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cap9:9-2-2

2.2. Atuação do Promotor de Justiça em declaratórias de paternidade/maternidade


O advento da Lei nº 8.560/92 deixa claro o objetivo do legislador de evitar paternidades ocultas ao instituir a averiguação oficiosa, por meio da qual se faz uma espécie de investigação sumária em juízo, independentemente da iniciativa da genitora. Ademais, aludida norma trouxe uma inovação: atribuiu ao Ministério Público legitimidade extraordinária para propor a ação de investigação de paternidade, quando frustrada a tentativa de acordo (art. 2º, § 4º).

Algumas estatísticas indicam que de 25% a 30% das crianças nascidas no Brasil não têm o pai declarado em seu registro. Esse índice é alarmante e causa um sério problema de ordem emocional, social e econômica, dando uma dimensão exata da importância do papel do Ministério Público, como defensor dos direitos individuais indisponíveis.


Providências preliminares do juízo


Feito o registro de nascimento sem a indicação do nome do pai (ou da mãe), o oficial enviará ao juiz competente certidão integral do registro, acompanhada do nome, prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai informado (art. 2º da Lei nº 8.560/92). O juiz, então, promoverá a averiguação oficiosa, ouvindo, se possível, a mãe, e, em todos os casos, mandará notificar o suposto pai, para que se manifeste, no prazo de trinta dias, sobre a paternidade que lhe é atribuída. Quando não há a declaração do nome do suposto pai para o Oficial do Registro, o juiz deverá chamar a mãe, na tentativa de obter tal informação. Caso o suposto pai confirme expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao Oficial do Registro, para a devida averbação (§ 3º, art. 2º), sem qualquer custo (Leis nº 9.534/97, nº 9.265/96, nº 765/49 e nº 9.465/97).

Todavia, se o suposto pai negar a paternidade que lhe é imputada, ou se mantiver inerte no prazo acima indicado, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público (§ 4º, art. 2º). Embora a lei determine que se remeta ao Parquet o expediente enviado pelo Cartório ao Juízo, na prática, são enviadas apenas as cópias para evitar que o expediente judicial fique em aberto na Promotoria de Justiça e que ocorram eventuais conflitos de competência ou atribuição, nas Comarcas onde haja separação de Varas e/ou Promotorias de Registro Público e de Família.


Providências preliminares do Promotor de Justiça


Recebido tal expediente, deve-se abrir um procedimento administrativo e notificar a declarante do registro (genitora da criança), visando à obtenção de maiores informações. Posteriormente, notifica-se o suposto pai para tentar promover o acordo entre os envolvidos, inclusive apresentando-o à criança, quando conveniente. Deve-se, sempre, buscar a composição entre as partes, pois isso evita o atrito e os embates judiciais, geralmente dolorosos; facilita o desenvolvimento da afetividade entre pais e filhos; além de coadunar com a tendência do Ministério Público resolutivo, alcançando, assim, maior efetividade na resolução dos conflitos. O reconhecimento espontâneo da paternidade pode ser feito por escritura pública, escrito particular, testamento, ou qualquer outra forma que manifeste expressamente a vontade do pai.

Vale salientar, por oportuno, que a atuação do Promotor de Justiça na defesa do direito à filiação não se restringe ao expediente da Lei nº 8.560/92, já que muitos casos são enviados por diretores de estabelecimentos escolares, Conselho Tutelar, Juizado Especial, diretores de presídios, etc., e os erros e omissões não se limitam à indicação do pai, mas também abrangem a mãe. Em todas as hipóteses, adota-se a mesma forma procedimental, sendo que, no caso de dúvida da maternidade, é recomendável, sempre que possível, requisitar informações do hospital onde nasceu a criança e promover a coleta de prova testemunhal, mesmo que não haja resistência. Quando não se obtiver o reconhecimento imediato, pode-se propor aos envolvidos, ainda administrativamente, a realização da prova pericial do Exame de DNA, que tem grande credibilidade entre os cidadãos e, atualmente, é realizada por preços bastante acessíveis.

Todavia, deve-se atentar para que essa prova pericial seja realizada com a observância dos requisitos pertinentes, pois a precisão de seus resultados depende dos cuidados recomendados na coleta do material, da quantidade de alelos analisados, assim como da capacidade técnica dos peritos e dos laboratórios.

Em razão da importância e da influência do Exame de DNA para a resolução das ações de filiação, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais coordena um Grupo de Estudos, composto por várias entidades públicas e privadas, o qual elaborou uma proposta de regulamentação, jurídica e técnica, do Exame de DNA, visando garantir não só a segurança jurídica das partes envolvidas, mas também que sejam atendidos os rigores técnicos da perícia, com a regulação dos procedimentos de identificação das partes, coleta das amostras, técnicas admitidas, requisitos do laudo, dentre outros. Esse estudo foi apresentado à Deputada Federal Jô Moraes, que apresentou o Projeto de Lei nº 1.497/07, no dia 4 de julho de 2007, estando ainda em trâmite no Congresso Nacional. No intuito de facilitar a atuação do órgão de execução e garantir a preservação do direito fundamental à filiação, a Procuradoria-Geral de Justiça promoveu, de forma inovadora, o credenciamento de laboratórios, através do Edital nº 01/2007, para que os exames possam ser solicitados pelos seus membros a laboratórios que atendam aos requisitos devidos, pelo menor preço, mesmo que ainda custeado pelas partes, inclusive com coleta de material genético na própria Promotoria de Justiça.

Obtendo-se o reconhecimento da paternidade ou maternidade, com ou sem a prova pericial, lavra-se o termo de reconhecimento (modelo anexo) e comunica-se ao Juízo da Vara de Registros Públicos, onde houver vara privativa, para que seja expedido o mandado de registro, também sem qualquer custo, na forma das leis acima indicadas.

O art. 7º da Lei nº 8.560/92 determina que se busque a fixação dos alimentos provisionais ou definitivos, quando o reconhecido deles necessitar. O Promotor de Justiça pode tentar acordar, desde já, tanto os alimentos quanto a regulamentação de visitas, mas deve, nesse caso, requerer a homologação judicial do acordo, para possibilitar a eventual execução dos alimentos pelo rito do art. 733 do Código de Processo Civil. Quando o pai é falecido, existem casos em que se consegue o reconhecimento dos seus herdeiros (filhos, pais, cônjuges ou irmãos), e o acordo celebrado tem obtido homologação judicial:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - MORTE DO INDIGITADO PAI BIOLÓGICO - Acordo de reconhecimento formalizado com todos os herdeiros do falecido e cônjuge supérstite. Não homologação pelo juízo, ao fundamento de ser direito personalíssimo. Determinação de prosseguimento com a realização de exame hematológico. Recurso provido. O direito personalíssimo é apenas do investigando. Pessoas maiores e capazes. Acordo homologado (TJSP - AI 198.094-4/3-00 - 10ª CDPriv. - Rel. Des. Roberto Stucchi - DJSP 24/09/2001 - p. 21).


Arquivamento do procedimento


Seja no caso de reconhecimento da paternidade, seja por falta de elementos suficientes para a interposição da ação investigativa, ou ainda por ter a parte interessada constituído procurador ou estar assistida por outra entidade, o procedimento deve ser devolvido ao juízo, quando utilizar o original, com dispensa de sua remessa ao Conselho Superior do Ministério Público, nos termos do Enunciado nº 03.1) Em caso de instauração do procedimento com cópias do expediente judicial, ele deve ser arquivado na Promotoria de Justiça, também sem remessa ao Conselho Superior, por interpretação extensiva dos próprios termos do Enunciado nº 03.


Atuação judicial - Legitimidade ativa do Ministério Público


Não se obtendo o acordo, mas existindo as provas necessárias, o Promotor de Justiça pode interpor a Ação de Investigação de Paternidade, como substituto processual (art. 2º, § 4º). A legitimidade extraordinária conferida ao Ministério Público para interpor ações de investigação de paternidade foi inicialmente contestada, mas agora tanto a doutrina como a jurisprudência a reconhece, seja nos casos anteriores ou posteriores à edição da Lei nº 8.560/92, sendo a parte menor ou maior, hipossuficiente ou não. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, inclusive, uniformizou seu entendimento através da UF nº 56.381/7, cujo inteiro teor encontra-se no banco de dados do site do Ministério Público. Do mesmo modo, tal entendimento também está há muito pacificado no Superior Tribunal de Justiça:

Investigação de paternidade. Ação proposta pelo Ministério Público (Lei n° 8.560/92). Legitimidade, que não se limita à hipótese do registro posterior à lei. Precedentes do STJ: Resp’s 78.621 e 122.103. Recurso especial conhecido e provido (STJ - REsp 92040/MG - 1996/0020408-0 - 3ª Turma. Rel. Ministro Nilson Naves, j. 27/10/1998. DJ 08.02.1999, p. 276).

Todavia, a legitimidade ministerial é concorrente (§ 5º do art. 2º da Lei nº 8.560/92), nada impedindo que seja fornecida cópia do expediente ao interessado, quando desejar constituir procurador, ou, nos casos de hipossuficiência, procurar a Defensoria Pública ou outro serviço de assistência judiciária, onde houver, para que intente a ação de investigação de paternidade.


Considerações na atuação judicial


Para a propositura da ação de investigação de paternidade, o Promotor de Justiça deve angariar os elementos fáticos e probatórios suficientes, instruindo a inicial com a indicação de testemunhas, previamente ouvidas no procedimento administrativo, e, sempre que possível, documentos que comprovem o envolvimento do casal, como bilhetes, fotos, etc.

Deve-se atentar para evitar ações temerárias, cujo feito mal instruído possa gerar coisa julgada material em desfavor do substituído, embora hoje se discuta a incidência da coisa julgada nas ações de Estado, mormente quando não se realizou o Exame de DNA. Autores como Humberto Theodoro Júnior2), Adalgisa Wiedemann Chaves3), Luiz Roberto de Assumpção4), Rolf Madaleno5) e Maria Christina de Almeida6) admitem a possibilidade de propositura de uma nova ação, para investigar o vínculo biológico, quando a primeira decisão foi proferida sem a prova do exame de DNA. Por outro lado, Nelson Nery Junior entende que a coisa julgada é um elemento do Estado democrático de direito e, portanto, não pode ser relativizada7). Já Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina discordam da relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, mas entendem que o exame de DNA, realizado após o trânsito em julgado da decisão, pode ser considerado como documento novo justificável de uma ação rescisória8).

O posicionamento jurisprudencial também não é unânime. Assim, é recomendável uma análise criteriosa das provas disponíveis, para não colocar em risco o direito fundamental ao conhecimento da ascendência genética do investigante. A ação investigatória deve ser intentada contra o pai/mãe (quando vivos) ou contra seus herdeiros, nunca contra o espólio. Mas a ação pode ser contestada por qualquer pessoa que tenha justo interesse (art. 1.615 do Código Civil de 2002), aí se incluindo a esposa do investigante, os filhos ou sucessores deste e ainda, segundo alguns, por qualquer entidade responsável pelo pensionamento aos herdeiros do suposto pai.

A ação de investigação de paternidade/maternidade processa-se pelo rito ordinário, com ampla produção de provas, admitindo-se todas as provas judiciais. Mas, sem dúvida, atualmente, a prova pericial do exame de DNA é a mais utilizada, devendo-se, entretanto, atentar para a observância dos critérios jurídicos e técnicos pertinentes, como já salientado. Quando o substituído for pobre no sentido legal, pode-se pleitear a realização gratuita do exame de DNA, sendo que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais arca com 100 (cem) exames mensais e a Secretaria Estadual de Saúde disponibiliza duzentos exames mensais (Lei Estadual nº 12.460/97 e Decreto nº 41.420/00). De todo modo, alguns juízos têm feito convênio com laboratórios, públicos ou privados, para garantir a realização do exame de DNA por preços mais acessíveis, garantindo, assim, o acesso do indivíduo a essa prova pericial e, consequentemente, à comprovação do direito alegado.


Sentença


Finda a instrução, é prolatada a decisão, que estabelece ou não o liame de parentesco entre o investigante e o(a) investigado(a). Em caso de improcedência, deve-se atentar para a conveniência da interposição de recurso e observar para que o Ministério Público não seja condenado à sucumbência (honorários advocatícios e custas). A sentença procedente confere o status familiar ao filho, o que constará do Registro Civil, com o acréscimo do sobrenome familiar, a inclusão dos nomes paternos e maternos, assim como dos avós.

Outra consequência é o direito à prestação alimentícia, uma vez que o art. 7º da Lei nº 8.560/92 já determina a fixação dos alimentos provisionais ou definitivos, quando o reconhecido deles necessitar. Sendo o reconhecido menor, sujeita-se também ao poder familiar do pai. A procedência da ação gera uma outra importante consequência, que é a equiparação para efeitos sucessórios, passando o reconhecido a concorrer com igualdade à herança do genitor.

Existe uma discussão doutrinária quanto à natureza jurídica das ações de filiação, especialmente a ação de investigação de paternidade. Autores como Maria Helena Diniz9) defendem a ideia de que, quando se busca somente a declaração do estado familiar, as ações de filiação são meramente declaratórias, podendo ser constitutiva/condenatória quando se requer a declaração do vínculo de parentesco e os consequentes pedidos de alimentos, herança ou danos morais. Já Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart entendem que a ação declaratória tem por objeto somente a determinação da existência, inexistência ou o modo de ser de uma relação jurídica10).

Considerando que o reconhecimento judicial da filiação não cria a paternidade, mas apenas declara um fato já existente, do qual advêm as consequências jurídicas, entende-se que as ações que visam somente ao reconhecimento do vínculo biológico são meramente declaratórias.


1)
Enunciado nº 03: O arquivamento do procedimento de averiguação oficiosa de paternidade, instituído pela Lei nº 8.560/92, não está sujeito à revisão pelo Conselho Superior do Ministério Público. Sendo o referido expediente, na forma da Lei, originário do juízo, ainda que complementado pelo Promotor de Justiça, deve ser restituído ao órgão de origem no caso de não ser intentada a investigatória de paternidade pelo Parquet (Aprovado na 2ª Sessão Ordinária, realizada em 29/02/96, publicado no Diário Oficial: 23/03/96 e republicado e republicado no Diário Oficial, em 4/09/2001).
2)
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prova: princípio da verdade real - poderes do juiz - ônus da prova e sua eventual inversão - provas ilícitas - prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (DNA). Revista de Direito Privado. ano 5, n. 17. São Paulo. 2004. p. 9-27.
3)
CHAVES, Adalgisa Wiedemann. Efeitos da coisa julgada: as demandas para o reconhecimento da filiação e o avanço da técnica pericial. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (Coord.). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 11-28.
4)
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Aspectos da paternidade no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 135-147.
5)
MADALENO, Rolf. A coisa julgada na investigação de paternidade. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: DNA como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
6)
ALMEIDA, Maria Christina de. DNA e estado de filiação à luz da dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 160-176.
7)
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal: com as novas Súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 37-59.
8)
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 171-201.
9)
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 11. 5. ed. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 321.
10)
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 464.
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