNCIA DO ART. 44 DA LEI 11.343/2006 - VEDAÇÃO EXPRESSA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - CONSTITUCIONALIDADE PREVISTA NO INCISO XLII, CF, QUE AUTORIZOU O TRATAMENTO DIFERENCIADO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - ADVENTO DA LEI 11.464/2007 QUE NÃO REVOGOU A LEI  11.343/2006 - PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL - APREENSÃO DE CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE COCAÍNA (2 KG) - DROGA QUE, SABIDAMENTE POSSUI MAIOR POTENCIAL LESIVO - ORDEM DENEGADA, POR MAIORIA”4).
“Revisão Criminal. Tráfico de drogas. Agente surpreendido em poder de duzentas porções de cocaína. Preliminar. Alegada inversão da ordem do interrogatório. Nulidade. Inocorrência. A ordem dos atos processuais na audiência de instrução e julgamento, prevista no art. 400 do CPP, não incide sobre os crimes previstos na Lei de Tóxicos, que contém norma específica sobre a colheita da prova oral. Aplicação do princípio da especialidade. Inteligência dos arts. 394§ 2, do CPP e art. 57 da Lei de Tóxicos. Mérito. Materialidade e autoria induvidosas. Alegação de posse para uso próprio infirmada pelos depoimentos dos policiais e por comprometedora prova técnica. Prova segura. Condenação mantida. Redução da pena. Fundamentos usados para a exasperação da base confundem-se com as elementares do crime. Base reconduzida ao mínimo. Correto o abatimento mínimo pelo redutor do art. 33§ 4º, da Lei de Tóxicos. Regime prisional adequado. Descabida a substituição da carcerária por restritivas de direitos ? Pedido deferido em parte para ligeira redução da pena, mantida no mais a decisão revidenda“5).
“APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06). INTERROGATÓRIO REALIZADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DO RITO PREVISTO NA LEI ESPECIAL. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO PENAL DO ART. 28 DA MESMA LEI. DESCABIMENTO. FRAGILIDADE DA VERSÃO DEFENSIVA. PERTINÊNCIA DA ACUSAÇÃO. APELO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
I - Nos crimes abrangidos pela Lei nº 11.343/06, a realização do interrogatório no início da instrução processual não caracteriza ofensa ao art. 400 do CPP, posto que prevalece o rito previsto na lei especial (princípio da especialidade). Aplica-se, portanto, a regra do art. 57 da Nova Lei de Tóxicos, a qual enumera o interrogatório como o primeiro ato processual a ser realizado na audiência de instrução e julgamento. Precedentes. Preliminar de nulidade do feito por ofensa ao devido processo legal rejeitada à unanimidade.
II - Mérito. Descabida a desclassificação almejada pelo parquet, diante da fragilidade da versão defensiva e da pertinência da acusação.
III - Apelo improvido. Decisão unânime.

Acordão

À UNANIMIDADE DE VOTOS, REJEITOU-SE A PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUÍDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NO MÉRITO, TAMBÉM À UNANIMIDADE DE VOTOS, NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE, NA ÍNTEGRA, A SENTENÇA ATACADA”6).

Insta ressaltar, conforme dito alhures, que, quando o delito de tráfico de drogas for perpetrado, em concurso, com os delitos descritos na lei sobre o crime organizado (Lei nº 12.850/2013), por força do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 12.850/2013, deverá ser observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Penal.


1)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0693.08.074629-2/001. Relator: Des. Pedro Vergara. Belo Horizonte, 19 de janeiro de 2010. Minas Gerais, Belo Horizonte, 3 fev. 2010, grifo nosso.
2)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0701.08.230159-2/001. Relator: Des. Adilson Lamounier. Belo Horizonte, 19 de janeiro de 2010. Minas Gerais, Belo Horizonte, 3 fev. 2010, grifo nosso.
3)
MINAS GERAIS. Triunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Criminal n° 1.0701.08.228911-0/001. Relator: Des. Eli Lucas de Mendonça. Belo Horizonte, 4 de março de 2009. Minas Gerais, Belo Horizonte, 20 mar. 2009, grifo nosso.
4)
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Processo nº 8581957 PR 858195-7. Relator: Des. Tito Campos de Paula. Curitiba, 19 de janeiro de 2012. Órgão Julgador: 4ª Câmara Criminal, grifo nosso.
5)
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Revisão Criminal nº 2584232320108260000 SP 0258423-23.2010.8.26.0000. Relator: Des. Péricles Piza. São Paulo, 17 de setembro de 2012. - Órgão Julgador: 1º Grupo de Direito Criminal. São Paulo, DJe, 20 set. 2012.
6)
PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Apelação nº 1063115220098170001 PE 0106311-52.2009.8.17.0001. Relator: Des. Alexandre Guedes Alcoforado Assunção. Recife, 21 de agosto de 2012. Órgão Julgador: 4ª Câmara Criminal.
cap8/8-3-15.txt · Última modificação: 2015/01/15 16:49 (edição externa)