6.1. Infrações penais ambientais nos crimes de menor potencial ofensivo


Autores/Organizadores: Francisco Chaves Generoso
Promotor de Justiça Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente da Bacia do Alto Rio São Francisco

Bruno Guerra de Oliveira
Promotor de Justiça Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente da Bacia do Rio Paraíba do Sul


Roteiro de Atuação


Contextualização


Como se sabe, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 3º, ao estabelecer que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, consagrou expressamente a tríplice responsabilização (administrativa, cível e criminal) do agente infrator.

A responsabilidade administrativa ambiental surge em razão de infrações de normas administrativas e sujeita o infrator a sanções aplicadas com base no poder de polícia da Administração Pública. Por outro lado, através da responsabilização civil, busca-se promover a reparação do dano ambiental causado pelo poluidor, a qual incide de maneira objetiva, independentemente da existência de dolo ou culpa. Por fim, a responsabilização criminal decorre da prática de condutas tipificadas pela legislação como infração penal e para as quais foram previstas sanções de tal natureza.

É sabido, ainda, que, em relação à responsabilidade administrativa, as respectivas sanções são impostas pelos próprios órgãos integrantes do SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente, independentemente da intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Por outro lado, já em relação às responsabilidades civil e penal, o Ministério Público possui papel essencial na busca de sua efetividade.

De fato, conforme expressamente previsto pelo artigo 129, III, da Constituição Federal, pelo artigo 14, parágrafo 1º, da Lei n. 6.938/81 e pelos artigos 1º, I, c/c 5º, I, da Lei n. 7.347/85, o Ministério Público constitui-se em um dos agentes legitimados a promover a ação civil pública para a tutela do meio ambiente, instrumento por meio do qual busca, em Juízo, a responsabilização civil pelos danos ambientais causados.

Da mesma forma, o artigo 129, I, da Constituição Federal e o artigo 24 do Código de Processo Penal dispõem que são funções institucionais do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, meio essencial para a responsabilização penal do infrator.

A presente abordagem tem por objeto a atuação do Ministério Público na busca da responsabilização penal decorrente de atividades e condutas lesivas ao meio ambiente, mais especificamente propor um roteiro de atuação para as infrações penais ambientais de menor potencial ofensivo.

Relevante mencionar, por oportuno, que as infrações penais de natureza ambiental ainda não se encontram completamente compiladas em um único Diploma. De fato, embora a Lei n. 9.605/98 tivesse tal pretensão, ainda existem tipos penais em diversas normas esparsas, como, por exemplo, na Lei 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo Urbano), na Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança), na Lei 7.643/87 (Lei de Proteção aos Cetáceos) e no Decreto-Lei n. 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais).

De toda a forma, a Lei n. 9.605/95 constitui-se na principal norma de regência quando são abordados os crimes ambientais, inclusive por trazer algumas regras procedimentais próprias para os delitos ecológicos.

Mostra-se também importante registrar que o Direito Penal deve se preocupar apenas com a proteção dos bens jurídicos mais relevantes e, nesse contexto, havendo a Constituição Federal definido o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental (art. 225 c.c. Art. 5°, caput, e §2°), nada mais adequado do que tipificar condutas que lhe causem dano ou mesmo que lhe exponham a perigo de dano.

Válido salientar, outrossim, que boa parte dos crimes previstos na Lei n. 9.605/98 deve ser processada e julgada perante os Juizados Especiais Criminais e, ainda, que a grande maioria deles admite a incidência dos benefícios despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95, quais sejam, a composição civil dos danos, a transação penal e/ou a suspensão condicional do processo.

Característica peculiar do Direito Penal Ambiental é a sua clara preocupação com a reparação do dano ambiental causado e, em razão disso, ele tem sido tratado como Direito Penal Reparador.

A esse respeito, vale transcrever trecho de artigo da autoria do Promotor de Justiça Alex Fernandes Santiago:

“(…) O Direito Penal Ambiental brasileiro foi concebido como um Direito Penal em que a viga mestra é a reparação do dano. Tanto é assim que, pela doutrina pátria, há quem o denomine com muita propriedade como Direito Penal Reparador, considerando o notório propósito da principal da lei penal ambiental, a Lei 9.605/98 de efetiva reparação do dano ambiental, conforme se constata em diversos excertos do diploma legislativo. E é bom que seja assim, característica de um Direito Penal moderno, ‘basado, por ejemplo, em las penas pecuniarias y privativas de derechos, así como para un eventual Derecho Penal de la reparación’1).

No mesmo sentido, oportuna a lição de Eladio Lecey:

“Em matéria de meio ambiente, considerando-se a danosidade coletiva e macrossocial das condutas que atentam contra dito bem, difuso por excelência, ainda mais necessária se revela a busca de reparação do dano. E o direito penal, como instrumento de pressão, em razão de sua coercibilidade garantida pelas sanções criminais, mais severas do que as cíveis, e como meio de solução mais pronta aos conflitos, se apresenta útil à efetivação da reparação. Assim, deve o direito ambiental penal, embora precipuamente preventivo e punitivo, ser também reparador, possibilitando pronta garantia ao bem jurídico tutelado por suas normas”2).

De fato, em relação aos crimes ambientais, o artigo 27 da Lei n. 9.605/98 é expresso ao dispor que a proposta de transação penal somente poderá ser formulada caso tenha havido a prévia composição do dano ambiental:

“Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade. (g.n.)”

Da mesma forma, uma vez proposta a suspensão condicional do processo, a declaração de extinção da punibilidade fica condicionada a existência de laudo de constatação da reparação do dano ambiental. Eis o teor do artigo 28 da Lei de Crimes Ambientais:

“Art. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações:

I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do § 1° do mesmo artigo;

II - na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o prazo de suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo referido no caput, acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição;

III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1° do artigo mencionado no caput;

IV - findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação de reparação do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão, até o máximo previsto no inciso II deste artigo, observado o disposto no inciso III;

V - esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral do dano. (g.n.)“

Além disso, em caso de incidência da suspensão condicional da pena, o artigo 17 da Lei n. 9.605/98 determina que a verificação da reparação do dano referido no parágrafo 2º do artigo 78 do Código Penal será feita mediante laudo de reparação do dano ambiental.

Finalmente, o artigo 20 da Lei n. 9.605/98 dispõe que a sentença condenatória fixará, sempre que possível, o valor mínimo de reparação dos danos causados 3):

“Art. 20: A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.

Parágrafo Único: Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá efetuar-se pelo valor fixado nos termos do ‘caput’, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido”.

Por outro lado, a despeito de tais disposições legais, como realidade comumente encontrada nas Promotorias de Justiça, verifica-se:

A partir de tal contextualização e frente aos dispositivos legais que regem a matéria, é possível traçar o seguinte roteiro de atuação:


Solução sugerida:


Quando o fato tratado consubstanciar em infração penal de menor potencial ofensivo e envolver uma análise técnica/jurídica de pequena complexidade, verifica-se uma desnecessidade, em regra e a princípio, de instauração de inquérito civil ou procedimento preparatório a partir de Autos de Infração Ambiental ou de REDS (antigo Boletim de Ocorrência Policial).

Efetivamente, a teor do disposto no artigo 27 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98), nos delitos de menor potencial ofensivo contra o meio ambiente, a proposta de transação penal está condicionada à prévia composição do dano ambiental. Assim, estando preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos para a transação penal, deverá haver a precedente responsabilização civil pelo mesmo fato, garantindo-se a recuperação, compensação e mitigação do dano ambiental, assim como a cessação do ilícito contra o meio ambiente.

Tal postura permite que, no âmbito do Juizado Especial Criminal, seja resolvida tanto a faceta penal quanto a civil de um mesmo ilícito ou dano ambiental, respeitando-se o princípio da reparação integral (artigo 225, §3º, CF/88), sem que haja a necessidade de apuração em procedimento investigatório (IC ou PP) instaurado na Promotoria de Justiça, evitando ou minimizando, desta forma, o acúmulo de expedientes ministeriais aguardando perícias ou vistorias, com evidente prejuízo à atuação na defesa do meio ambiente.

Isso porque, na fase procedimental preliminar típica dos Juizados Especiais Criminais, é possível que a transação penal e a obrigatória e prévia composição civil dos danos ambientais ocorram apenas com os elementos constantes do Auto de Infração ou REDS4).

Desta forma, caso os documentos oriundos dos órgãos ambientais e Polícia Militar Ambiental sejam cópias de expedientes que tiveram como destinatária precípua a Polícia Civil e sendo o caso de delitos ambientais de menor potencial ofensivo, sugere-se a instauração apenas de notícia de fato, com posterior arquivamento na própria Promotoria de Justiça, haja vista que tanto a esfera penal quanto a civil do fato poderão ser resolvidas no âmbito do Juizado Especial Criminal, a partir do TCO encaminhado pelo Delegado de Polícia, evidentemente caso estejam preenchidos os requisitos da transação penal.

Tal medida, por óbvio, não desobriga o órgão de execução ministerial do controle da efetiva instauração de TCO´s na Polícia Civil, em razão da atribuição constitucional de controle da atividade policial.

Caso os documentos oriundos dos órgãos ambientais e Polícia Militar ambiental tenham como destinatário apenas o Ministério Público e sendo o caso de delitos ambientais de menor potencial ofensivo, a notícia de fato deve ser remetida ao Poder Judiciário, com pedido de distribuição, autuação, juntada de CAC e designação de audiência preliminar (artigo 76, Lei n.º 9.099/95).

O presente roteiro de atuação pode ser utilizado, também, para os casos de menor complexidade relacionados a infrações penais ambientais de médio potencial ofensivo, em que é cabível a suspensão condicional do processo, diante do disposto no artigo 28 da Lei n. 9.605/98, eis que somente o laudo de constatação de reparação do dano ambiental ensejará a declaração de extinção de punibilidade.

Não havendo possibilidade de composição civil no âmbito criminal (seja, por exemplo, em razão do advento da prescrição, não preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos inerentes à transação penal/suspensão condicional do processo, ou mesmo recusa da proposta), ainda existirá a possibilidade da reparação do dano ambiental ser garantida por meio da sentença penal condenatória, nos termos do artigo 20 da Lei n. 9.605/98.

No entanto, deve ser registrado que a própria utilização deste roteiro de atuação deve partir de dois pressupostos básicos:

Enfim, caso seja verificada, em determinado caso concreto, a impossibilidade de se obter a efetiva e integral reparação do dano ambiental junto ao Juízo Criminal ou, ainda, que tal reparação irá demandar um período de tempo que leve à ineficiência do modelo de atuação sugerido, entende-se necessária a instauração do procedimento investigatório (PP ou IC) na Promotoria de Justiça, a fim de buscar a responsabilização civil do agente infrator, privilegiando, dessa forma, uma tutela que se mostre efetivamente protetiva ao meio ambiente.

Por fim, deve ser salientado que, em havendo o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos atinentes à transação penal, a prévia composição civil deverá ocorrer com a proposição de obrigações de reparação do dano ambiental (recuperação, compensação e mitigação) e de cessação do ilícito ambiental, preferencialmente por meio de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), conforme artigo 162 do ato CGMP nº. 01/2014, que aprova a revisão e a atualização da Consolidação dos Atos Normativos e Orientadores expedidos pela Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Minas Gerais5).

Ademais, vale ressaltar, ainda, que, conforme expressa orientação da Corregedoria-Geral do Ministério Público, os recursos financeiros decorrentes de medidas compensatórias de penas pecuniárias ajustadas em transação penal e suspensão condicional do processo, aplicadas em razão de danos a bens ou ambientes de valor natural, urbanístico, histórico-cultural, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico e científico, devem ser “destinados a medidas de valia ao meio ambiente, tais como aporte ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos (FUNDIF) e aos Fundos Municipais de Meio Ambiente, custeio de programas e de projetos de fiscalização, proteção e reparação de bens ambientais, ações para capacitação técnico-ambiental ou para educação ambiental, apoio a entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção ao meio ambiente ou depósito em contas judiciais para projetos de relevância ambiental.” (artigo 163 do ato CGMP nº. 01/2014).


Exemplos

Seguem exemplos de situações com sugestões de atuação perante o Juizado Especial Criminal, nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo:

1ª Fase: Tramitação na Promotoria de Justiça


2ª Fase: Tramitação no Juizado Especial



1)
SANTIAGO, Alex Fernandes. Compreendendo o papel do Direito Penal na defesa do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, Editora Revista dos Tribunais, n. 61, ano 15, jan/mar de 2011, p. 34.
2)
LECEY, Eladio. Direito Ambiental Penal Reparador: composição e reparação do dano ao ambiente: reflexos no Juízo Criminal e a Jurisprudência. Revista de Direito Ambiental, vol. 45, jan/2007, p. 92.
3)
Importante registrar que, em uma interpretação constitucional do citado dispositivo, existe uma ordem preferencial das formas de reparação dos danos ambientais, segundo a qual, antes da indenização monetária pelos danos ambientais causados, busca-se a recuperação in natura dos bens ambientais degradados. Segundo José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, “a melhor forma de reparação, isto é, a ideal, é sempre a restauração ‘in natura’ via recuperação ou recomposição do bem ambiental, ao lado da cessação das atividades nocivas.” (in LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: Do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e Prática. 5ª Edição, rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 207/208). Em sendo impossível a restauração “in situ”, deve-se buscar a compensação ecológica, primeiramente através da substituição do bem ambiental danificado por equivalente in situ; em segundo lugar, a substituição por bem equivalente em outro lugar e, como última alternativa, a incidência da compensação monetária.
4)
A esse respeito, relevante mencionar que, apresentando-se o REDS com uma caracterização clara a respeito da tipificação penal, é possível entender-se desnecessária a própria existência de laudo pericial a fim de oferecer a proposta de composição civil dos danos e transação penal. Aliás, vale registrar, ainda, que se encontra vigente a Resolução Conjunta SEMAD/MPE/PMMG/PCMG n. 1.895, de 30 de julho de 2013, que estabeleceu um “Check List” de uso obrigatório quando da realização de atividades de fiscalização pela PM Ambiental ou outro órgão de fiscalização, o qual deve ser anexado aos Boletins de Ocorrência Policial, cujas informações poderão, em havendo necessidade, ser utilizadas para elaboração de laudos periciais indiretos.
5)
Meio ambiente. Dano ambiental. Transação penal e Composição Civil. Termo de Ajustamento de Conduta. Art. 162. A composição do dano ambiental, que é requisito legal para a admissibilidade da aplicação imediata da pena, nos termos do art. 27 da Lei n.º 9.608, de 12 de fevereiro de 1998, deve ser firmada preferencialmente mediante termo de ajustamento de conduta, em conformidade com o art. 5º, § 6º, da Lei n.º 7.347, de 1985.